“Contenham esse avanço... Façam qualquer coisa, por menor que seja... Mantenham aberta ainda que seja uma só porta dentre cem, pois conquanto que tenhamos pelo menos uma porta aberta, não estaremos numa prisão.”
(G.K.C)

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Bem aventurado quem nada espera

Chesterton
Toda a apreciação genuína se fundamenta num certo mistério de humildade e de quase escuridão. O homem que disse, “Bem aventurado quem nada espera, pois não será desapontado”, colocou o elogio muito inadequadamente e mesmo falsamente. A verdade é: “Bem aventurado quem nada espera, pois será surpreendido”. Quem nada espera, vê rosas mais vermelhas que os homens comuns, vê gramas mais verdes e um sol mais brilhante. Bem aventurado quem nada espera, pois possuirá as cidades e as montanhas; bem aventurado os mansos, pois possuirão a terra. Até que percebamos que as coisas podem não ser, não podemos perceber que as coisas são. Até que vejamos o fundo negro, não podemos admirar a luz como uma coisa criada e única. Tão logo tenhamos visto a escuridão, toda luz será imprevista, brilhante, ofuscante e divina. Até que imaginemos o nada, subestimamos a vitória de Deus, e não poderemos perceber nenhum dos troféus de Sua antiga guerra. Um dos milhões dos espantosos gracejos da verdade é que não sabemos nada até que nada saibamos.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

O homem humilde

Chesterton

É o homem humilde que faz grandes coisas. É o homem humilde que faz coisas ousadas. É ao homem humilde que se concedem as visões sensacionais, e isso por três óbvias razões: em primeiro lugar, porque ele força mais seus olhos do que qualquer outro homem para vê-las; em segundo lugar, porque é mais inundado e elevado pelas visões quando elas acontecem; em terceiro lugar, porque as registra mais exata e sinceramente e com menos adulteração advinda de seu ordinário, orgulhoso e cotidiano ego. Aventuras são para aqueles a quem elas são mais inesperadas – isto é, mais românticas. Aventuras são para os tímidos: neste sentido, aventuras são para os não-aventureiros.

sábado, 7 de novembro de 2009

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Meu lar, meu castelo *

William Pitt

O lar de um homem é o seu castelo. O homem mais pobre desafia, em sua casa, todas as forças da coroa. A sua cabana pode ser muito frágil, o teto pode tremer, o vento pode soprar entre as portas mal ajustadas, a trombeta pode penetrar, mas o Rei da Inglaterra não pode nela entrar.

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* "... a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador..." (Art. 5º, inciso XI da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988)

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

A ciência, as "leis" da natureza e os contos de fadas


Chesterton

[....] há certas seqüências ou desenvolvimentos (casos de uma coi­sa seguindo outra) que são, no verdadeiro sentido da pala­vra, razoáveis. Eles são, no verdadeiro sentido da palavra, necessários. Assim são as seqüências matemáticas e mera­mente lógicas. Nós do país das fadas admitimos essa razão e essa necessidade. Por exemplo, se as Irmãs Feias são mais velhas que a Cinderela, então é (num sentido irônico e ter­rível) necessário que a Cinderela seja mais jovem do que as Irmãs Feias. Não há como fugir disso.

Se Jack é filho de um moleiro, um moleiro é o pai de Jack. A razão fria o decreta de seu terrível trono: e nós do país das fadas nos submete­mos. Se todos os três irmãos andam a cavalo, há seis animais e dezoito pernas envolvidos: isso é racionalismo verdadeiro, e o país das fadas está cheio dele.

Mas quando ergui a cabeça acima da cerca dos elfos e comecei a notar o mundo natural, observei um fato extraordinário. Observei que homens eruditos de óculos estavam conversando das coisas reais que aconteciam como se ELAS fossem racionais e inevitáveis. Falavam como se o fato de as árvores darem frutos fosse tão NECESSÁRIO quanto o fato de que uma árvore mais duas são três. Mas não é. Há uma enorme diferença pelo teste do país das fadas, que é o teste da imaginação. Não podemos IMAGINAR dois mais um não somando três. Mas pode-se facilmente imaginar árvores que não produzem frutos; pode-se imaginá-las produzindo candelabros ou tigres pendurados pelo rabo.

Esses homens de óculos falavam muito de um homem chamado Newton, que foi atingido por uma maçã e descobriu uma lei. Mas não era possível levá-los a ver a distinção entre uma lei verdadeira, uma lei da razão, e o simples fato de maçãs caírem. Se a maçã atingiu o nariz de Newton, o nariz de Newton atingiu a maçã. Essa é uma verdadeira necessidade: pois não podemos conceber uma coisa ocorrendo sem a outra. Mas, podemos muito bem imaginar a maçã NÃO caindo sobre seu nariz; podemos imaginá-la voando fogosa pelos ares para atingir algum outro nariz, pelo qual ela sentia uma aversão mais clara.

Sempre fizemos em nossos contos de fadas essa distinção nítida entre a ciência das relações mentais, na qual há de fato leis, e a ciência dos fatos físicos, nos quais não há nenhuma lei, mas apenas estranhas repetições.

O cientista diz: "Corte o pedúnculo, e a maçã cairá"; mas diz isso calmamente, como se uma idéia de fato levasse à outra. A bruxa dos contos de fada diz: "Toque a corneta, e o castelo do ogro cairá"; mas ela não diz isso como se fosse alguma coisa em que o efeito obviamente surgisse da causa. Mas os cientistas quebram a cabeça até conseguirem imaginar uma conexão mental necessária entre uma maçã que deixa o galho e uma maçã atingindo o chão. Eles realmente falam como se tivessem descoberto não apenas um conjunto de fatos maravilhosos, mas também uma verdade ligando esses fatos. Falam como se a ligação de duas coisas fisicamente estranhas as conectasse filosoficamente. Sentem que, pelo fato de uma coisa incompreensível sempre vir depois de outra coisa incompreensível, as duas de certo modo constituem uma coisa compreensível. Dois enigmas negros constituem uma resposta branca.

No país das fadas nós evitamos a palavra "lei"; mas na terra da ciência eles são especialmente apaixonados por ela. Os contos, de qualquer maneira, são contos; ao passo que a lei não é uma lei. Uma lei implica que conhecemos a natureza da generalização e da execução; não simplesmente que notamos alguns dos efeitos. Se há uma lei dizendo que os batedores de carteira devem ser presos, isso implica que há uma ligação mental imaginável entre a idéia da prisão e a idéia de bater carteiras. E sabemos qual é essa idéia. Podemos dizer por que tomamos a liberdade de alguém que toma liberdades. Mas não podemos dizer por que um ovo pode transformar-se num pinto, assim como não podemos dizer por que um urso poderia transformar-se num príncipe encantado. Como IDEIAS, o ovo e o pinto estão muito mais distantes entre si do que o urso e o príncipe; pois nenhum ovo por si só sugere um pinto, ao passo que alguns príncipes realmente sugerem ursos.

Quando nos perguntam por que os ovos se transformam em pássaros ou por que as frutas caem no outono, devemos responder exatamente como a fada madrinha responderia se Cinderela lhe perguntasse por que os ratos se transformaram em cavalos ou por que as roupas dela desapareceram depois da meia-noite. Devemos responder que é MÁGICA. Não é uma "lei", pois não entendemos sua fórmula geral. Não é uma necessidade, pois, embora contemos com esse tipo de acontecimento na prática, não temos o direito de dizer que ele deve sempre acontecer.

Todos os termos usados nos livros de ciência, "lei", "necessidade", "ordem" e assim por diante, são realmente não-intelectuais, porque pressupõem uma síntese interior, que nós não possuímos. As únicas palavras que sempre me satisfizeram como descrições da natureza são os termos usados nos contos de fada, "sortilégio", "feitiço", "encantamento". Eles expressam a arbitrariedade do fato e do mistério. Uma árvore dá frutos porque é uma árvore MÁGICA. A água corre morro abaixo porque está enfeitiçada. O sol brilha porque sob encanto.

Eu nego totalmente que isso seja fantástico ou mesmo místico. É o homem que fala de "uma lei" que nunca viu, que é místico. Ou melhor, o cientista ordinário é estritamente um sentimental. Um sentimental no sentido essencial, de estar mergulhado em meras associações que o vão carregando. Ele viu tantas vezes pássaros voando e botando ovos que sente como se devesse existir alguma fantástica e delicada ligação entre as duas idéias, quando não há nenhuma.

