“Contenham esse avanço... Façam qualquer coisa, por menor que seja... Mantenham aberta ainda que seja uma só porta dentre cem, pois conquanto que tenhamos pelo menos uma porta aberta, não estaremos numa prisão.”
(G.K.C)

sábado, 27 de dezembro de 2008

Minha biblioteca

Nos próximos dias passarei pelo grande desafio de catalogar meus livros. Cadastrarei, um a um, em um programa no meu computador.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Eros



Dou naturalmente o nome de Eros àquele estado que chamamos de “estar amando”.
[....]
Quando Eros está em nós essa é uma de suas marcas: preferimos ser infelizes com o ente amado a ser felizes em quaisquer outros termos.
[....]
Eros jamais hesita em dizer: “Antes isto do que a separação. Melhor ser miserável com ela do que feliz sem ela. Deixe que nossos corações se partam, desde que se partam juntos”.
C.S. Lewis

A vida como um jogo de xadrez



Estou querendo levar a vida como um jogo de xadrez, no qual as regras principais não são abertas à discussão. Ninguém pergunta por que é permitido ao cavalo fazer seu movimento excêntrico, por que a torre só pode andar em linha reta e o bispo obliquamente. Estas coisas devem ser aceitas e o jogo deve ser jogado com estas regras: é tolice reclamar delas.
W. Somerset Maugham

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

A linguagem poética

Esse é um dos poderes mais notáveis da linguagem poética: comunicar-nos a qualidade de experiências que não tivemos e que talvez jamais tenhamos; utilizar fatores que envolvem nossa experiência de modo que se tornem indicadores de algo externo a ela...

C.S. Lewis

Testando nosso entendimento

Cheguei à clonclusão de que, se não for possível traduzir os nossos pensamentos em linguagem não técnica, isso significa que eles são confusos. A possibilidade de traduzi-los é o teste por meio do qual saberemos se fomos capazes de entender o significado daquilo que dissemos.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

A validade da razão

Alguns filósofos tentaram (e muitos ainda hoje tentam) nos convencer de que o conhecimento nunca é racional, e por isso, nunca conhecemos nada. Mas se há dúvida em relação a tudo, deve-se duvidar do valor do argumento utilizado para chegar a essa conclusão. É uma teoria que destrói as próprias credenciais. É como serrar o galho em que se está sentado. Lewis observou isso dizendo que “tratar-se-ia de um argumento provando que argumento algum é sólido, uma prova de que não existem provas, o que é uma tolice”.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Integridade

Não existe maior prova de cavalheirismo e integridade de um homem do que como ele se comporta quando está equivocado.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Sobre a felicidade

Por Agnon Fabiano

Um mesmo evento ou situação externa não afeta duas pessoas da mesma maneira. O mundo se molda pela maneira que o vemos. Para uns, esse mundo é triste e tenebroso. Para outros é empolgante e alegre. Desta forma, nossa felicidade depende menos da situação externa, do que do modo como encaramos as situações, isto é, o mais importante é a atitude mental com a qual tratamos os eventos que nos afetam.

Um evento, dependendo da visão de cada pessoa, pode diferir de tal maneira que nem parecerá que essas pessoas foram afetadas pelo mesmo evento. Desta forma, os melhores prazeres do mundo experimentados por um tolo, são estéreis, se comparados, por exemplo, com os sentimentos de prazer que Miguel de Cervantes experimentou, numa sela miserável, escrevendo “D. Quixote” ou de John Bunyan ao escrever “O Peregrino”.

Nossa felicidade dependerá muito mais daquilo que “somos” do que daquilo que temos ou experimentamos. Sócrates, ao ver artigos luxuosos à venda, exclamou: “Quanto existe no mundo que eu não quero!”

Schopenhauer, acertadamente, disse que a riqueza pouco pode fazer por nossa felicidade e muitas pessoas ricas são infelizes. Aquilo que um homem tem dentro de si mesmo é o elemento principal para sua felicidade. Daí o “segredo” dos cristãos. A felicidade e a consolação de que os verdadeiros cristão são exemplos têm um motivo: uma maneira peculiar de ver o mundo está no interior deles.

