“Contenham esse avanço... Façam qualquer coisa, por menor que seja... Mantenham aberta ainda que seja uma só porta dentre cem, pois conquanto que tenhamos pelo menos uma porta aberta, não estaremos numa prisão.”
(G.K.C)

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

O Revolucionário Moderno


Chesterton, Ortodoxia.

O liberalismo degradou-se em liberalidade. Os homens tentaram transformar o verbo "revolucionar" de transitivo em intransitivo. Os jacobinos não apenas sabiam dizer contra que sistema se rebelariam, mas também (o que é mais importante) contra que sistema NÃO se rebelariam, o sistema em que confiariam.

Mas o novo rebelde é um cético, e não confia inteiramente em nada. Não tem nenhuma lealdade; portanto, ele nunca poderá ser de verdade um revolucionário. E o fato de que ele duvida de tudo realmente o atrapalha quando quer fazer alguma denúncia. Pois toda denúncia implica alguma espécie de doutrina moral; e o revolucionário moderno duvida não apenas da instituição que denuncia, mas também da doutrina pela qual faz a denúncia. Assim, ele escreve um livro queixando-se de que a opressão imperialista insulta a pureza das mulheres; e depois escreve outro (sobre o problema do sexo) no qual ele mesmo a insulta. Ele amaldiçoa o sultão pela perda da virgindade de garotas cristãs; e depois amaldiçoa a sra. Grundy pela preservação dela. Como político, ele grita que toda guerra é um desperdício de vida, e depois, como filósofo, grita que toda vida é um desperdício de tempo.

Um pessimista nisso denunciará um político por matar um camponês; e depois, pelos mais elevados princípios filosóficos, provará que o camponês deveria ter-se suicidado. Alguém denuncia o casamento como uma mentira; e depois denuncia os libertinos aristocráticos por tratarem essa mesma instituição como uma mentira. Alguém chama a bandeira de bugiganga; e depois acusa os opressores da Polônia ou da Irlanda de terem suprimido aquela bugiganga. O adepto dessa escola primeiro participa de uma reunião política, na qual se queixa de que os selvagens são tratados como se fossem animais; depois apanha o chapéu e o guarda-chuva e vai para uma reunião científica, na qual prova que eles são praticamente animais.

Em resumo, o revolucionário moderno, sendo um cético sem limites, está sempre ocupado em minar suas próprias minas. No seu livro sobre política ele ataca os homens por espezinharem a moralidade; no seu livro sobre ética ele ataca a moralidade por espezinhar os homens. Portanto, o homem moderno em estado de revolta tornou-se praticamente inútil para qualquer propósito da revolta. Rebelando-se contra tudo, ele perdeu o direito de rebelar-se contra qualquer coisa específica.

domingo, 9 de outubro de 2011

Bem-vindo à corporação.

Chesterton
O Homem que foi quinta-feira

- É o novo recruta? - perguntou o chefe invisível que parecia estar a par de tudo. - Está bem. Está admitido.

Syme, assombrado, trêmulo, procurou timidamente lutar contra esta sentença irrevogável.

- Mas eu, na verdade, não tenho experiência...

- Ninguém tem experiência alguma da batalha do Armagedom - disse o outro.

- Também não sei se sou capaz...

- Mas você quer e isso basta - retrucou o desconhecido.

- Mas, a verdade - ponderou Syme -, é que não sei de nenhum ofício em que a simples boa vontade seja prova de aptidão.

- Eu sei - disse o outro. - O dos mártires. Eu estou condenado à morte. Passe bem.

Foi assim que ao reaparecer com sua deplorável cartola preta e seu anárquico e deplorável casaco na claridade carmesim do crepúsculo, Gabriel Syme vinha sido feito membro da nova corporação de detetives, fundada para dar combate à grande conspiração.

Ver também "Os policiais filósofos".