Um amante desamparado talvez não seja capaz de dissociar a lua de seu amor perdido; assim o materialista é incapaz de dissociar a lua da maré. Nos dois casos não há conexão, excetuando-se o fato de que alguém viu essas coisas juntas. Um sentimentalista talvez derramasse lágrimas ante o perfume de uma macieira em floração, porque, por uma obscura associação pessoal, ela lhe traz à memória os tempos de criança. Assim também o professor materialista (embora esconda as lágrimas) é, todavia, um sentimental, porque, por uma obscura associação pessoal, a macieira em floração lhe traz à memória as maçãs. Mas o frio racionalista do país das fadas não vê razão por que, em abstrato, a macieira não deva dar tulipas encarnadas; isso às vezes acontece no país dele.

Todo o intenso materialismo que domina a mente moderna apóia-se, em última análise, numa suposição; uma suposição falsa.

sábado, 24 de outubro de 2009

Exemplos de fracassos são úteis, quando nos permite mostrar que, muitas vezes, uma posição sedutora é insustentável diante do bom-senso, ou que uma posição equilibrada não é sustentável diante de fracassados, por não ter sido sedutora o bastante. Vê-se isso em toda a história.

sábado, 17 de outubro de 2009

O pensamento moderno

Chesterton

Você já viu alguma vez alguém perder um salto por não ter recuado o suficiente? Esse é o pensamento moderno. Confia tanto em para onde está indo, que não sabe de onde vem.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009


"Lúcia passava um tempão na popa jogando xadrez com Ripchip. Era engraçado vê-lo pegar com as duas patas as peças muito grandes para ele e esticar-se na ponta dos dedos quando tinha de fazer jogadas no centro do tabuleiro. Era um bom jogador e, quando prestava atenção ao que estava fazendo, era certo e sabido que ganhava. Às vezes, porém, Lúcia ganhava, pois o rato fazia coisas incríveis, pondo um cavaleiro em perigo por causa de uma dama ou de um castelo. De repente, esquecia-se de que estava jogando xadrez, julgando-se em um combate real, obrigando o cavaleiro a proceder como ele faria se estivesse no seu lugar. Pois tinha o espírito cheio de arrebatamentos de outros tempos, de missões de morte ou glória, de decisões heróicas".

A viagem do Peregrino Alvorada, Crônicas de Nárnia, C. S. Lewis.

domingo, 11 de outubro de 2009

Os dotes do corpo e os dotes da alma

Dom Quixote

"... há duas formosuras: uma da alma, outra do corpo; a da alma campeia, e mostra-se no entendimento, na honestidade, no bom proceder, na liberalidade e na boa criação, e todas estas partes cabem e podem estar num homem feio; e, quando se põe a mira nesta formosura e não na do corpo, o amor irrompe então com ímpeto e vantagem. Bem vejo que não sou formoso, mas também conheço que não sou disforme; e basta a um homem de bem não ser monstro, para ser querido, contanto que tenha os dotes da alma..."

sábado, 10 de outubro de 2009

O poeta e o historiador

Miguel de Cervantes

O poeta pode contar ou cantar as coisas, não como foram mas como deviam ser; e o historiador há-de escrevê-las, não como deviam ser e sim como foram, sem acrescentar ou tirar nada à verdade.

Quem sou - Parte II

Cumprindo a cada dia uma proeza muito rara nesse nosso tempo: continuar fiel a si mesmo. E, por isso mesmo, correndo o risco de enlouquecer à vista desse mundo. No entanto, se assim for, enloquecerei por amor à sanidade.

domingo, 4 de outubro de 2009

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Prudência nas discussões

Mário Ferreira dos Santos

Evita as longas discussões, sobretudo com pessoas dispersas, que juntam argumentos sobre argumentos, sem ordem e sem disciplina, misturando juízos apenas de gosto com algumas pseudo-idéias mal-formadas e mal-assimiladas. Evita essas discussões que não são em nada benéficas.

Se não for possível conduzir o colóquio com alguém em boa ordem, segundo boa lógica, cuidadosa e organizada, é preferível que te cales. Sempre sê disciplinado no trabalho mental. Essa é a regra importante, e nunca ceder às vagabundagens do pensamento em conversas diluídas, dispersas, em que se fala de tudo e não se fala de nada.

O pessimista

Chesterton [com adaptações minhas]

O pessimista acha que tudo é ruim, exceto ele mesmo.


O ser humano pertence a este mundo antes de começar a perguntar se isso é agradável. Ele lutou pela bandeira, e muitas vezes conquistou heróicas vitórias por ela muito antes de estar sequer alistado. Para resumir o que parece ser a questão essencial, ele tem um dever de lealdade muito antes de ter qualquer admiração.

[O mundo] é a fortaleza de nossa família, com a bandeira tremulando no torreão, e quanto pior ele for, tanto menos razão para o deixarmos. A questão não é que este mundo é triste demais para ser amado ou alegre demais para não o ser; a questão é que, quando se ama alguma coisa, a sua alegria é a razão para amá-la, e a sua tristeza é a razão para amá-la ainda mais. Todos os pensamentos otimistas sobre a Inglaterra e todos os pensamentos pessimistas sobre ela são igualmente boas razões para o patriota inglês.

Volte às mais sombrias raízes da civilização, e você descobrirá que elas estão presas em volta de alguma pedra sagrada ou em torno de algum poço sagrado. As pessoas primeiro prestaram homenagem a um local e depois conquistaram a glória para ele. Roma não foi amada por ser grande. Ela foi grande por ter sido amada.

Qual é o problema do pessimista? Acho que ele pode ser exposto dizendo que se trata de um antipatriota cósmico. E qual é o problema do antipatriota? Acho que ele pode ser expresso [....] dizendo que se trata de um amigo sincero. E qual é o problema do amigo sincero? [....] o ponto negativo do amigo sincero é simplesmente que ele não é sincero. Sempre esconde alguma coisa — seu prazer sombrio em dizer algo desagradável. Ele alimenta um desejo secreto de ferir, não apenas de ajudar. É certamente isso, na minha opinião, que torna determinado tipo de antipatriota irritante aos olhos de cidadãos sadios. [Ele fala:] "Lamento dizer que estamos arruinados", mas ele de fato não lamenta nada. E pode-se dizer, sem retórica, que se trata de um traidor; pois ele está usando aquele perigoso conhecimento que lhe foi dado para fortalecer o exército, a fim de dissuadir as pessoas de se alistarem.

Exatamente da mesma forma o pessimista (que é o antipatriota cósmico) usa a liberdade que a vida [lhe] confere, a fim de aliciar e afastar as pessoas da bandeira [do mundo]. Admitindo-se que ele apenas declare fatos, é ainda essencial saber quais são suas emoções, qual é sua motivação. Pode ser que mil e duzentos cidadãos em Tottenham tenham sido afetados pela varíola; mas nós queremos saber se isso está sendo afirmado por algum grande filósofo que deseja amaldiçoar os deuses, ou simplesmente por algum [homem] comum que deseja ajudar os homens.

O pecado do pessimista não é, então, que ele pune os deuses e os homens, mas que não ama o que pune — ele não tem essa lealdade primária e sobrenatural às coisas.

domingo, 9 de agosto de 2009

O louco

Chesterton

A última coisa que se pode dizer de um lunático é que suas ações são sem causa.
Se algum ato humano qualquer pode, grosso modo, ser chamado de sem causa, trata-se de um ato menor de um homem sensato: assobiar andando por aí, golpear o capim com uma bengala, bater os calcanhares no chão ou esfregar as mãos. O homem feliz é que faz coisas inúteis; o homem doente não dispõe de força suficiente para ficar sem fazer nada.

São exatamente essas ações despreocupadas e sem causa que o louco jamais saberia entender; pois o louco (como o determinista) em geral vê causa demais em tudo. O louco veria um significado de conspiração nessas atividades vazias. Ele pensaria que o golpe no capim era um ataque contra a propriedade privada. Pensaria que as batidas dos calcanhares eram um sinal para um cúmplice. Se o louco pudesse, por exemplo, ficar despreocupado, ele ficaria são.

Todos os que tiveram a infelicidade de conversar com gente à beira ou no meio da desordem mental sabem que a qualidade mais sinistra dessa gente é uma clareza enorme de detalhes; a conexão de uma coisa a outra num mapa mais elaborado que um labirinto.

Se você discutir com um louco, é extremamente provável que você leve a pior; pois sob muitos aspectos a mente dele se move muito mais rápido por não se atrapalhar com coisas que costumam acompanhar o bom juízo. Ele não é embaraçado pelo senso de humor ou pela caridade, ou pelas tolas certezas da experiência. Ele é muito mais lógico por perder certos afetos da sanidade. De fato, a explicação comum para a insanidade nesse respeito é enganadora. O louco não é um homem que perdeu a razão. O louco é um homem que perdeu tudo exceto a razão.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Histórias de detetive x Histórias filosóficas modernas

Chesterton

"Uma história de detetive, geralmente, descreve seis homens discutindo sobre como aquele outro homem morreu. Uma história filosófica moderna, geralmente, descreve seis homens mortos discutindo como algum homem pode estar vivo."