O apóstolo Paulo nos relata o seguinte:


Recebi dos judeus cinco quarentenas de açoites menos um. Três vezes fui açoitado com varas, uma vez fui apedrejado, três vezes sofri naufrágio, uma noite e um dia passei no abismo; Em viagens muitas vezes, em perigos de rios, em perigos de salteadores, em perigos dos da minha nação, em perigos dos gentios, em perigos na cidade, em perigos no deserto, em perigos no mar, em perigos entre os falsos irmãos; Em trabalhos e fadiga, em vigílias muitas vezes, em fome e sede, em jejum muitas vezes, em frio e nudez (2Co 11:23-27).

Paulo nos revela que visão de mundo ele tinha em seu interior:


Não sabeis vós que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? (1Co 3:16).

Porque, qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o espírito do homem, que nele está? Assim também ninguém sabe as coisas de Deus, senão o Espírito de Deus. Mas nós não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que provém de Deus, para que pudéssemos conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus. As quais também falamos, não com palavras de sabedoria humana, mas com as que o Espírito Santo ensina, comparando as coisas espirituais com as espirituais. Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente (1Co 2:11-14).

Esse modo de ver o mundo, isto é, através do Espírito de Deus, é que o permitiu suportar todas as angústias e, apesar de tudo, poder declarar de forma imponente: “Porque estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor.” (Rm 8:38-39).

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Distorção

Buscar a ausência de dor, e não a presença do prazer, foi um dos grandes erros causados pela distorção dos nossos objetivos.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Até uma criança sabe...

Por Agnon Fabiano

Fico surpreso com o que todas as crianças sabem. Por exemplo, estava conversando com um amigo sobre a teoria da evolução. Eu estava falando das incoerências da teoria, quando, de repente, um rapaz que ouvia nossa conversa interviu e começou a defendê-la. A certa altura da discussão, ele falou:
Qualquer criança sabe que a seleção natural atuando sobre o conjunto de variações ancestralmente existentes, pode desenvolver mudanças significativas. Por exemplo, o olho evoluiu mais de 40 vezes, em nove designs diferentes.

Relmente, para as crianças, esse deve ser o principal tema das conversas enquanto soltam pipa.

É comum as pessoas quererem obter anuência de suas afirmações declarando solenemente que "até uma criança sabe" que o que elas estão dizendo é verdade. O efeito é instantâneo, pois os que ouvem, não querendo se mostrarem ignorantes àquilo que "até uma criança sabe", silenciam suas dúvidas ou questionamentos. Concordam, não por convicção, mas por vergonha e receio.

Portanto, nunca se envolva numa controvésia sem levar algumas crianças consigo.

Falsa certeza

Pior que o simples desconhecimento é a ignorância potenciada de uma falsa certeza — o acreditar convicto de quem está seguro de que sabe o que desconhece.

Eduardo Giannetti

Saudade

[....] a saudade é o revés de um parto
a saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu.

Chico Buarque

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Um pouco sobre Chesterton

Por Agnon Fabiano

Nem filósofo, nem teólogo nem místico, entretanto um pouco disso tudo e algo mais, Gilbert Keith Chesterton, G. K Chesterton ou simplesmente “G.K”, como os amigos o chamava, foi uma figura peculiar. Conhecido com “o príncipe do paradoxo”, era um homem afetuoso, distraído e bem-humorado. Com seus 2,09m de altura e pesando 140kg, Chesterton transformava qualquer ambiente em um lugar divertido. Certa vez seu contemporâneo Franz Kafka comentou: "Ele é tão alegre que parece ter encon­trado o próprio Deus!". Era tão gigantesco e admirável que o chamaram de “monumento andante de Londres”, e em uma ocasião durante um banquete em sua homenagem, Bernard Shaw, no momento dos discursos, falou: “Tão elegante é nosso homenageando, senhores, que nesta mesma manhã deixou seu assento no bonde a três senhoras”.