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

A educação e a sensibilidade

C. S. Lewis
A Abolição do Homem

[Alguns] professores vêem o mundo ao redor dominado pela propaganda emotiva – aprenderam com a tradição que a juventude é sentimental – e concluem que a melhor coisa a fazer é fortalecer a mente dos jovens contra a emotividade. A minha própria experiência como professor me ensina justamente o contrário. Pois, para cada aluno que precisa ser resguardado de um leve excesso de sensibilidade, existem três que precisam ser despertados do sono da fria vulgaridade. O dever do educador moderno não é o de derrubar florestas, mas o de irrigar desertos. A defesa adequada contra os sentimentos falsos é inculcar os sentimentos corretos. Ao sufocar a sensibilidade dos nossos alunos, apenas conseguiremos transformá-los em presas mais fáceis para o ataque do propagandista. Pois a natureza agredida há de se vingar, e um coração duro não é uma proteção infalível contra um miolo mole.

domingo, 18 de setembro de 2011

Chesterton vs Nietzsche

No blog do Professor Angueth, um leitor sugeriu que ele confrontasse as ideias de Chesterton e Nietzsche, como se fora um debate. O Professor prontamente acolheu a sugestão e postou em seu blog alguns trechos em que Chesterton combateu as ideias de Nietzsche.

Achei a ideia muito interessante e decidi contribuir. Como o Professor fez um apanhado, principalmente do livro "Hereges", decidi postar mais algumas palavras de Chesterton combatendo as ideias nietzscheanas.

Como disse o Professor Angueth, "Nietzsche morreu em 1900 e Chesterton começou a escrever profissionalmente um pouco depois disso. Assim, ele não poderia ter debatido diretamente com o filósofo alemão. Contudo, ele percebeu bem a natureza maligna de sua filosofia e a debateu com todos os seus defensores, principalmente Shaw e Wells, mas não só". Abaixo segue mais um pouco do que seria esse debate, tomando trechos do livro Ortodoxia:

"Nietzsche começou essa idéia absurda de que os homens buscaram como bem o que agora chamamos de mal. Se fosse assim, não poderíamos falar em ir além ou até mesmo em ficar aquém do bem e do mal. Como você pode ultrapassar o Silva se você estiver caminhando na direção contrária? Você não pode discutir se um povo obteve mais êxito em sentir-se infeliz do que outro em sentir-se feliz. Seria como discutir se Milton era mais puritano do que um porco é gordo".

"O ponto supremo não é saber por que alguém busca determinada coisa, mas o fato de buscá-la. Não disponho aqui de espaço para traçar ou explicar essa filosofia da Vontade. Surgiu, suponho, por intermédio de Nietzsche, que pregou algo chamado de egoísmo. Isso, de fato, era bastante simplório; pois Nietzsche negava o egoísmo pregando-o. Pregar alguma coisa é entregá-la. Primeiro, o egoísta chama a vida de guerra sem compaixão, depois despende o máximo esforço possível para treinar seus inimigos na guerra. Pregar o egoísmo é praticar o altruísmo. Mas como quer que tenha começado, a visão é bastante comum na literatura atual".

"Nietzsche tinha algum talento natural para o sarcasmo: ele sabia escarnecer, embora não soubesse rir; mas há sempre algo incorpóreo e sem peso na sua sátira, simplesmente porque ela não tem nenhum peso de moralidade comum em que se apoiar. O próprio Nietzsche é mais absurdo que qualquer coisa por ele denunciada. Mas, de fato, ele se sustenta muito bem como exemplo típico de todo esse fracasso da violência abstrata. O amolecimento do cérebro que no fim o atingiu não foi um acidente físico. Se Nietzsche não houvesse acabado na imbecilidade, o nietzscheanismo o teria feito. Pensar no isolamento e com orgulho acaba na idiotice. Todos os homens que não passam por um amolecimento do coração devem no mínimo passar pelo amolecimento do cérebro".

"Essa, incidentalmente, é toda a fraqueza de Nietzsche, que alguns estão representando como pensador ousado e forte. Ninguém negará que ele foi um pensador poético e sugestivo; mas foi exatamente o oposto de forte. Não foi de modo algum ousado. Ele nunca colocou suas idéias diante de si com palavras simples e abstratas, como fizeram os vigorosos e destemidos pensadores Aristóteles e Calvino e até mesmo Karl Marx. Nietzsche sempre se evadia de uma questão usando uma metáfora física, como um jovial poeta menor. Ele dizia "além do bem e do mal" porque não tinha a coragem de dizer "melhor que o bem e o mal", ou "pior que o bem e o mal". Se ele houvesse enfrentado o pensamento sem metáforas, teria visto que se tratava de um disparate. Assim, quando ele descreve o seu herói, não ousa dizer "o homem mais puro", ou "o homem mais feliz", ou "o homem mais triste"; pois todas essas expressões são idéias, e as idéias são alarmantes. Ele diz "o homem superior" ou "o super-homem", uma metáfora física, baseada em acrobatas ou alpinistas. Nietzsche é realmente um pensador muito tímido. Realmente não tem a mínima idéia do tipo de homem que ele quer que a evolução produza".