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Se não há um bom motivo para ler mais de uma vez a obra "Como ler um livro"[1], de Mortimer Adler, eu o darei: só após lê-lo completamente é que você saberá que o leu de forma errada.

[1] Também publicado sob o título de "A arte de ler" ( livro raro).

Quem tem fé?

Fé é a confiança absoluta em alguém ou em algo [1].

Quem não tem fé? Quem de nós voaria num avião sem confiança na máquina e no piloto? Quantos de nós duvidamos da notícia do jornal que diz que houve uma enchente na China? Quem toma um remédio, a não ser que seja por confiança no seu efeito?

Todos nós temos fé em algo ou alguma coisa. Acreditar em Deus ou acreditar na Teoria da Evolução exige fé. Acreditar em Deus ou acreditar em UFO´s exige fé. E se alegarmos que existe "graus" de fé, rapidamente notaremos que a descrença em Deus exige muito mais fé do que acreditar Nele, porque exige-se toda uma gama de diferentes requisitos inexplicáveis para substituírem a ausência de Deus. A Teoria da Evolução, por exemplo, é um filme de ficção, onde uma bactéria transforma-se em um homem. Se pedirmos a explicação de tudo isso, Deus não será a resposta, mas tudo se baseará no desconhecido. A Teoria da Evolução é a história da formação inicial de organismos desconhecidos a partir de produtos químicos desconhecidos, numa atmosfera ou oceano de composição desconhecida, sob condições desconhecidas, cujos organismos subiram então uma escada evolucionista desconhecida, mediante um processo desconhecido, deixando uma evidência desconhecida.

"Não tenho fé o bastante para ser ateu", porque "quando um homem não acredita em Deus, não é que não acredite mais em nada; é que ele acredita em qualquer coisa".

[1] Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.

domingo, 2 de agosto de 2009

Será que é verdade?

Imagine se um de nós pudesse voltar no tempo até o mundo antigo. Os homens daquele tempo duvidariam de quase tudo que pudéssemos dizer sobre o que conhecemos hoje. Eles não acreditariam quando nós disséssemos a eles que no mundo moderno exitem "pássaros" de 150 toneladas que voam levando 300 pessoas; que existem "cavalos" que correm a mais de 200 km/h; que podemos nos comunicar com pessoas do outro lado do mundo, sem sair de casa, inclusive podendo vê-las. Os homens da antiguidade não acreditariam nisso, tanto quanto não acreditamos nas histórias "fantásticas" daquele tempo. Eles duvidariam de tudo isso, assim como duvidamos de que possa ter jorrado água de uma pedra, de que as águas de um rio tenham se transformado em sangue, de que um cajado tornou-se uma serpente, de que o mar se abriu para passar todo um povo e de que "choveu" pão dos céus.

terça-feira, 28 de julho de 2009

A felicidade depende das proporções

Chesterton

Se nossa vida realmente quiser ser bela como um conto de fadas, devemos nos lembrar de que toda a beleza de um conto de fadas está no seguinte: que o príncipe tem um espanto que quase chega a ser medo. Se ele temer o gigante, será o seu fim; mas também se ele não se sentir atônito diante do gigante, será o fim do conto de fadas. A questão toda depende de ele ser ao mesmo tempo suficientemente humilde para espantar-se e suficientemente orgulhoso para desafiar.

Assim, nossa atitude com o gigante do mundo não deve simplesmente ser de crescente delicadeza ou de crescente desprezo; deve haver uma determinada proporção das duas coisas — que esteja exatamente certa. Devemos ter em nós reverência suficiente por todas as coisas fora de nós a ponto de pisar a grama com cuidado. Devemos também ter desprezo suficiente por todas as coisas fora de nós a ponto de, na ocasião devida, cuspir nas estrelas. Mas, essas duas coisas (se quisermos ser bons e felizes) devem ser combinadas, não de qualquer modo, mas numa determinada combinação.

A perfeita felicidade dos homens sobre a terra (se ela um dia acontecer) não será uma coisa plana e sólida, como a satisfação dos animais. Será um equilíbrio exato e perigoso; como o equilíbrio de um romance desesperado. O homem precisa ter a medida exata e suficiente de fé em si mesmo para ter aventuras; e ter a medida exata e suficiente de dúvida de si mesmo para desfrutá-las.

A origem dos grandes erros filosóficos

Mário Ferreira dos Santos (1)

É inegavelmente de grande perplexidade a emoção que invade o homem moderno, quando perpassa os olhos pelas idéias que nos dois últimos séculos dominaram o campo da criação e do pensamento humanos.

É espantoso, sem dúvida, o número imenso de sistemas, de escolas de filosofia, de doutrinas sociais, de hipóteses e mais hipóteses, que substituem umas às outras, numa sarabanda sem fim.
Se passarmos os olhos pelas diversas épocas, verificaremos desde logo que os que mais brilharam, os que receberam o afago dos elogios fáceis, os que empolgaram mais facilmente grupos imensos de admiradores não foram os maiores de sua época, mas os menores, os que encontram um lugar inexpressivo na história do conhecimento humano.

Não é de espantar que, em Atenas, a democracia grega (que o era apenas de uma minoria de senhores e de uma maioria de escravos) condenasse Sócrates à morte, porque ele ensinara aos homens serem mais dignos, mais nobres e mais honestos? Não é de espantar que Platão permanecesse quase anônimo ante o seu povo, enquanto um Górgias, um Hipias brilhavam como luminares do saber?

E não se acusem os gregos desse defeito. Ele se repete sempre em toda a história humana. Não vimos em pleno século XVIII Hegel pontificar na Alemanha como filósofo absoluto, Krause, no fim do século passado, empolgar multidões de pensadores, Bergson brilhar no princípio deste com uma auréola que empalidecia os grandes luminares do passado, e modernamente um Sartre ser erguido às culminâncias, para em muito breve despencar-se, enquanto ainda há literatos da filosofia que ascendem um Russel, um Moritz aos pináculos do conhecimento?

Não vimos a tremenda propaganda que em nossos dias receberam vultos de medíocre valor, a ponto de serem considerados por muitos como definitivos marcos no caminho do saber, após os quais nada mais cabia para ser feito?

Quem passar os olhos pelo campo da ciência, e assiste essa enxurrada de hipóteses, que tombam, substituídas por outras que não resistem, para tombarem também, a ponto de num ano, haver tantas modificações no conhecimento científico, tantas REFUTAÇÕES, tantas substituições de teorias e hipóteses, que ninguém mais é capaz de acompanhá-las, verifica que os livros de divulgação científica tornam-se obsoletos em alguns meses.

Teorias que não resistem a uma estação são imediatamente abandonadas, depois de haverem sido saudadas como soluções definitivas.

Não é mister alongarmo-nos nos exemplos, porque são tantos e tão curiais, que não há quem não se amedronte ante a apavorante marcha do conhecimento humano, e não tem, por sua vez, que a doutrina que hoje segue como verdadeira não seja acoimada, amanhã, de erro, e abandonada afinal.

Mas o espantoso não é apenas este, porque se apenas assim acontecesse, poder-se-ia afirmar que tais fatos revelariam um desenvolvimento da capacidade humana, que tende cada vez mais para uma análise mais perfeita, tornando-se capaz de captar os erros das diversas posições, substituindo as doutrinas erradas por outras julgadas melhores, que, por sua vez penetre num campo de realizações extraordinárias, e possa alcançar afirmações definitivas.

Poder-se-ia, assim, afirmar que seria a revelação de uma saúde mental, de um vigor criador do homem: um sinal da evolução criadora do seu espírito.

Mas o que espanta é a ressurreição de velhos erros já refutados!

O que amedronta é ver antigas concepções, que foram derruídas pela análise e confutadas por rigorosas argumentações, retornarem como fantasmas, para preocuparem outra vez mentes desprovidas, a dos que desconhecem essas refutações, e se apresentarem, então, como NOVIDADES, como confecções perfeitíssimas, segundo o último modelo intelectual, provocando em mentes não devidamente a par do que já foi realizado, espasmos de satisfação, exaltações de gozo, como se fora atingida a quintessência das coisas.

Tal espetáculo é de causar dó.

Mas, por que tais coisas se dão? Por que retornam as mesmas idéias que os sofistas gregos haviam espalhado, e que receberam a mais cabal das refutações, para surgirem agora como avatares de velhas formas mortas e ora ressurrectas? Como se compreende que posições como o cepticismo, o relativismo, o agnosticismo, desmontadas eficazmente pelos luminares do pensamento grego, conheçam hoje em dia um renascimento inesperado e encontrem cultores entre homens julgados como expoentes do conhecimento humano?