Tão natural como sua extravagância física era sua jovialidade intelectual, suas tiradas espirituosas. Qualquer argumento poderia ser convertido por ele, automaticamente, em um deslumbrante passe de mágica. Sua abordagem era diferente: ele caminhava até o centro da ponte pênsil, esbravejava um desafio a qualquer guerreiro mais ousado e, então, levava todos às gargalhadas. Era o mesmo homem alegre e descontraído, estivesse num parque de diversões ou num debate com Shaw, Wells ou Bertrand Russel. Em certo debate com Shaw, em 1927, transmitido pela BBC de Londres, por exemplo, havia uma multidão para assistir, mas as dependências do Kingsway Hall não comportavam tanta gente, de modo que uma parte considerável ficou do lado de fora. O humor e as tiradas divertidas de Chesterton fizeram com que o público externo, não resistindo às gargalhadas de quem estava dentro, arrebentasse as portas para entrar no recinto. Semelhante debate ocorreu em 1935 com Bertrand Russel, onde Chesterton deixou o famoso matemático e filósofo quase sem resposta para muitas de suas lúcidas indagações. Normalmente chegava atrasa­do, ajustava os óculos pincenê para perscrutar suas anota­ções rabiscadas num punhado de papéis e passava a entreter o público, rindo alto das próprias graças e piadas. Quase sempre ganhava o público com seu charme arrasador e celebrava levando o oponente vencido ao pub mais próximo.

Nas palavras de Philip Yancey, Chesterton era um cristão que “Desatou sua mente em vez de contê-la, que combinavam um sabor de sofisticação com a humildade que ele não exigia dos outros e, acima de tudo, que havia experimentado a vida com Deus como uma fonte de alegria, não de repressão [....]. Conseguia apresentar a fé cristã com mais humor, bom ânimo e força intelectual do que qualquer outro no século passado. Com o mesmo zelo de um soldado na defesa do último reduto, ele encarava feras como Shaw, H. G. Wells, Sigmund Freud, Karl Marx e qualquer outro que ousasse explicar o mundo sem considerar Deus e sua Encarnação". T. S. Eliot julgou que Chesterton "fez mais que qualquer de seus contemporâneos [....] para sustentar a existência desta minoria importante para o mundo moderno”.

Como se quisesse compensar-lhe da monstruosa corpulência que levantou sobre seus pés, o Criador dotou o cérebro de Chesterton com o mais ágil, flexível e agudo entendimento que nenhum outro de seus contemporâneos possuiu. C. S. Lewis, o maior apologeta do século XX, em sua autobiografia, diz que Chesterton “era mais sensato que todos os outros modernos juntos, [....] seu humor é do tipo que mais me agrada – não piadas incrustadas na página como passas num bolo, e menos ainda (o que nem consigo suportar) um tom genérico de irreverência e jocosidade; mas o humor que não é de modo nenhum separável do argumento, e sim (como diria Aristóteles) a ‘florescência’ na própria dialética. Como uma espada que brilha não porque o espadachim decide fazê-la brilhar, mas porque está lutando pela sua vida, e, portanto, movimentando-a agilmente”.

Escreveu mais de 4.000 artigos para jornais e mais de 100 livros e aproximadamente 200 contos, quase todos ditados para sua secretária Dorothy. Praticamente não precisava revisar o que havia criado.

A agudeza e mordacidade intelectual, que o transformava em um inimigo terrível, se uniam em sua imensa caridade, bondade e afetuosidade, que lhe convertia no mais doce dos amigos. De sua amizade, desfrutavam muitos daqueles com quem ele debatia em público. Shaw o definirá como “um ‘querubim gigantesco’, um menino disfarçado de adulto”.

Faleceu em 14 de junho de 1936 de insuficiência cardíaca. Suas últimas palavras foram dirigidas a sua esposa Frances (“Olá, carinho”) e a sua secretária Dorothy (“Olá, querida”) nos momentos em que acorda do coma em que estava. Termina a vida com a mesma alegria com que começou. Por uma estranha coincidência, na mesma hora em que falecia Gilbert Keith Chesterton, Bernard Shaw anunciava, em Newcastle, que não falaria mais em público. Com estes dois mosqueteiros, que tantas vezes mediram suas armas dialéticas, o espetáculo dos debates perdeu, na Inglaterra, seus dois mais hábeis, tenazes e fantásticos combatentes.