Trarei um pouco mais desse debate retirando trechos de outros livros ainda não traduzido para o português.

Abraços.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O melhor de todos os mundos impossíveis

G. K. Chesterton
The G.K. Chesterton calendar (Cecil Palmer)


Este mundo não deve ser justificado como ele é justificado pelos otimista mecânicos; não deve ser justificado como o melhor de todos os mundos possíveis. Seu mérito não é que ele seja ordenado e explicável; seu mérito é que ele é selvagem e totalmente inexplicável. Seu mérito é precisamente que nenhum de nós poderia ter concebido tal coisa, que nós teríamos rejeitado essa ideia descabida como milagrosa e irracional. Este mundo é o melhor de todos os mundos impossíveis.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Meu lar, meu castelo

Há quase dois anos, postei uma interessante citação de William Pitt, onde enaltecia o valor de nosso lar, dizia ele:

"O lar de um homem é o seu castelo. O homem mais pobre desafia, em sua casa, todas as forças da coroa. A sua cabana pode ser muito frágil, o teto pode tremer, o vento pode soprar entre as portas mal ajustadas, a trombeta pode penetrar, mas o Rei da Inglaterra não pode nela entrar".

Para a minha surpresa, achei um comentário de Chesterton sobre essa citação, que a complementa de forma extraordinária. Comenta Chesterton:

"O homem que disse que a casa de um Inglês é o seu castelo disse muito mais do que ele pensou. O Inglês pensa na sua casa como algo fortificado, e provisionado, e as grandes ameças que vêm sobre ele é o cerne de sua origem romântica. Neste sentido, ele seria mais forte nas noites de inverno mais selvagens, quando o portão trancado e a ponte elevadiça levantada obstrui não somente os de fora, mas também os dentro. A casa do Inglês é quase sagrada, não meramente quando o Rei não pode entrar, mas também quando o Inglês não pode dela sair".

Mera espiritualidade

G. K. Chesterton
The G.K. Chesterton calendar (Cecil Palmer)


Quando a evolução científica foi anunciada, alguns temiam que ela iria incentivar a mera animalidade. Mas ela fez pior: incentivou a mera espiritualidade. Ela ensinou aos homens a pensar que, enquanto eles estavam evoluindo do macaco estavam indo para anjos. Mas você pode evoluir do macaco indo a demônio.

sábado, 20 de agosto de 2011

Fé e Razão

Chesterton

Quando um crítico diz, por exemplo, que a fé manteve o mundo em trevas até que a dúvida levou ao esclarecimento, é ele próprio que fala coisas pela fé; coisas de que ele nunca foi suficientemente esclarecido para poder duvidar. Essa simplificação extremamente rude da história humana é que tem sido ensinada. Eu não o culpo por isso. Apenas quero observar que ele é um exemplo inconsciente das próprias coisas que insulta.

Illustrated London News 13/02/1926

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

A história da pré-história

Chesterton
O Homem Eterno

Talvez não se conceda bastante atenção a um caso singular que a ciência dos estudos pré-históricos oferece. Toda a ciência se funda, com efeito, no conjunto admirável de suas conquistas, por um método de acumulação. Todas as invenções mecânicas e a maior parte dos descobrimentos da física deriva da observação completada pela experiência. Ora, bem; não se fabricam homens primitivos. Esta é a grande dificuldade para o conhecimento das nossas origens. Assim, é que chegamos a aperfeiçoar, peça por peça, o aeroplano de nossa invenção, assistindo no jardim, às evoluções de um modelo reduzido feito de bambus e de latas de sardinha; porém, jamais, nesse mesmo jardim, assistiremos a evolução do "elo-perdido". Se cometermos um erro de cálculo, o aeroplano fará, por si mesmo, a prova em sua queda. Porém, se incidirmos num erro de suposição a respeito dos costumes de um dos nossos ancestrais, na selva, por exemplo, não será, de certo, ele quem o demonstrará, deixando-se cair da árvore em que estiver trepado.

É impossível criar o homem de Weanderthal em uma gaiola, como um galo, com o objetivo de descobrir se ele pratica a antropofagia e o rapto nupcial. É absurda a idéia de manter uma manada de homens de Cromagnon, afim de estudar as manifestações do instinto gregário. Se um pássaro se comporta de um modo insólito, é bem possível que adivinhemos os costumes de outros pássaros; mas, de um crânio ou de um fragmento de crânio a imaginação mais científica não pode deduzir todo um vale de Josafat.

