“Contenham esse avanço... Façam qualquer coisa, por menor que seja... Mantenham aberta ainda que seja uma só porta dentre cem, pois conquanto que tenhamos pelo menos uma porta aberta, não estaremos numa prisão.”
(G.K.C)

terça-feira, 12 de maio de 2009

O homem e os animais

Chesterton

Quanto mais nós consideramos o homem como um animal, menos animal ele nos parece.


De tudo que se descobriu nas cavernas, a única coisa que se mostra certa é que o homem sabia pintar quadrúpedes e que os quadrúpedes não sabiam pintar homens. Se o homem que os pintava era tão animal quanto eles, ressalte-se como extraordinário que soubesse fazer o que eles não sabiam e não sabem. Se o homem era um produto de crescimento biológico, como qualquer outro animal, também é de estranhar sobremodo que em nada se parece com aqueles seus semelhantes. Enfim, o homem parece mais sobrenatural como um produto natural, do que como um produto sobrenatural.

A verdade mais singela a cerca do homem é que ele é um ser muito estranho; parecendo quase um estrangeiro sobre a terra. Pela sua aparência externa, mais parece um ser que haja trazido costumes desconhecidos de outras terras, do que um ser natural desta que habitamos. Tem uma vantagem injusta e uma injusta desvantagem. Não pode se confiar a seus próprios instintos. É, ao mesmo tempo, um criador que possui mãos milagrosas e uma espécie de mutilado. Envolve-se em bandagens artificiais que se chamam vestes; apoia-se em muletas que se chamam móveis. Seu entendimento tem tanto liberdades quanto limitações. Só ele, entre todos os animais, é capaz de agitar-se na formosa loucura que chamamos riso. Só ele, entre todos os animais, sente a necessidade de separar os seus pensamentos da realidade de seu próprio corpo, de ocultá-las, como se se encontrasse ante uma mais alta possibilidade que cria o mistério do pudor. Podemos elogiar esses costumes como naturais no homem, ou podemos censurá-los como artificiais na Natureza. Mas sempre permanecerão com o mesmo sentido de coisa única.

Indubitavelmente é antinatural considerar o homem como um produto natural. Animalizá-lo é pecar contra o espírito - contra esse espírito de realidade, que está feito do senso das proporções.

Suponhamos que um pássaro, entre mil, empreende, um belo dia, qualquer das ações que os homens têm empreendido desde a aurora dos tempos. Não verá nesse pássaro uma subvariedade em transe de diferenciar-se, segundo o curso normal da evolução das espécies, senão de um prodígio, um augúrio.

De fato, não há sombras de indicação que a inteligência humana se tenha formado por evolução natural. Existe, quiçá, uma cadeia descontínua de pedras e ossamentas para sugerir vagamente certo desenvolvimento do corpo do homem; entretanto, nada de parecido existe referente ao seu espírito.

Não era, e foi; eis o que nós sabemos.

Aceitemos o homem como um fato, se nos é bastante um fato inexplicável; aceitemo-lo como um animal, se nos convém viver em meio de animais fabulosos. Mas, se nos é necessário uma lógica, uma sequência, então, precisaremos de um prodigioso prelúdio, de um crescendo de milagres desencadeados, para que o homem pareça, enfim, uma criatura comum.

O homem não significa uma evolução, senão uma revolução.

Se você parar de olhar para livros sobre os animais e os homens e começar a olhar diretamente para os animais e os homens (com um senso mínimo de imaginação ou humor, um senso do desvairado ou do ridículo), você observará que o que assusta não é quanto o homem se assemelha aos animais, mas quanto ele difere deles. É a monstruosa escala de sua divergência que exige explicação. Que o homem e os animais são iguais é, num certo sentido, um truísmo; mas que, sendo tão iguais, eles sejam tão disparatadamente desiguais, esse é o choque e o enigma.

O fato de um macaco ter mãos é muito menos interessante para o filósofo do que o fato de que, tendo mãos, ele não faz quase nada com elas; não estala os dedos, nem toca violino; não entalha o mármore, nem trincha costeletas de carneiro. Fala-se de arquitetura bárbara e de arte inferior. Mas os elefantes não constroem colossais templos de marfim nem mesmo no estilo rococó; os camelos não pintam nem mesmo quadros ruins, embora estejam equipados com o material de muitos pincéis de pêlo de camelo.

Certos sonhadores modernos dizem que as formigas têm uma organização social superior à nossa. Elas têm de fato uma civilização; mas exatamente essa verdade só nos faz lembrar de que é uma civilização inferior. Quem jamais descobriu um formigueiro decorado com as estátuas de formigas famosas? Quem já viu uma colméia na qual estivessem esculpidas as imagens de esplêndidas rainhas de outrora? Não; o abismo entre o homem e as outras criaturas pode ter uma explicação natural, mas é um abismo. Falamos de animais selvagens; mas o único animal selvagem é o homem. Foi o homem que se evadiu. Todos os outros animais são domésticos e seguem a inflexível respeitabilidade de sua tribo ou espécie. Todos os outros animais são domésticos; apenas o homem é sempre indômito, seja ele um devasso, seja ele um monge.

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