O mundo que perdeu Chesterton não avaliou a justa medida do que perdia. Agora, os que o encontram começam a se admirar com o que "descobriram".

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Anarquia

Chesterton

O anarquismo nos estimula a ser artistas criativos arro­jados e a não dar atenção alguma a leis e limites. Mas é impossível ser artista e não dar atenção a leis e limites. A arte é limitação; a essência de todos os quadros é a moldu­ra. Se você desenha uma girafa, deve desenhá-la de pesco­ço comprido. Se, dentro do seu método criativo arrojado, você se julgar livre para desenhar uma girafa de pescoço curto, de fato descobrirá que não está livre para desenhar uma girafa. No momento em que se entra no mundo dos fatos, entra-se no mundo dos limites. Pode-se libertar as coisas de leis externas ou acidentais, mas não das leis da sua própria natureza. Você pode, se quiser, libertar um ti­gre da jaula; mas não pode libertá-lo de suas listras. Não liberte o camelo do fardo de sua corcova: você o estaria libertando de ser um camelo. Não saia por aí feito um de­magogo, estimulando triângulos a libertar-se da prisão de seus três lados. Se um triângulo se libertar de seus três la­dos, sua vida chega a um desfecho lamentável.

A anarquia completa não apenas impos­sibilitaria a existência de qualquer disciplina ou fidelidade; também impossibilitaria qualquer divertimento.
Para dar um exemplo óbvio, não valeria a pena apostar se a aposta não criasse obrigações. A dissolução de todos os contratos não só destruiria a moralidade, mas também acabaria com as apostas. Ora, apostas e jogos dessa natu­reza são apenas formas atrofiadas e distorcidas do instinto original do homem por aventura e romance [....] E perigos, recompensas, puni­ções e realizações de uma aventura precisam ser reais, caso contrário a aventura é apenas um pesadelo incerto e cruel.

Se eu aposto, devo ser obrigado a pagar, ou então não existe poesia na aposta. Se eu desafio, devo ser obrigado a lutar, ou não haveria poesia no desafio. Se eu prometo fi­delidade, devo ser amaldiçoado quando sou infiel, caso contrário não há graça na promessa. Não se poderia criar nem um conto de fadas a partir das experiências de um homem que, quando fosse engolido por uma baleia, pu­desse ir parar no alto da Torre Eiffel, ou quando fosse transformado num sapo, pudesse comportar-se como um flamingo.

Até mesmo para os propósitos do romance mais maluco os resultados precisam ser reais; os resultados precisam ser irrevogáveis. O casamento cristão é o grande exemplo de um resultado real e irrevogável; e é por isso que ele é o prin­cipal assunto e centro de todos os textos românticos. E este é o meu último exemplo das coisas que eu exigiria, e exigiria de modo imperativo, de qualquer paraíso social; eu exigi­ria ser obrigado a cumprir o meu contrato, a levar a sério os meus juramentos e compromissos...

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Nosso modo de viver

"Uma busca contínua pelas razões abstratas das coisas, um questionamento perpétuo de tudo que os homens têm como certo, cinqüenta anos ruminando sobre a ignorância inevitável e um constante olhar atento sobre o mundo obscuro da ciência e da vida diária – é esse o melhor modo de vida para temperamentos como os nossos?"
C. S. Lewis

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Dá pra entender?

Eu: Então você é uma daquelas pessoas que acredita que a verdade é relativa?
Fulano: Sim.
Eu: Você tem certeza disso?
Fulano: Absoluta.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

A intolerância dos tolerantes

Ontem estive na Universidade Estadual do Ceará a fim de encadernar um material que imprimi. Lá, encontrei um amigo no bloco do curso de História. Conversa vai, conversa vem, estávamos falando sobre alguns campos de interesse. Sob um bate-papo descontraído, lembro-me que ele estava contrapondo a situação atual do mundo com uma outra situação utópica, que estaríamos, caso o socialismo estivesse prosperado. Foi quando fiz a seguinte observação: "Acontece, amigo, que não há como prosperar saudavelmente no socialismo, se é que, pelo menos, se pode prosperar nele". Ele olhou para os lados, meio que assustado e me disse: "Fala baixo!" e sorriu. Em seguida, continuou: "Eu estaria disposto a ouvir suas razões contra o socialismo, mas muitos daqui, não!" e sorriu novamente.