Fala-se muito da paciência científica. Da impaciência é que se deveria falar. O mais empírico dos antropologistas está nas mesmíssimas condições que o mais prudente dos arqueólogos: é-lhe preciso ater-se a um farrapo do passado, sem esperança de, jamais, vê-lo aumentar entre suas mãos. Manuseia a porção dos seus descobrimentos com a mesma energia feroz com que o homem das cavernas manuseava o seu pedaço de silex, e por idênticas razões: é o seu único patrimônio, o seu único utensílio e sua única arma; arma que manejará com uma espécie de fanatismo desesperado, ao qual não nos acostumaram, ainda, os sábios do laboratório. Estou seguro de que mais de um professor superaria a mais de um cão na arte de arreganhar os dentes em defesa do seu osso.

Contemplemos a sua obra. Ante a dificuldade de criar um macaco e de vê-lo transformar-se em ser humano, nosso homem não se contentará em dizer o que nós diríamos de bom grado: que uma evolução desse gênero se mostra bastante verossímil. Não, em vez disso, ele exibe a sua pequena lasca ou sua minúscula coleção de ossos e deduz, para maravilhar as multidões, toda uma série de revelações surpreendentes. Assim, por exemplo, em Java encontrou-se os restos de um crânio que era mais estreito do que o nosso, pelo que se pode deduzir; um pouco mais distante se encontrou um fêmur e, dispersos pelas cercanias, alguns dentes que não eram humanos. Se o todo proviesse de um mesmo indivíduo, o que está ainda por se averiguar, a idéia que poderíamos fazer de tal indivíduo não seria, talvez, menos incerta. Entretanto, tudo bastou à ciência popular para fabricar um personagem completo, terminado dos pés à cabeça, sem carência dos mínimos detalhes e que recebeu, sem demora, um nome próprio, como toda personagem histórica que se respeite.

O público falou, assim, de Petecântropo, como se fala de Richelieu, de Fox ou de Napoleão. As enciclopédias ilustradas publicaram sua efígie e nós temos dele um excelente desenho, de tão minucioso realismo, que não se pode duvidar de que lhe foram contados, um por um, até os fios de cabelo. Quem suspeitaria ao ver aquelas expressões fisionômicas, tão poderosamente acentuadas, e aquele olhar abatido, que são o retrato de um fêmur ou de um pedaço de abóboda craniana e de um punhado de dentes? Seu caráter e seus costumes são, igualmente, de notoriedade pública.

[Ora], ignoro tudo o que se refere ao homem pré-histórico, pela simples razão de que é pré-histórico. Por isso que não é logicamente possível existir uma história da pré-história, expressão tão falha de razão, que só os racionalistas podiam inventá-la. Um pregador que qualificasse o dilúvio como antidiluviano surpreenderia, talvez, alguns sorrisos furtivos no rosto de seus ouvintes. Um bispo faria bem não classificando Adão entre os pré-adâmicos. Mas que um historiador nos fale das épocas pré-históricas da História, não nos surpreende na medida que deveria.

O que se quer dizer, sem dúvida, o que se pode dizer é que a humanidade é mais velha do que a História e que a civilização é anterior às crônicas escritas. O homem, de fato, cultivou várias artes antes da escritura, do que não se deve deduzir que, até então, ele fosse um consumado bruto.

Fazem-se, em um tom tão categórico e soberbo, afirmações gratuitas , que é preciso, para examiná-las, uma virtude crítica que ultrapasse o comum.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Diálogo: O mais forte adversário *

- Elimine a causa, e o efeito cessa!

- Mas como marchar contra um adversário que você ama? Como atirar uma lança contra o coração do outro, quando o golpe devasta também o seu próprio coração?!

* Passou-me pela cabeça. O primeiro parágrafo é de Cervantes. O segundo não sei de onde vem.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

O tiro que sai pela culatra

Chesterton
Ortodoxia

Nesse trecho do livro Ortodoxia, Chesterton mostra com clareza que, com a intenção de negar as bases do cristianismo, os céticos acabaram negando as bases de toda coerência e da vida social.

Há homens que destroem a si mesmos e destroem a própria civilização se também puderem destruir essa fantástica história [a história do cristianismo].

