“Contenham esse avanço... Façam qualquer coisa, por menor que seja... Mantenham aberta ainda que seja uma só porta dentre cem, pois conquanto que tenhamos pelo menos uma porta aberta, não estaremos numa prisão.”
(G.K.C)

terça-feira, 24 de agosto de 2010

O Tempero da vida e outros ensaios


Para a imensa satisfação de muitos, mais um livro de Chesterton nos chega em língua portuguesa: O Tempero da vida e outros ensaios.

"O obra reúne os pensamentos do criador do Padre Brown sobre o avanço da mentalidade burguesa e tecnológica entre as duas guerras, artigos sobre humor, sobre a literatura sentimental e sobre a composição de histórias de detetive, além de textos sobre as obras de Shakespeare, Esopo, Hans Christian Andersen, Lewis Carroll, Charles Dickens e Charlotte Brontë. Em todos eles, um senso de humor perpassa as reflexões sobre arte, filosofia e religião".

Trecho: "Se é para se condenar a literatura sentimental, definitivamente não o deverá ser porque é sentimental, e sim porque não é literatura. O drama ou a epopeia podem ser consideradas a vida ativa da literatura; o soneto ou a ode, a vida contemplativa. O ensaio é a brincadeira. O ócio é um alimento, como o sono; a liberdade é um alimento, como o sono. O humor corresponde à virtude humana da humildade e é apenas mais divino porque tem, por um instante, uma percepção maior dos mistérios".

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Livraria Cultura

Livraria Saraiva

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

O inventor

Gustavo Corção

Convém, antes de prosseguir, esclarecer a distinção entre o inventor e o descobridor.

O inventor pertence ao campo do fazer e define-se pelo ato de imprimir uma forma nova à matéria já conhecida; o descobridor pertence ao campo do conhecer e consiste em descobrir e formular novas propriedades e relações já existentes no objeto, mas escondidos à inteligência. A emissão eletrônica constituiu uma descoberta; a válvula eletrônica, foi uma invenção. As leis do pêndulo — esse antiqüíssimo objeto — foram descobertas; o relógio baseado no isocronismo pendular foi inventado.

O técnico distingue-se do cientista por ser um indivíduo em que o fazer prevalece sobre o conhecer...

O técnico, como seu irmão o poeta, é mais inovador do que o cientista e o descobridor. Quem descobre um satélite de Júpiter ou uma nova propriedade do oxigênio está apenas pronunciando pela primeira vez, com verbo humano, o que já estava escondido no céu ou na terra; quem faz um saca-rolhas ou um poema, está fazendo um objeto que antes dele não existia.

O homem de imaginação inventiva é o explorador dos possíveis.

Assim, tateando as essências, conduzindo-as e sentindo-lhes as resistências, vai o inventor experimentando aproximações até que descubra, num desses choques, uma fecundação. Aí se imobiliza, crispado, atento, como um felino e demora-se o quanto pode no deslumbramento da presa apetecida. Nesse momento acode-lhe ao espírito uma impressão extremamente ingênua: ele vê o objeto, numa antecipação, como se já estivesse pronto. Não no detalhe, problema por problema, mas inteiro embora indeciso como desenho de criança. Ele vê a forma da coisa que pela primeira vez na história do mundo se desenha em sua inteligência, oscilante, líquida, como se estivesse surgindo no fundo de um lago.

Desse momento em diante, já com o sabor das primícias, ele volta atrás, aos detalhes, aos problemas, tendo porém o passo mais firme porque já viu pronto, num sonho, o objeto de seus sonhos. Se foi uma miragem apenas ele irá tragicamente até as últimas conseqüências porque entre essa miragem e o universo inteiro, com suas pedras, árvores e metais, ele crê e prefere a miragem. Vestirá suas asas de lona e se esborrachará diante dos parisienses atônitos porque num certo minuto se viu voando em imaginação, tão vivo e leve como se fosse um albatroz.

O inventor técnico precisa de um ambiente rico de poesia, de filosofia, de formas diversas, onde enriqueça sua capacidade psicológica de explorar analogias. Em outras palavras: numa sociedade tecnicalizada a técnica ficaria rapidamente estacionária, e logo depois regrediria. Há um mistério de vida vivida, em casa, nos jardins, nos teatros, em cada parafuso do Radar e em cada peça de um abridor de latas.

Há pessoas que falando em vacas, só tem presentes e prontas para entrar em jogo na mente, as idéias correlatas mais próximas: leite, manteiga, problemas de pecuária ou de dieta. Outras, porém, dispõem de milhares de coisas que viu, que ouviu, em que pensou, tudo pronto para cruzar rapidamente o céu do pensamento, produzindo na passagem colisões, explosões, cintilações de onde saem outros com órbitas. Prontamente soltará dentro do círculo luminoso a lembrança do deus Osíris, o Egito inteiro, um quadro e pedaços de um discurso demagogo ouvido na véspera.

Examine o leitor, detidamente, o seu receptor de rádio e admire a confluência de coisas que ele representa. A caixa veio da floresta; o ferro e o alumínio, o vidro e o cobre, das quatro partes do mundo; a resina, as fibras, a borracha, que tinham seu emprego em milhares de outros objetos, encontram-se finalmente dentro do receptor; a cera das abelhas que Virgílio cantou, e que há séculos e séculos ilumina os altares, serve agora para revestir as bobinas.

O inventor, como o poeta, é o homem que procura o novo na colisão das coisas distantes.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

A "emancipação"

Chesterton

Não nego que as mulheres foram ofendidas ou mesmo torturadas [no passado, quando cuidavam exclusivamente do lar e da família]; mas duvido que elas tenham sido tão torturadas quanto o são agora pela moderna tentativa absurda de fazê-las ao mesmo tempo rainhas do lar e funcionárias competitivas.