No mesmo momento, lembrei-me de outra situação em que estive numa sorveteria que fica em um bairro universitário daqui de Fortaleza. Um lugar conhecido como "liberal", desses lugares onde a união entre pessoas do mesmo sexo é algo comum, onde se vê, constantemente, rodas de violão, gaitas "cigarros" e vinho, onde as pessoas se dizem livres de preconceito. Após boas risadas por causa de uma "criatura" espalhafatosa que entrou na sorveteria, um colega que estava comigo perguntou o que eu achava da questão levantada pela ciência a respeito de o homossexualismo ser de causa genética. Eu respondi que, talvez, genética deve ser essa mania dos cientistas quererem isentar os problemas humanos através de um "fatalismo". Enquanto eu falava, ele tentava me dizer algo olhando para os lados, com um sorriso meio desconcertado. Havia um casal de meninas na mesa vizinha e, na outra, havia uma turma de cinco rapazes afeminados. Alguns deles já me olhavam com certo desdém.

E outra vez, sem motivo aparente me veio à mente que, há uma semana, uma crítica a Nietzsche, numa livraria em que eu estava, custou-me o desrespeito de dois filósofos que eu acabara de conhecer.

A ligação entre essas três ocasiões veio como um raio na minha cabeça. Ocorreram todas em um intervalo de pouco mais de um mês, mas convergiram, na minha mente, para um mesmo ponto em comum, quando fui advertido pelo meu amigo da Universidade Estadual do Ceará.

O ponto em comum a que me refiro é que todas aquelas pessoas que, de certa forma, me censuraram, são as mesmas que se dizem tolerantes, liberais, livres-pensadores e “mentes abertas”. No entanto, os defensores da tolerância não pareceram muito tolerantes. Seus livres-pensamentos não aceitavam a minha liberdade. Suas mentes abertas se fechavam diante de uma opinião sincera, que conflitava com a deles. Os liberais mostravam-se conservadores.

Os que defendiam que devemos aceitar todas as diferenças não aceitavam que se pensasse diferente. Ironicamente a liberdade de expressão deles significava que não se pode tocar em certos assuntos. Em última análise, parece-me que a busca por esse tipo de liberdade nos priva de sermos livres.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

O livro e a imaginação

Jorge Borges

Dos diversos instrumentos do homem, o mais assombroso é, indubitavelmente, o livro. Os outros são extensões do seu corpo. O microscópio e o telescópio são extensões da vista; o telefone é o prolongamento da voz; seguem-se o arado e a espada, extensões do seu braço. Mas o livro é outra coisa: o livro é uma extensão da memória e da imaginação. Em «César e Cleópatra» de Shaw, quando se fala da biblioteca de Alexandria, diz-se que ela é a memória da humanidade. O livro é isso e também algo mais: a imaginação. Pois o que é o nosso passado senão uma série de sonhos? Que diferença pode haver entre recordar sonhos e recordar o passado? Tal é a função que o livro realiza.

(...) Se lemos um livro antigo, é como se lêssemos todo o tempo que transcorreu até nós desde o dia em que ele foi escrito. Por isso convém manter o culto do livro. O livro pode estar cheio de coisas erradas, podemos não estar de acordo com as opiniões do autor, mas mesmo assim conserva alguma coisa de sagrado, algo de divino, não para ser objecto de respeito supersticioso, mas para que o abordemos com o desejo de encontrar felicidade, de encontrar sabedoria.