Esse é o fato supremo e mais aterrador envolvendo a fé: que seus inimigos usarão qualquer arma contra ela, as espadas que cortam os próprios dedos e as lenhas que queimam as próprias casas. Homens que começam a combater a Igreja em benefício da liberdade e da humanidade terminam jogando fora a liberdade e a humanidade só para poderem com isso combater a Igreja. Não é exagero. Eu poderia encher um livro com exemplos disso.

O sr. Blatchford iniciou, como um demolidor bíblico comum, querendo provar que Adão não teve culpa em seu pecado contra Deus; manobrando para defender essa ideia, ele admitiu, como mera questão secundária, que todos os tiranos, de Nero ao rei Leopoldo, não tiveram culpa em nenhum de seus pecados contra a humanidade.

Conheço um homem que tem tal paixão por provar que ele não terá uma existência pessoal depois da morte que recorre à tese de que ele não tem uma existência pessoal agora. Invoca o budismo e diz que todas as almas desaparecem uma na outra. Para provar que não pode ir para o céu ele prova que não pode ir para a cidade de Hartle-pool.

Conheci pessoas que protestavam contra a educação religiosa com argumentos contra qualquer tipo de educação, dizendo que a mente da criança deve crescer livre ou que os mais velhos não devem ensinar aos jovens.

Conheci pessoas que demonstraram que não poderia existir nenhum julgamento divino mostrando que não pode haver nenhum julgamento humano, nem mesmo em prol de objetivos práticos. Elas queimaram o próprio trigo para atear fogo à Igreja; destruíram as próprias ferramentas para destruí-la; qualquer pedaço de pau era bom para bater nela, mesmo que fosse o último pedaço de sua mobília desmantelada.

Não admiramos, mal desculpamos o fanático que destroça este mundo pelo amor do outro. Mas que devemos dizer do fanático que destroça este mundo por causa do ódio pelo outro? Ele sacrifica a própria existência da humanidade à não-existência de Deus. Oferece suas vítimas não para o altar, mas simplesmente para afirmar a inutilidade do altar e o vazio do trono. Ele está disposto a destruir até mesmo aquela ética primária pela qual todas as coisas vivem, em prol de sua estranha e eterna vingança contra alguém que jamais sequer viveu. E, no entanto, a coisa pende dos céus, incólume. Seus opositores só conseguem destruir tudo aquilo a que eles mesmos com justiça dão valor. Não destroem a ortodoxia; destroem apenas o sentido comum e político de coragem. Não provam que Adão não foi responsável perante Deus; como poderiam fazê-lo? Provam apenas (a partir de suas premissas) que o czar não é responsável perante a Rússia. Não provam que Adão não deveria ter sido punido por Deus; provam apenas que o patrão explorador mais próximo não deveria ser punido pelos homens. Com suas dúvidas orientais sobre a personalidade, não nos dão certeza de que não teremos uma vida pessoal depois da morte; apenas nos dão certeza de que não teremos uma vida muito divertida ou completa aqui.

Não é apenas verdade que a fé é a mãe de todas as energias deste mundo, mas é também verdade que os inimigos dela são os pais de toda a confusão do mundo. Os secularistas não destruíram coisas divinas; destruíram coisas seculares, se isso servir de algum conforto para eles. Os Titãs não escalaram o céu; mas devastaram o mundo.

Fui criado para um outro mundo

C. S Lewis
O Peso de Glória

"Se descubro em mim um dese­jo que nenhuma experiência deste mundo pode satis­fazer, a explicação mais provável é que fui criado para um outro mundo." (CSL)

Quase toda a educação procura silenciar essa voz tímida e persistente dentro de nós: quase todas as filosofias dos nossos tempos foram elaboradas para convencer-nos de que o bem do homem encontra-se nesta terra. Contudo, é curioso como certas filosofias de progresso ou evolução criativa acabem por atestar, relutantemente, que o nosso verdadeiro alvo esteja em outro lugar.