Por que doutrinas, fundadas em primários erros de Lógica, que qualquer estudante melhor avisado os evitaria, são, depois, defendidas por filósofos que adquirem renome e se propagam como se propaga a má erva?

E o que mais espanta, o que mais contrista, é que tais erros perduram, atravessam os anos, penetram pelos séculos, e surgem aos olhos de muitos como esplendorosas realizações da mente humana.

É apenas à ignorância que se devem debitar tais coisas, ou aliam-se a ela a má fé e segundas intenções? Será produto de uma deficiência do espírito, ou obedece a uma intencionalidade que não pode ser confessada?

Se se pudesse apenas debitar tais erros à má fé, naturalmente que seriam eles ignominiosos. Mas não é apenas a ela que se deve fazê-lo, mas, sobretudo, a um descaso no estudo da Lógica, a uma falta de melhor raciocínio, a ignorância do que já se fez nesse terreno. E quando são estes os motivos que os geram, tais erros são apenas de lamentar. Realmente causa dó o espetáculo que se assiste.

Esta a razão por que se impõe denunciá-los. É mister que os mostremos à luz meridiana, que os escalpelemos com todo o rigor, para que a calva nua transpareça plenamente. É mister advertir os bem intencionados para que não sejam vítimas de tais erros, para que possam compreender por que a perplexidade avassala o homem moderno, entendendo, então, por que tais erros se repetem e conquistam adeptos. É mister fazer essa obra de denúncia, por que não é mais possível deixar que tantos males se repitam e se multipliquem.

(1) Talvez o maior filósofo que o Brasil já teve. Como é de costume no nosso país, foi esquecido por ser valioso para a educação brasileira.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Fanatismo

É comum chamarmos “fanatismo” a defesa de certas proposições. No entanto, o fanatismo nada tem que ver com as proposições, mas sim na incapacidade de conceber outra proposição, senão àquela a qual defende. O fanatismo independe das idéias. Fanático é o homem com uma mente incapaz de imaginar qualquer outra mente. Chesterton dizia que o homem livre não é aquele que pensa que todas as opiniões são igualmente verdadeiras ou falsas, pois isso não é liberdade, senão debilidade mental. O homem livre é aquele que vê os erros com a mesma claridade que a verdade. O homem livre é quem pode imaginar o plano completo de um erro, a completa lógica de uma falácia, e ainda que não acredite nelas, é igualmente capaz de concebê-las.

Experts

O especialista, dizia Chesterton, é aquele que possui um conhecimento cada vez mais extenso relativo a um domínio cada vez mais restrito. Assim, o triunfo da especialização consiste em saber tudo sobre nada. Os verdadeiros problemas de nosso tempo escapam à competência dos experts, porque os experts, via de regra, são testemunhas do nada. A parcela de saber exato e preciso detida pelo especialista perde-se no meio de um oceano de não-saber e de incompetência.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Ai se sêsse

O poeta Zé da Luz, do início do século, escreveu uma poesia porque disseram pra ele que pra falar de amor é necessário um português correto e tal... Aí Zé da Luz escreveu uma poesia chamada "Ai se sêsse" que diz assim...

Se um dia nóis se gostasse;
Se um dia nóis se queresse;
Se nóis dois se impariásse,
Se juntin nóis dois vivesse!
Se juntin nós dois morasse
Se juntin nóis dois drumisse;
Se juntin nóis dois morresse!
Se pro céu nós assubisse,
Mas porém, se acontecesse
qui São Pêdo não abrisse
as portas do céu e fosse,
te dizê quarqué tolíce?
E se eu me arriminasse
e tu cum eu insistisse,
prá qui eu me arrezorvesse
e a minha faca eu puxasse,
e o buxo do céu furasse?...
Tarvez qui nóis dois ficasse
tarvez qui nóis dois caísse
e o céu furado arriasse
e as virge tôdas fugisse!!!

Zé da Luz - Severino de Andrade Silva, nasceu em Itabaiana, PB, em 29/03/1904 e faleceu no Rio de Janeiro-RJ, em 12/02/1965)

sábado, 11 de julho de 2009

Nelson Rodrigues

O mundo é a casa errada do homem. Um simples resfriado que a gente tem, um golpe de ar, provam que o mundo é um péssimo anfitrião. O mundo não quer nada com o homem, daí as chuvas, o calor, as enchentes e toda sorte de problemas que o homem encontra para a sua acomodação, que aliás, nunca se verificou. O homem deveria ter nascido no Paraíso.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Aversão à humanidade?

Chesterton

O tédio é o mais perdoável dos vícios, mas é a mais imperdoável das virtudes. Nietzsche, que representa de modo mais proeminente essa afetada pretensão de tédio, descreveu em uma de suas obras, — aliás em magnífica descrição do ponto de vista literário — o sentimento de repugnância e enfado de que era possuído à simples presença de pessoas comuns, com suas inteligências comuns. Tal atitude, como já se disse, pode parecer quase bela se a considerarmos como uma atitude patética. A aristocracia de Nietzsche inspira-nos todo o santo respeito que se deve aos fracos. E quando ele nos faz crer que não pode suportar as inúmeras faces, as vozes incessantes e a constrangedora onipresença da plebe, ele há-de por certo despertar a simpatia dos que já se sentiram enojados num vapor ou espremidos num ônibus superlotado. Todo homem odeia a humanidade quando se sente diminuído em sua condição de homem. Todo homem em dados momentos já deve ter sentido a humanidade a seus olhos como nevoeiro que desnorteia, ou a humanidade em suas narinas como dor que sufoca. Todas as aversões ao comum da humanidade têm esse caráter geral. Não são, como se pretende, aversões às suas fraquezas, mas à sua força. Os misantropos fingem que desprezam a humanidade por suas fraquezas. O fato é que a odeiam por sua força. Quando Nietzsche, com incrível falta de humor e de imaginação, chega a querer que aceitemos sua aristocracia como uma aristocracia de músculos fortes e vontades férreas, somos então obrigados a fazer ressaltar a verdade: ela não é mais que uma aristocracia de nervos fracos.

terça-feira, 30 de junho de 2009

A neurose moderna

A realidade, para nós, funda-se na diferença que fazemos entre efetivo e possível, isto é, entre real e imaginário.

A referência para a diferenciação entre real e imaginário está relacionada à vontade e ao tempo. À vontade, porque o real eu não posso mudar como eu bem quiser (apesar de poder mudar algumas coisas), mas o imaginário, sim. Ao tempo, porque somente o presente é real; o passado só poderá vir à tona na lembrança e o futuro se imaginado.

Porém, a vontade e o tempo só serão referências do real se formos honestos conosco. Eu posso mentir para os outros sem que ninguém saiba, a não ser eu. Mas mentir pra si mesmo pode tornar-se uma doença no momento em que nos esquecemos que estamos mentindo. A neurose, por exemplo, é uma mentira inventada, mas esquecida de que foi inventada. Por isso o neurótico a vê como real; ele esqueceu que ele mesmo inventou aquilo.

Daí podemos tirar a conclusão de que o real depende da nossa autoconsciência, da nossa capacidade de ter o compromisso da verdade pelo menos para nós mesmos, para que não esqueçamos que tal ou tal coisa foi imaginação minha ou que tal e tal coisa foi uma mentira que inventei, etc.

Eis o motivo pelo qual não me agrado do Pensamento Positivo, da Lei da Atração, etc, que vêm sendo difundidos hoje em dia nos nossos "best-sellers". Eles simplesmente nos estimulam a soltar as rédeas da imaginação, para que possamos criar nosso futuro como bem entendermos e de uma maneira tal, com técnicas de auto-engano, que possam nos fazer crer verdadeiramente que aquilo que criamos na nossa mente seja a realidade, o efetivo. Estão nos ensinando um tipo de neurose moderna, pois, conforme as técnicas desses livros, devemos criar o nosso futuro e crer que ele já é real; e quem melhor aplica essas técnicas é aquele que não duvida daquilo que imaginou e o já tem como realidade. Pura neurose. Devemos esquecer que inventamos.

Pior de tudo, neurose egoísta, cuja finalidade é ensinar que as pessoas vejam a si mesmas como um super-homem melhor que cada outro. "Ensinam a serem esnobes; espalham uma espécie de poesia maligna de materialismo... inflamam as paixões mais vis da ganância e do orgulho."

Do amoroso esquecimento

Eu, agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?