A evolução de uma idéia


"Se um homem atravessasse o Paraíso em um sonho e lhe desse uma flor como prova de que havia estado ali, e se ao despertar encontrasse essa flor em sua mão... o quê pensar?"
S. T. Coleridge

Enquanto os Homens Morrerem, a Liberdade não Perecerá


Queremos todos ajudar-nos uns aos outros. Os seres humanos são assim. Queremos viver a felicidade dos outros e não a sua infelicidade. Não queremos odiar nem desprezar ninguém. Neste mundo há lugar para toda a gente. E a boa terra é rica e pode prover às necessidades de todos. O caminho da vida pode ser livre e belo, mas desviámo-nos do caminho. A cupidez envenenou a alma humana, ergueu no mundo barreiras de ódio, fez-nos marchar a passo de ganso para a desgraça e a carnificina. Descobrimos a velocidade, mas prendemo-nos demasiado a ela. A máquina que produz a abundância empobreceu-nos. A nossa ciência tornou-nos cínicos; a nossa inteligência, cruéis e impiedosos. Pensamos de mais e sentimos de menos. Precisamos mais de humanidade que de máquinas. Se temos necessidade de inteligência, temos ainda mais necessidade de bondade e doçura. Sem estas qualidades, a vida será violenta e tudo estará perdido.

O avião e a rádio aproximaram-nos. A própria natureza destes inventos é um apelo à fraternidade universal, à união de todos. Neste momento, a minha voz alcança milhões de pessoas através do mundo, milhões de homens sem esperança, de mulheres, de crianças, vítimas dum sistema que leva os homens a torturar e a prender pessoas inocentes. Àqueles que podem ouvir-me, digo: Não desesperem. A desgraça que nos oprime não provém senão da cupidez, do azedume dos homens que têm receio de ver a humanidade progredir. O ódio dos homens há-de passar, e os ditadores morrem, e o poder que tiraram ao povo, o povo retomá-lo-à. Enquanto os homens morrerem, a liberdade não perecerá.

Charles Chaplin, in 'Discurso final de «O Grande Ditador

Contra-argumentando um cético



Para responder ao cético arrogante, não adianta insistir que deixe de duvidar. É melhor estimulá-lo a continuar a duvidar, para duvidar um pouco mais, para duvidar cada dia mais das coisas novas e loucas do universo, até que, enfim, por alguma estranha iluminação, ele venha a duvi­dar de si próprio.
Chesterton

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Algumas Idéias sobre os Livros e a Leitura

A. W. Tozer

Um dos grandes problemas em muitas partes do mundo con­temporâneo é aprender a ler, e em outras é descobrir o que ler depois de ter aprendido. Em nosso ocidente favorecido somos esma­gados sob o peso do material impresso, e o problema para nós se torna então o da escolha do que ler. Devemos também decidir o que não ler.

Há quase um século, Emerson declarou que se o homem pudesse começar a ler no dia em que nasce e continuasse lendo sem inter­rupção durante setenta anos, no final desse período teria lido um número de livros suficiente apenas para preencher um pequeno nicho na Biblioteca Britânica. A vida é tão curta e os livros de que podemos dispor são tantos que ninguém pode vir a conhecer mais que uma fração de um por cento dos livros publicados.

Não é preciso dizer que a maioria de nós não sabe escolher o material de leitura. Fico às vezes imaginando quantos metros quadrados de material impresso passa à frente dos olhos do homem civilizado comum no espaço de um ano. Com certeza chega a muitos acres, e temo que nosso leitor mediano não colha uma grande colheita de seus acres. O melhor conselho que ouvi neste sentido foi dado por um ministro metodista: "Leia sempre o seu jornal de pé". Henry David Thoreau também tinha um baixo conceito da imprensa diária. Pouco antes de deixar a cidade para a sua agora famosa permanência às margens do Lago Walden, um amigo lhe perguntou se gostaria que o jornal fosse entregue em sua casa de campo. "Não", replicou Thoreau, "já vi um jornal".

Em nossa leitura séria somos provavelmente bastante influen­ciados pela idéia de que o principal valor de um livro é informar; e se estivermos falando de livros didáticos, então isso será natural­mente verdade, mas quando nos referimos a livros, seja em conversa ou por escrito, não temos em mente esse tipo de leitura.

O melhor livro não é aquele que simplesmente informa, mas o que estimula o leitor a informar-se. O melhor escritor é o que nos acompanha através do mundo das idéias como um guia amigo que anda a nosso lado pela floresta indicando-nos uma centena de prodígios naturais que não tínhamos notado antes. Aprendemos então com ele a ver por nós mesmos e logo não mais necessitamos de um guia. Se ele tiver feito bem o seu trabalho, podemos continuar sozinhos sem perder quase nada de interessante no caminho.

