“Contenham esse avanço... Façam qualquer coisa, por menor que seja... Mantenham aberta ainda que seja uma só porta dentre cem, pois conquanto que tenhamos pelo menos uma porta aberta, não estaremos numa prisão.”
(G.K.C)

sábado, 20 de novembro de 2010

A violência da razão

Chesterton, Doze tipos.

A razão é sempre uma espécie de força bruta; aqueles que recorrem à cabeça ao invés do coração, ainda que pálidos e polidos, são necessariamente homens de violência. Falamos em "tocar" o coração de um homem, mas nada podemos fazer à sua cabeça senão golpeá-la.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

E fácil ser louco; é fácil ser herege

Chesterton

E fácil ser louco; é fácil ser herege. É sempre fácil deixar que cada época tenha a sua cabeça; o difícil é não perder a própria cabeça. É sempre fácil ser um modernista; assim como é fácil ser um snob. Cair em qualquer uma das ciladas explícitas de erro e exagero que um modismo depois de outro e uma seita depois de outra espalharam ao longo da trilha histórica do cristianismo — isso teria sido de fato simples.

É sempre simples cair; há um número infinito de ângulos para levar alguém à queda, e apenas um para mantê-lo de pé. Cair em qualquer um dos modismos, do agnosticismo à Ciência Cristã, teria de fato sido óbvio e sem graça. Mas evitá-los a todos tem sido uma estonteante aventura; e na minha visão a carruagem celestial voa esfuziante atravessando as épocas. Enquanto as monótonas heresias estão esparramadas e prostradas, a furiosa verdade cambaleia, mas segue de pé.

Ortodoxia

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A verdadeira Educação

Chesterton

As pessoas que mais falam em “mudança” e “progresso” são as que menos conseguem imaginar, realmente, qualquer alteração nos atuais testes e métodos de vida. Por exemplo, elas fazem do “ler e escrever” um teste para todas as idades e todas as civilizações. Ler e escrever são em si meras realizações, realizações deliciosas e empolgantes, como tocar o bandolim ou andar de montanha russa. Algumas realizações estão na moda num momento, outras noutro. Em nossa civilização, quase todos podem ler. Na civilização sarracena, quase todos podiam cavalgar. Mas as pessoas aplicam os três “R’s”[1] a toda a história humana. Elas dizem, num tom de voz de quem está chocado: “Você sabia que na Idade Média não se conseguia encontrar um cavalheiro em dez que soubesse assinar o próprio nome?” Isto é análogo a um cavalheiro medieval ter dito horrorizado: “Você sabia que no reino de Eduardo VII, sequer um em dez cavalheiros sabia como usar um falcão mensageiro?” Ou, falando mais precisamente, seria como se um cavalheiro medieval expressasse perplexidade porque um moderno cavalheiro não consegue adornar seu brasão de armas. O alfabeto é um conjunto de símbolos arbitrários. No século XIV, todo cavalheiro conhecia um; no século XX, todo cavalheiro conhece outro. O primeiro cavalheiro é precisamente tão ignorante por não saber que “gato” se soletra g-a-t-o, quanto é o segundo cavalheiro por não saber que a Cruz de Santo André é chamada de santor, ou que verde e escarlate não combinam em heráldica.

Falamos, com típico fanatismo e estreiteza, do Alfabeto. Mas há, na verdade, um grande número de alfabetos, além do alfabeto de letras. O alfabeto de letras era pouco usado na Idade Média: esses outros alfabetos são pouco usados agora. Certo número de soldados aprendem a transmitir suas mensagens acenando abruptamente pequenas bandeiras. Outros conversam entre si de um modo íntimo e loquaz por meio de reflexos da luz do sol em espelhos. Esses alfabetos são agora realizações tão peculiares e restritas quanto a escrita era na Idade das Trevas. Eles podem se tornar algum dia um hábito tão difundido e universal quanto a escrita é agora. Em alguma era futura poderemos ver uma dama e um cavalheiro, um de cada lado da mesa, discutindo de forma animada acenando bandeirinhas um para o outro. Poderemos ver distintas senhoras nas janelas de seus aposentos, com seus espelhos de maquiagem voltados para a rua, agitando-os violentamente a fim de se comunicarem como uma amiga a alguns quilômetros de distância. Isto será especialmente satisfatório, pois lhes proporcionará um uso para seus espelhos, artigos que elas, no presente, consideram inteiramente sem raison d’être.

Quão estranho é, então, que tão constantemente pensemos que a educação tenha algo a ver com tais coisas como ler e escrever! Ora!, educação real consiste em não ter nada a ver com coisas como ler e escrever. Ela consiste, no mínino, em ser independente delas. A educação real consiste no fato de que vemos além de símbolos e de meros mecanismos da época em que nos encontramos: a educação consiste precisamente na percepção de uma simplicidade permanente que sobrevive por trás de todas as civilizações; a vida que é mais que alimento; o corpo que é mais que vestuário. O único objetivo da educação é fazer-nos ignorar os meros esquemas de educação. Sem educação estamos num perigo horrível e mortal de levar a sério as pessoas instruídas. A última das modas da cultura, o último dos sofismas do anarquismo nos arrebatarão se não formos educados: não saberemos quão antigas são as novas idéias. Pensaremos que a Ciência Cristã[2] é realmente todo o cristianismo e toda a ciência. Pensaremos que as cores artísticas são apenas as cores da arte. O homem deseducado sempre se importará excessivamente com complicações, com novidades, com a moda, com a coisa mais recente. O homem deseducado será sempre um dândi intelectual. Mas o negócio da educação é nos contar a respeito de todas as diversas complicações, de toda a estonteante beleza do passado. A educação impõe-nos conhecer, como disse Arnold[3], todas as melhores literaturas, todas as mais belas artes, todas as melhores filosofias nacionais. A educação nos impõe conhecê-las todas para que possamos passar sem todas elas.

[1] Os três erres se referem às palavras, em inglês, relativas às supostas três habilidades básicas de uma educação orientada: reading [leitura],writing [escrita], arithmetic [aritmética]. As palavras, embora não comecem todas com “r”, têm um fonema forte que envolve esta letra.

[2] Religião fundada em 1866 por Mary Baker Eddy. Seus adeptos acreditam que o homem e o universo são coisas espirituais em si e que o mal e o erro são produtos da existência material.

[3] Matthew Arnold foi escritor e crítico cultural inglês. Foi um dos mais influentes escritores ingleses do século XIX.

Excerto do Blog do Angueth