(Mário Quintana)

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Nelson Rodrigues
“Eu sofro pressões incríveis. Todo mundo, a comunidade, exige que sejamos imbecis.”

sábado, 27 de junho de 2009

Quando uma virtude se torna um defeito

Se não tenho motivos para desconfiar de uma pessoa, porque simplesmente não acreditar nela? É certo que essa minha maneira de agir, acreditando piamente naqueles que não tenho motivos para desconfiar, tentando não confabular as coisas, sempre tentando não enxergar que alí pode ser uma armadilha, sempre levando as coisas para o melhor lado, muitas vezes me presenteia com uma punhalada pelas costas. Assim, esse comportamento, que era pra ser uma virtude, tornou-se um defeito. O mundo de hoje é mais generoso com os lobos do que com as ovelhas. Mas eu prezo pela sinceridade e é ela que me dá segurança. A segurança, por sua vez, é a base do amor puro e da verdadeira amizade. Como o bobo de Clarice Lispector, às vezes passam-lhe a perna, mas ele, pela sinceridade, pela verdade, pela confiança, é o único capaz de excesso de amor.

Cuidado ao julgar o outro

Desde que li, há algum tempo, um conto de Chesterton chamado "Os três instrumentos de morte", reforcei, ainda mais, o meu antigo comportamento de procurar não confabular e não tirar conclusões precipitadas. Este conto fala sobre a morte do Sr. Armstrong, um pacato e alegre filantropo, de uma pequena cidade. Ex-alcoolatra, o Sr. Armtrong desenvolvia vários programas beneficentes, entre eles, o de ajudar aos que ainda permaneciam afundados na bebida a livrar-se dela. Ele moravam num casarão com sua filha Alice, seu secretário Patrick e o mordomo Magnus. Patrick e Alice eram apaixonados e só ainda não estavam juntos, porque o pai, Sr. Armstrong, não concordava com o casamento dos dois.

Certo dia todos da casa escutaram tiros e barulhos de móveis arrastando e de objetos sendo quebrados, que vinham do quarto do Sr. Armstrong. Logo depois ele foi encontrado morto no jardim, bem debaixo da janela do seu quarto onde dormia no segundo andar. Um pedaço de corda parecia preso a uma das pernas, enredado provavelmente numa luta. Havia uma mancha de sangue pequena, mas o corpo estava dobrado ou quebrado no chão. A polícia chegou e o detetive começou a investigar o caso. Interrogou o mordomo, a filha e o secretário do Sr. Armstrong. Todos eram suspeitos. No quarto, foi encontrado um revólver com todos os cartuchos disparados, um punhal ensanguentado, que era de Patrick, e um pedaço de corda, além de meia garrafa de uísque rolada no chão.

Mas quando as investigações penderam para acusar Alice, pelo fato da fortuna que ela herdaria do pai, Patrick confessou o crime e Alice, ainda muito abalada, chamando o detetive, contou o que havia presenciado:

"Eu estava neste cômodo contíguo ao deles - explicou a moça -, ambas as portas estavam fechadas, mas ouvi de repente uma voz, como nunca tinha visto antes na face da Terra, rugir 'Diabo, diabo, diabo' muitas vezes, e depois ambas as portas estremeceram com a primeira detonação do revólver. Ouvi mais três estrondos antes de abrir as duas portas, e vi então que o cômodo estava cheio de fumaça; mas o revólver estava fumegando na mão do meu pobre e louco Patrick; e com os meus próprios olhos o vi disparar o último tiro. Depois ele saltou sobre meu pai - que aterrorizado, estava agarrado ao peitoral da janela - e, segurando-o, tentou estrangulá-lo com a corda que lhe jogara sobre a cabeça, a qual deslizou dos ombros que se debatiam para os pés. Aí a corda se enrolou numa perna, e Patrick o arrastou como um alucinado. Eu peguei um punhal e, correndo muito, consegui cortar a corda antes de desmaiar."

Padre Brown, que foi chamado para ajudar neste caso, e que é o principal personagem de Chesterton nesses contos, sempre usa o bom-senso para desvendar os crimes. Depois de observar todos os acusados e ouvi-los depor, chamou o grupo de policiais e falou:

"Eu lhes disse que neste caso havia armas de mais e uma só morte. Digo-lhes agora que não eram armas, e de fato não foram usadas armas para provocar a morte. Todos esses terríveis instrumentos, a corda, o punhal ensanguentado, o revólver, foram instrumentos de uma estranha misericórdia. Não foram usados para matar o Sr. Armstrong, mas para salvá-lo."

E depois conclui:

"Por trás da máscara alegre estava uma mente vazia. Por fim, para manter o seu alegre nível social, voltara ao vício do alcoolismo, que ele tinha deixado havia muito. Mas o alcoolismo provoca este horror num ex-abstêmio genuíno: faz com que ele imagine e espere o inferno psicológico contra o qual alertara outros. Logo, esse inferno se abateu sobre o Sr. Armstrong, e esta manhã ele estava em tal estado, que se sentou aqui e começou a gritar que estava no inferno, e o fez com uma voz tão transtornada, que a filha não a reconheceu. Estava louco para morrer, e com um artifício típico de loucos, espalhara à sua volta a morte em muitas formas: um laço, um revólver e um punhal do amigo. Patrick entrou por acaso e agiu prontamente. Jogou o punhal no tapete, agarrou o revólver e, sem tempo para tirar as balas, esvaziou-o dando vários tiros para o chão. O suicida viu uma quarta forma de morte, e precipitou-se para a janela. Seu salvador fez a única coisa que podia: correu atrás dele com a corda e tentou atar-lhe os pés e as mãos. Foi então que a pobre moça entrou correndo e, interpretando mal a luta, tentou libertar o pai cortando a corda. Sucede apenas que, antes de desmaiar, a pobre moça conseguiu soltar o pai cortando a corda, assim, ele pôde pular da janela para estatelar-se na eternidade".

O detetive, sem entender a confissão de Patrick, o chamou e disse:

- Acho que você deveria ter falado a verdade - disse o detetive.
- Você não vê que ela não pode saber? - falou Patrick.
- Saber o quê? - indagou o detetive espantado.
- Que matou o pai! Se não fosse ela, ele estaria vivo agora. Se ela souber disso, pode enlouquecer.

Neste conto, tudo indicava que Patrick era culpado, mas eis que toda a sua culpa foi mentir para "conservar" sua amada.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Discordando de Platão no amor

O amor é um algo desejado, e, dirá Platão, só se deseja aquilo que lhe falta, aquilo que não se possui. Portanto, o que se ama é aquilo que não se tem. Daí o grande sofrimento do amor, enquanto a falta domina. Se já não existe falta, temos qualquer outro sentimento, menos amor.
Nas palavras de Platão, o que é amar? "É carecer do que se ama e querer possuí-lo para sempre". Se amor é desejo e se desejo é carência, só podemos amar aquilo que não temos.

Mas a essência do desejo não é a falta. Há vários tipos de amores e o que eles têm em comum não é a falta. Amor aos pais, amor aos filhos, amor aos lugares, amor pelos amigos... Na verdade o que esses tipos de amor têm em comum é a alegria, o regozijo. Não é por faltar que eu amo, mas o que eu amo é que, às vezes, me falta. O que vem primeiro é a alegria, o desejo, a vontade e não a falta. "Há uma felicidade em mim, cuja causa é você", isso é o amor. Adeus, Platão.

terça-feira, 9 de junho de 2009

O perigo das idéias

Frei Beto

Agitar idéias é mais grave do que mobilizar exércitos. O soldado pode semear os horrores da força bruta, mas tem uma hora em que seu braço cansa e a espada torna à cinta ou se enferruja e se consome com o tempo. A idéia, uma vez desembainhada, é arma sempre ativa, que não volta ao estojo nem se embota com o tempo.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Homem bizarro

Chesterton

... um homem com uma crença definitiva parece sempre bizarro, porque não muda como o mundo; ele está sobre uma estrela fixa, de onde os movimentos da terra lá embaixo parecem imagens num caleidoscópio. Milhões de homens se consideram sãos e razoáveis meramente porque sempre aderem à última insanidade, porque correm de loucura em loucura no redemoinho do mundo.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Incompreensão das emoções

O que muitas vezes nos angustia nas coisas emocionais é não entendê-las racionalmente. É querer enterder, mas ficar perdido no vazio onde raciocínio não alcança. Se a emoção é boa, apenas desfruta-se, se é ruim, apenas sofrer-se.