Note a maneira como pretendem convencê-lo de que a terra é seu lar. Começam tentando persuadi-lo de que a terra pode transformar-se em céu, driblando assim a nossa sensação de exílio. Depois dizem que esse feliz acontecimento situa-se num futuro ainda muito distante, driblando assim o nosso conhecimento de que nossa pátria não está presente, aqui e agora. Finalmente, para que o nosso anseio por alguma coisa transtemporal não nos acorde, estragando tudo, valem-se da retórica à disposição, para conservar bem distante da nossa mente o pensamento de que, ainda que a felicidade que nos prometem pudesse ser uma realidade na terra, cada geração, inclusive a última de todas, a perderia na morte, e toda sua história seria nada, deixaria até de ser história, para todo o sempre. Assim, justifica-se todo o absurdo que Shaw põe no discurso final de Lilith, bem como a teoria de Bergman, afirmando que o élan vital é capaz de superar todos os obstáculos, talvez até a morte — como se pudéssemos crer que qualquer desenvolvimento social ou biológico em nosso planeta pudesse protelar a senilidade do sol ou anular a segunda lei da termodinâmica.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

A antiguidade da civilização

Chesterton

Em um lugar escondido da costa jônica que dá frente a Creta e ao Arquipélago, elevava-se uma cidade, que chamaríamos, hoje, povoação fortificada. Chamava-se Ilion; depois, chamou-se Tróia, e seu nome vibra para sempre na memória dos homens. Um poeta que foi, talvez, mendigo e cantor ambulante, sem dúvida iletrado, e que a lenda apresenta como cego, compõe um poema, cujo assunto era a guerra que os gregos fizeram a esta cidade para reconquistar a mais bela mulher do mundo.


Que a mais bela mulher do mundo tenha habitado essa aldeia pode parecer lendário. Que o mais formoso poema do mundo fosse inventado por um homem, que não vira mais que essa aldeia, é um fato histórico. Assegura-se, em verdade, que a obra pertence ao período em que a cultura estava em seu ocaso. Se assim é, eu pergunto: que produziria, então, em seu apogeu?


Ler o texto completo em Chestertonbrasil.org

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Igualdade

C. S. lewis
(O Peso da Glória)

Igualdade é um termo quantitativo e, por conseguinte, muitas vezes não tem relação alguma com o amor. A autoridade exercida com humildade e a obediência aceita com alegria são as diretrizes pelas quais vive o nosso espírito.

"Se eu vejo, creio!"

Esse é um trecho de uma carta do diabo Fitatuso (personagem de C. S. Lewis do livro "Cartas do Diabo ao seu aprendiz") respondendo à correspondência de seu aprendiz e sobrinho e ensinando-o como ele deve agir no seu labor diário de enganar o homem. O "Inimigo", a quem ele se refere é Deus e "nosso Pai lá de Baixo" é Satanás.

Parta do princípio que sua vítima já se acostumou desde criança a ter uma dúzia de filosofias diferentes dançando em sua cabeça. Ele não usa o critério de "VERDADEIRO" ou "FALSO" para conferir cada doutrina que lhe apareça (seja do Inimigo ou nossa). Ao invés disso, ele verifica se a doutrina é "Acadêmica" ou "Prática", "Antiquada" ou "Atual", " Aceitável" ou "Cruel". O jargão e a expressão feita (e não o argumento lógico) são seus melhores aliados para mantê-lo longe do Inimigo. Não perca tempo tentando levá-lo a concluir que o Materialismo seja verdadeiro (sabemos que não é). Faça-o pensar que ele é Forte, Violento ou Corajoso - ou ainda, que é a Filosofia do Futuro! Este é o tipo de coisas que lhe despertarão a atenção.

Percebo que você tem intenções produtivas, mas há um problema muito grande quando tentamos persuadir o paciente a passar para nosso lado pelo emprego de argumentos e lógica: isto conduz toda a luta para o campo do Inimigo, que para azar nosso também sabe argumentar (e melhor do que nós). Por outro lado, no que diz respeito à propaganda prática (ainda que falsa) que lhe sugeri, Ele tem se mostrado por séculos bem inferior ao Nosso Pai lá de Baixo. Pela pura argumentação, você despertará o raciocínio do paciente; uma vez que a razão dele desperte, quem poderia prever o resultado? Veja que perigo! Mesmo que uma cadeia de raciocínio lógico possa ser torcida de modo a nos favorecer, isso tende a acostumar o paciente ao hábito fatal de questionar as coisas, analisando as mesmas com visão geral, e desviando-se das experiências ditas "concretas", que na verdade são apenas experiências sensíveis e imediatas.

Sua maior ocupação deve ser portanto a de prender a atenção da vítima de modo a jamais se libertar da corrente do "Se eu vejo, creio!". Ensine-o chamar esta corrente "Vida Real", e jamais deixe-o perguntar a si próprio o que significa "Real".