O amor liberta a alma

Giacomo Leopardi

[....] Quando um homem concebe o amor, o mundo inteiro se dissipa aos seus olhos, ele não vê nada além do ser amado, está no meio da multidão, das conversas, em plena solidão, abstraído, fazendo os gestos que lhe inspira esse pensamento sempre imóvel e muito poderoso, sem se preocupar com a surpresa nem com o desprezo alheios, ele se esquece de tudo e tudo lhe parece tedioso sem esse único pensamento, essa única visão. Nunca tive a experiência de um pensamento que solta a alma com tanto poder de todas as coisas que a circundam quanto o amor [....]

domingo, 24 de maio de 2009

O que se ama é uma 'cena'

Rubem Alves

É mais fácil amar o retrato. Eu já disse que o que se ama é uma 'cena'. 'Cena' é um quadro belo e comovente que existe na alma antes de qualquer experiência amorosa. A busca amorosa é a busca da pessoa que, se achada, irá completar a cena. Antes de te conhecer eu já te amava... E então, inesperadamente, nos encontramos com o rosto que já conhecíamos antes de o conhecer. E somos então possuídos pela certeza absoluta de haver encontrado o que procurávamos. A cena está completa. Estamos apaixonados...

"... você existe, mas bem antes que eu soubesse disso, já sonhava com você."

sábado, 16 de maio de 2009

Os adultos e os contos de fadas

C. S. Lewis

Hoje em dia, a crítica moderna usa o adjetivo
"adulto" como marca de aprovação. Ela é hostil ao que denomina "notalgia" e tem absoluto desprezo pelo que se chama de "Peter Panteísmo". Por isso, em nossa época, se um homem de cinqüenta e três anos admite ainda adorar anões, gigantes, bruxas e animais falantes, é menos provável que ele seja louvado por sua perpétua juventude do que seja ridicularizado e lamentado por seu retardamento mental.

[Mas] os críticos para quem a palavra “adulto” é um termo de aplauso, e não um simples adjetivo descritivo, não são nem podem ser adultos. Preocupar-se em ser adulto ou não, admirar o adulto por ser adulto, corar de vergonha diante da insinuação de que se é infantil: esses são sinais característicos da infância e da adolescência. E, na infância e na adolescência, quando moderados, são sintomas saudáveis. É natural que as coisas novas queiram crescer. Porém, quando se mantém na meia-idade ou mesmo na juventude, essa preocupação em “ser adulto” é um sinal inequívoco de retardamento mental. Quando eu tinha dez anos, eu lia contos de fadas escondido e ficava envergonhado quando me pilhavam. Hoje em dia, com cinqüenta anos, leio-os abertamente. Quando me tornei homem, deixei para trás as coisas de menino, inclusive o medo de ser infantil e o desejo de ser muito adulto.

A visão moderna, a meu ver, envolve uma falsa concepção de crescimento. Somos acusados de retardamento porque não perdemos um gosto que tínhamos na infância. Mas, na verdade, o retardamento consiste não em recusar-se a perder as coisas antigas, mas sim em não aceitar coisas novas. Hoje gosto de vinho branco alemão, coisa de que eu tenho certeza de que não gostaria quando criança; mas não deixei de gostar de limonada. Chamo esse processo de crescimento ou desenvolvimento, porque ele me enriqueceu: se antes eu tinha um único prazer, agora tenho dois. Porém, se eu tivesse de perder o gosto por limonada para admitir o gosto pelo vinho, isso não seria crescimento, mas simples mudança. Hoje em dia já não gosto somente de contos de fadas, mas também de Tolstói, Jane Austen, Trollope, e chamo isso de crescimento; se tivesse precisado deixar de lado os contos de fadas para apreciar os romancistas, não diria que cresci, mas que mudei.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

O suicida x O mártir

Chesterton

O suicídio não só constitui um pecado, ele é o pecado. É o mal extremo e absoluto; a recusa de interessar-se pela existência; a recusa de fazer um juramento de lealdade à vida. O homem que mata um homem, mata um homem. O homem que se mata, mata todos os homens; no que lhe diz respeito, ele elimina o mundo. Seu ato é pior (considerado simbolicamente) do que qualquer estupro ou atentado a bomba, pois destrói todos os prédios; insulta a todas as mulheres. O ladrão se satisfaz com diamantes; mas o suicida não: esse é seu crime. Ele não pode ser subornado, nem com as cintilantes pedras da Cidade Celestial. O ladrão elogia os objetos que furta, quando não elogia o dono deles. Mas o suicida insulta a todos os objetos da terra ao não furtá-los. Ele conspurca cada flor ao recusar-se a viver por ela.

Não existe nenhuma criatura no cosmos, por mínima que seja, para quem a sua morte não é um escárnio. Quando alguém se enforca numa árvore, as folhas poderiam cair de raiva e os pássaros fugir em fúria, pois cada um deles recebeu uma afronta direta.

[....]

Obviamente um suicida é o oposto de um mártir. Um mártir é um homem que se preocupa tanto com alguma coisa fora dele que se esquece de sua vida pessoal. Um suicida é um homem que se preocupa tão pouco com tudo o que está fora dele que ele quer ver o fim de tudo. Um quer que alguma coisa comece; o outro, que tudo acabe.

Em outras palavras, o mártir é nobre, exatamente porque (embora renuncie ao mundo ou execre toda a humanidade) ele confessa esse supremo laço com a vida; coloca o coração fora de si mesmo: morre para que alguma coisa viva. O suicida é ignóbil porque não tem esse vínculo com a existência: ele é meramente um destruidor. Espiritualmente, ele destrói o universo.

terça-feira, 12 de maio de 2009

O homem e os animais

Chesterton

Quanto mais nós consideramos o homem como um animal, menos animal ele nos parece.


De tudo que se descobriu nas cavernas, a única coisa que se mostra certa é que o homem sabia pintar quadrúpedes e que os quadrúpedes não sabiam pintar homens. Se o homem que os pintava era tão animal quanto eles, ressalte-se como extraordinário que soubesse fazer o que eles não sabiam e não sabem. Se o homem era um produto de crescimento biológico, como qualquer outro animal, também é de estranhar sobremodo que em nada se parece com aqueles seus semelhantes. Enfim, o homem parece mais sobrenatural como um produto natural, do que como um produto sobrenatural.

A verdade mais singela a cerca do homem é que ele é um ser muito estranho; parecendo quase um estrangeiro sobre a terra. Pela sua aparência externa, mais parece um ser que haja trazido costumes desconhecidos de outras terras, do que um ser natural desta que habitamos. Tem uma vantagem injusta e uma injusta desvantagem. Não pode se confiar a seus próprios instintos. É, ao mesmo tempo, um criador que possui mãos milagrosas e uma espécie de mutilado. Envolve-se em bandagens artificiais que se chamam vestes; apoia-se em muletas que se chamam móveis. Seu entendimento tem tanto liberdades quanto limitações. Só ele, entre todos os animais, é capaz de agitar-se na formosa loucura que chamamos riso. Só ele, entre todos os animais, sente a necessidade de separar os seus pensamentos da realidade de seu próprio corpo, de ocultá-las, como se se encontrasse ante uma mais alta possibilidade que cria o mistério do pudor. Podemos elogiar esses costumes como naturais no homem, ou podemos censurá-los como artificiais na Natureza. Mas sempre permanecerão com o mesmo sentido de coisa única.

Indubitavelmente é antinatural considerar o homem como um produto natural. Animalizá-lo é pecar contra o espírito - contra esse espírito de realidade, que está feito do senso das proporções.

Suponhamos que um pássaro, entre mil, empreende, um belo dia, qualquer das ações que os homens têm empreendido desde a aurora dos tempos. Não verá nesse pássaro uma subvariedade em transe de diferenciar-se, segundo o curso normal da evolução das espécies, senão de um prodígio, um augúrio.

De fato, não há sombras de indicação que a inteligência humana se tenha formado por evolução natural. Existe, quiçá, uma cadeia descontínua de pedras e ossamentas para sugerir vagamente certo desenvolvimento do corpo do homem; entretanto, nada de parecido existe referente ao seu espírito.

Não era, e foi; eis o que nós sabemos.

Aceitemos o homem como um fato, se nos é bastante um fato inexplicável; aceitemo-lo como um animal, se nos convém viver em meio de animais fabulosos. Mas, se nos é necessário uma lógica, uma sequência, então, precisaremos de um prodigioso prelúdio, de um crescendo de milagres desencadeados, para que o homem pareça, enfim, uma criatura comum.

O homem não significa uma evolução, senão uma revolução.

Se você parar de olhar para livros sobre os animais e os homens e começar a olhar diretamente para os animais e os homens (com um senso mínimo de imaginação ou humor, um senso do desvairado ou do ridículo), você observará que o que assusta não é quanto o homem se assemelha aos animais, mas quanto ele difere deles. É a monstruosa escala de sua divergência que exige explicação. Que o homem e os animais são iguais é, num certo sentido, um truísmo; mas que, sendo tão iguais, eles sejam tão disparatadamente desiguais, esse é o choque e o enigma.

O fato de um macaco ter mãos é muito menos interessante para o filósofo do que o fato de que, tendo mãos, ele não faz quase nada com elas; não estala os dedos, nem toca violino; não entalha o mármore, nem trincha costeletas de carneiro. Fala-se de arquitetura bárbara e de arte inferior. Mas os elefantes não constroem colossais templos de marfim nem mesmo no estilo rococó; os camelos não pintam nem mesmo quadros ruins, embora estejam equipados com o material de muitos pincéis de pêlo de camelo.

Certos sonhadores modernos dizem que as formigas têm uma organização social superior à nossa. Elas têm de fato uma civilização; mas exatamente essa verdade só nos faz lembrar de que é uma civilização inferior. Quem jamais descobriu um formigueiro decorado com as estátuas de formigas famosas? Quem já viu uma colméia na qual estivessem esculpidas as imagens de esplêndidas rainhas de outrora? Não; o abismo entre o homem e as outras criaturas pode ter uma explicação natural, mas é um abismo. Falamos de animais selvagens; mas o único animal selvagem é o homem. Foi o homem que se evadiu. Todos os outros animais são domésticos e seguem a inflexível respeitabilidade de sua tribo ou espécie. Todos os outros animais são domésticos; apenas o homem é sempre indômito, seja ele um devasso, seja ele um monge.

domingo, 10 de maio de 2009

A falácia do "Argumento do tamanho"

Por várias vezes vi o "argumento do tamanho" ser usado para sustentar a ideia de que Deus não existe. É um dos argumentos mais utilizados para a negação de Deus. É mais ou menos assim: "Por que um Deus se preocuparia especificamente com um ser ínfimo como o homem, que vive num planeta entre milhões de outros existentes?" Em outras palavras: "por que um certo Deus escolheu esse planeta entre milhões de outros planetas e por que se preocupou com o homem desta terra em meio da possibilidade de haver outras vidas por aí a fora?". Isso é o suficiente para que digam que essa história de Deus é uma história sem sentido.

As palavras de Lewis e Chesterton são suficientes para nos mostrar por que esse argumento é falacioso.

Lewis:

O argumento do tamanho descansa na suposição de que as diferenças de tamanho devem coincidir com as diferenças de valor, pois, de outro modo, não há nenhum razão para pensarmos que pelo fato de a terra ser pequena e criaturas que habitam nela serem ainda menores, não poderem ser as coisas mais importantes do universo, porque este contém milhões e milhões de estrelas e outros planetas. Esta suposição é racional ou é emocional?

Vejo, como qualquer outro vê, o absurdo de supor que uma galáxia seja menos importante, aos olhos de Deus, que um homem. Porém me dou conta de que não vejo igualmente como absurdo supor que um homem mais baixo possa ser mais importante do que um homem mais alto, nem que um homem possa ser mais importante que uma árvore [que é maior que ele] ou que o cérebro seja mais importante que as pernas. Em outras palavras o sentimento de absurdo surge somente se as diferenças de tamanho são muito grandes. Mas quando uma relação é percebida pela razão, ela é válida universalmente. Se o tamanho e o valor tiverem alguma conexão real, as pequenas diferenças de tamanho seriam acompanhadas de diferenças de valor tão claramente como as grandes diferenças de tamanho são acompanhadas por grandes diferenças de valor. Porém, nenhum homem sensato diria que é assim que acontece. Eu não creio que um homem mais alto seja um pouco mais importante do que um homem mais baixo. Eu não reconheço que as árvores têm uma ligeira superioridade em relação aos homens. Ao tratar com pequenas diferenças de tamanho, percebo que não há relação alguma com o valor. Por isso, concluo que a importância atribuída às grandes diferenças de tamanho não é um assunto da razão, senão da emoção [....]

Somos poetas inveterados. Quando uma quantidade é muito grande, deixamos de vê-la como mera quantidade. Nossa fantasia desperta. Em vez de quantidade, agora temos uma qualidade: o sublime.

Em certo sentido, o poder que o universo tem de nos intimidar está em nós mesmos. Para uma mente que não compartilhe de nossas emoções e que careça de nossas energias imaginativas, o argumento do tamanho será completamente insensato. Os homens olham com reverência para o céu estrelado, mas os macacos não. O silêncio do espaço eterno aterrorizava Pascal, porém foi a grandeza de Pascal que colocou o espaço em situação de espantá-lo. Quando a grandeza do universo nos assusta, estamos assustados, quase literalmente, por nossas próprias sombras, pois os anos-luz e os bilhões de séculos são mera aritmética até que caiam sobre eles a sombra do homem, o poeta, o criador de fantasias [....] Em certo sentido, a grande nebulosa de Andrômeda deve sua grandeza a um pobre homem.

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Chesterton:

Se o simples tamanho prova que o homem não é a imagem de Deus, então a baleia poderia ser a imagem divina; uma imagem um tanto disforme; o que se poderia chamar de um retrato impressionista. É totalmente inútil argumentar que o homem é pequeno se for comparado ao cosmos; pois o homem sempre foi pequeno comparado à árvore mais próxima.

Segundo essa gente, o cosmos era uma coisa só porque tinha uma regra uniforme. Só que (diriam eles), mesmo sendo uma coisa só, ele é também a única coisa que existe. Por que, nesse caso, alguém deveria preocupar-se tanto em chamá-lo de grande? Não existe nada que possamos comparar com ele.

Será igualmente sensato chamá-lo de pequeno. Alguém pode dizer: "Eu gosto deste vasto cosmos, com sua multidão de estrelas e inúmeras variedades de criaturas." Mas, se esse é o ponto, por que alguém não deveria dizer: "Eu gosto deste pequeno e aconchegante cosmos, com seu decente número de estrelas e essa elegante provisão de vida que é do meu agrado"? Uma apreciação é tão boa quanto a outra; as duas são meros sentimentos. É um mero sentimento alegrar-se porque o Sol é maior do que a Terra; é um sentimento tão sensato como alegrar-se pelo fato de que o Sol não é maior do que é. Alguém escolhe ter uma emoção acerca da grandeza do mundo; por que ele não deveria escolher ter uma emoção acerca de sua pequenez?

A liberalidade e os Milagres

Chesterton

Por alguma razão extraordinária, existe a idéia fixa de que é mais liberal não acreditar do que acreditar em milagres. O motivo não consigo imaginar, e ninguém consegue me dizer.

[....] na medida em que se pode dizer que a idéia liberal de liberdade está num dos dois lados da discussão sobre os milagres, ela obviamente está do lado deles. Reforma ou progresso (este entendido no único sentido tolerável) significa simplesmente o controle gradual da matéria pela mente. Um milagre simplesmente significa o rápido controle da matéria pela mente.

Se você deseja alimentar o povo, pode pensar que alimentá-lo milagrosamente no deserto é impossível — mas não pode pensar que isso seja iliberal. Se você realmente deseja que crianças pobres vão à praia, não pode pensar que é iliberal que elas sejam levadas para lá no dorso de dragões voadores; você só pode pensar que isso é improvável. Um feriado, assim como o liberalismo, significa apenas a liberdade do homem. Um milagre significa apenas a liberdade de Deus.

Você pode, seguindo a consciência, negar qualquer uma das duas, mas não pode chamar a sua negação de triunfo da idéia liberal.

A presunção de que no duvidar dos milagres haja algo semelhante à liberalidade ou à reforma é literalmente o oposto da verdade. Se um homem não consegue acreditar em milagres, temos o fim da questão; ele não é particularmente liberal, mas é perfeitamente honrado e lógico, e essas são coisas muito melhores. Mas se um homem consegue acreditar em milagres, ele certamente é muito mais liberal; porque os milagres significam, primeiro, a liberdade da alma e, segundo, o controle dela sobre a tirania das circunstâncias.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Antony Flew fala de C. S. Lewis


Antony Flew, considerado o principal filósofo dos últimos cem anos, passou mais de cinquenta defendendo o ateísmo. Nesse período, ninguém conseguiu expor as teorias do ateísmo de forma tão completa, original e sistemática como ele fez. O nome de Flew passou a ser associado ao moderno ateísmo em 1950, com o ensaio entitulado Theology and Falsification, que se tornou a publicação mais reimpressa do século XX. No entanto, ao continuar investigando o tema, ele reviu seus conceitos.

Flew, participou do Socratic Clube, um grupo que era, realmente, "o centro do que ainda havia de vida intelectual de Oxford no tempo de guerra. O clube era um fórum onde aconteciam acalorados debates entre ateístas e cristãos". De 1942 a 1954, seu presidente foi C. S. Lewis. A exortação "devemos seguir o argumento até onde ele nos levar", atribuída a Sócrates, era o "brasão" do clube e foi citado por Lewis na primeira edição do Socratic Digest.

Em seu livro "Deus existe", Flew dá testemunho da coragem, da honestidade e da intelectualidade de C. S. Lewis. Diz ele que "é de fato um paradoxo que meu primeiro argumento em favor do ateísmo tenha sido originalmente apresentado em uma reunião do Socratic Club presidida por um dos maiores defensores do cristianismo do século passado, C. S. Lewis. [....] Lewis foi, certamente, o mais eficiente defensor do cristianismo da segunda metade do século XX. [....] Muitos dos maiores ateístas entraram em conflito com Lewis e seus companheiros cristãos".

Flew sistematizou a desenvolveu a maior parte dos fundamentos do ateísmo. Por essa razão, atualmente ele sofre duras críticas por parte dos ateus, pelo fato de ter "revisto seus conceitos" e, hoje, declarar que existe um Deus.

domingo, 3 de maio de 2009

O sofrimento humano

C. S. Lewis

As criaturas causam sofrimento ao nascer, vivem infligindo sofrimento, e em sofrimento a maior parte delas morre. Na mais complexa de todas as criaturas, o homem, apresenta-se ainda uma outra qualidade que chamamos de razão. Ela permite ao homem antever o próprio sofrimento - que, a partir de então, é precedido de aguda aflição mental - e prever a própria morte enquanto anseia intensamente permanecer vivo... Sua história é, em grande medida, um registro de crimes, guerras, doenças e terror, entremeados da felicidade mínima necessária para lhes conceder, enquanto durar, um receio aflitivo de sua perda e, quando esta acontecer, a pungente tristeza da lembrança.

domingo, 26 de abril de 2009

Faz parte...

Nem sempre fazemos o que gostamos. Faz parte.

Procuro sempre ter o bom-senso de só dar opinião sobre o que conheço. E procuro medir minha opinião, para que ela possa ser proporcional ao meu conhecimento sobre aquele assunto. Por essa razão, muitas vezes, leio sobre assuntos que não me agradam, mas que preciso conhecê-los, pelo menos para porder explicar o motivo de não me agradarem.

Estive sofrendo nos últimos três dias lendo mais um livro sobre a "Lei da atração". Minhas leituras desse gênero - como diria Corção - sempre tiveram a brevidade e o enfado de uma gripe. Leu-se; sofreu-se; acabou-se.

sábado, 25 de abril de 2009

Citações de C. S. Lewis


Esta postagem será permanentemente atualizada e seu link ficará no lado direito da página principal do blog, no quadro chamado "Alguns destaques", para melhor acesso. Pretendo nela adicionar, tanto quanto possível, citações de C. S. Lewis. Afinal, como dizia Churchill, "as citações, quando gravadas em nossa memória, dão-nos bons pensamentos. Elas nos dão vontade de ler os autores e conhecê-los melhor."


Atualização - 08/07/2009

  1. Desagradam-me as pessoas que, cercadas de segurança e conforto, fazem exortações aos que estão na frente de batalha. (Exortação)
  2. A realidade nunca se repete. Alguma coisa nunca é tirada de nós e, depois, é-nos devolvida do mesmo modo em que se apresentava. (Realidade)
  3. Quando nada há em sua alma exceto um grito de socorro, talves seja o exato momento em que Deus não o pode atender: você é como o homem que se afoga e que não pode ser ajudado por tanto se debater. É possível que seus gritos repetidos o deixem surdo à voz que você esperava ouvir. (Deus e o sofrimento)
  4. Os cinco sentidos; um intelecto incuravelmente abstrato; uma memória acidentalmente seletiva; um conjunto de idéias preconcebidas e suposições tão numerosas, que não tenho como analisar senão uma minoria delas - nem sequer me tornar consciente de todas elas. Quanto da realidade é capaz de admitir um amparo semelhante? (Realidade)
  5. Pode um mortal fazer perguntas que Deus considera não passíveis de resposta? Absolutamente, sim! Todas as perguntas sem sentido não são passíveis de resposta. Quantas horas há num quilômetro? O amarelo é redondo ou quadrado? Provavelmente, metade das perguntas que fazemos - metade de nossos grandes problemas teológicos e metafísicos - pertençam a essa categoria. (Entendimento)
  6. A vida, no sentido biológico, não tem relação alguma com o bem e o mal até surgir o binômio percepção e inteligência. (O bem e o mal)
  7. O sono é uma mulher sedutora que despreza quem a corteja e corteja quem dela escarnece. (Sono)
  8. Suponho que nos importaríamos menos com a humilhação se fôssemos mais humildes. (Humildade)
  9. Qual é o problema em haver um boato sobre minha morte? Não há nada ignonimioso em morrer: sei que as pessoas mais respeitáveis morrem! (Morte)
  10. O perdão é, por natureza, para os que não o merecem. (Perdão)


Atualização - 29/04/2009
  1. Há dois erros iguais e opostos no que diz respeito à matéria Demônios: Uma é desacreditar em sua existência. A outra é acreditar e sentir um excessivo e doentio interesse neles. Os mesmos demônios ficam igualmente satisfeitos pelos dois erros e portanto, contemplam um materialista e um mágico com o mesmo prazer. (Demônios)
  2. Há uma série de coisas com as quais eu não me preocuparia se fosse viver apenas setenta anos, mas que me preocupam seriamente com a perspectiva da vida eterna. (Eternidade)
  3. A Afeição não exige demasiado, fecha os olhos para as faltas, renova-se facilmente depois das discussões... A Afeição abre nossos olhos para a bondade que não teríamos visto nem apreciado não fosse por causa dela. (Afeição)
  4. O amor que se tem pelo conhecimento é uma espécie de loucura. (Conhecimento)
  5. Cada amizade verdadeira é uma espécie de secessão, e mesmo rebelião. Pode ser uma rebelião de pensadores sinceros contra erros aceitos ou de maníacos contra o bom senso aceito; de verdadeiros artistas contra a arte popular inferior, ou de charlatões contra o gosto civilizado; de homens bons contra a maldade social ou de homens maus contra a bondade. (Amizade)
  6. Os homens que possuem amigos fiéis são menos fáceis de manejar ou “alcançar”; mais difíceis de corrigir por parte das boas autoridades e de corromper por parte das más. (Amizade)
  7. A Amizade (como os antigos descobriram) pode ser uma escola de virtude; mas também (como não perceberam) uma escola de vício. Ela é ambivalente. Torna melhores os homens bons e piores os maus. (Amizade)
  8. As pessoas que aborrecem umas às outras devem encontrar-se poucas vezes, as que interessam uma à outra, muitas vezes. (Amizade)
  9. Esse é um dos poderes mais notáveis da linguagem poética: comunicar-nos a qualidade de experiências que não tivemos e que talvez jamais tenhamos; utilizar fatores que envolvem nossa experiência de modo que se tornem indicadores de algo externo a ela... (Poesia)
  10. Depois dos primeiros passos na vida cristã, nos damos conta de que tudo o que realmente precisa mudar na alma só pode ser feito por Deus. (Vida cristã)


25/04/2009

  1. Nós consideramos Deus como um piloto considera o pára-quedas dele; está lá para emergências mas ele espera nunca ter que usá-lo. (Deus)
  2. Todos dizem que o perdão é uma idéia maravilhosa até que elas possuam algo para perdoar. (Perdão)
  3. Todos nós desejamos o progresso, mas se você está na estrada errada, progresso significa fazer o retorno e voltar para a estrada certa; nesse caso, o homem que volta atrás primeiro é o mais progressista. (Progresso)
  4. O carinho é responsável por nove-décimos de qualquer felicidade sólida e durável existente em nossas vidas. (Carinho)
  5. Você não tem uma alma; você é uma alma. Você tem um corpo. (Alma)
  6. Pela primeira vez examinei a mim mesmo com o propósito seriamente prático. E ali encontrei o que me assustou: um bestiário de luxúrias, um hospício de ambições, um canteiro de medos, um harém de ódios mimados. (Sobre o homem)
  7. O sofrimento é o megafone de Deus para um mundo ensurdecido. (Sofrimento)
  8. Os homens tornaram-se cientistas porque esperavam encontrar lei na natureza, e esperavam encontrar lei na natureza porque criam em um Legislador. (Deus)
  9. Somos criaturas divididas, correndo atrás de álcool, sexo e ambições; desprezando a alegria infinita que se nos oferece, como uma criança ignorante que prefere continuar fazendo seus bolinhos de areia numa favela, porque não consegue imaginar o que significa um convite para passar as férias na praia. (Sobre o homem)
  10. O amor-Necessidade diz a respeito de uma mulher: 'Não posso viver sem ela'; o amor-Doação anseia por fazê-la feliz, dar-lhe conforto e proteção - e, se possível, riqueza; o amor Apreciativo contempla e prende a respiração, fica em silêncio e se rejubila de que tal maravilha possa existir, mesmo que não seja para ele; não ficará inteiramente deprimido se a perder, pois prefere isso a jamais tê-la visto. (Amor)