O autor que nos ajuda mais é aquele que traz à nossa atenção pensamentos que estão pairando em nossa mente, à espera de serem reconhecidos como nossos. Tal pessoa faz o papel de uma parteira, assistindo ao nascimento das idéias que se achavam em gestação há muito tempo em nossa alma, mas que sem esse auxílio talvez não viessem a nascer jamais.

São poucas as emoções que nos satisfazem tanto quanto a alegria proveniente do ato de reconhecimento, quando vemos e identificamos os nossos próprios pensamentos. Todos tivemos mestres que pro­curaram educar-nos introduzindo idéias estranhas em nossa mente, idéias com as quais não sentíamos qualquer afinidade espiritual ou intelectual. Tentamos integrar essas noções no conjunto de nossa filo­sofia espiritual, mas sempre sem qualquer resultado.

Num sentido muito real homem algum pode ensinar outro; mas apenas ajudá-lo a ensinar-se a si mesmo. Os fatos podem ser trans­feridos de uma para outra mente, da mesma forma que uma cópia é feita passando o conteúdo da fita original para um gravador. His­tória, ciência e até mesmo teologia podem ser ensinadas desta forma, mas isso resulta num tipo de aprendizado bastante artificial e raras vezes influencia positivamente a vida do aluno num sentido mais profundo. O que o aprendiz contribui para o processo de aprendizado é tão importante quanto tudo que o professor possa contribuir. Se o aluno não participar com nada os resultados serão nulos; o mais que se pode esperar é a criação artificial de um outro professor, imitação do primeiro, que irá repetir em mais alguém o mesmo processo fatigante, ad infinitum.
A percepção das idéias em lugar da estocagem das mesmas deve ser o alvo da educação. A mente deve ser um olho que vê em lugar de um recipiente ou depósito de fatos.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

A Filosofia para a Sala-de-Aula


O que o homem moderno precisa compreender é simplesmente que toda a argumentação começa com uma afirmação ponto-de-partida; isto é, com algo de que não se duvida. Pode-se, é claro, duvidar da afirmação base, mas, nesse caso, já estaria dando início a outra argumentação diferente, propondo que se parta de outra suposição. Todo argumento inicia por um dogma infalível, e esse dogma absoluto, por sua vez, só pode ser discutido, se recorrermos a outro dogma infalível: nunca se pode provar o primeiro ponto-de-partida (senão não seria ponto-de-partida).

Este é o be-a-bá do raciocínio lógico. E tem esta vantagem especial de que pode ser ensinado na escola, como qualquer outro be-a-bá. Não dar início a qualquer discussão sem antes declarar abertamente os postulados de cada um, é uma regra a ser ensinada tanto na filosofia, quanto na matemática de Euclides, ou em qualquer aula comum, usando giz e lousa. E penso que esse princípio poderia ser ensinado de forma simples e racional até mesmo ao jovem, antes de aventurar-se pelo mundo, à mercê da “lógica” e da filosofia imposta pela mídia.

Muitas das desorientações e dúvidas no campo religioso, surgem pelo fato de os céticos de hoje começarem sempre, falando sobre tudo aquilo em que eles não acreditam. Mas, mesmo de um cético, o que queremos saber primeiro é em que ele realmente acredita. Antes de começar a discutir, é preciso saber o que é que não se discute. Essa confusão aumenta infinitamente pelo fato de que todos os céticos de nosso tempo são céticos em diferentes graus dessa dissolução que é o ceticismo.

Agora, nós temos (espero), uma vantagem sobre todos esses novos filósofos sabidos: mantemo-nos em sã consciência. Acreditamos que existe, de fato, a catedral de São Paulo; e grande parte de nós acredita em São Paulo. É preciso deixar bem claro que acreditamos em muitas coisas que, embora façam parte de nossa existência, não podem ser demonstradas. Nem é preciso meter religião na história. Diria até que todos os homens de bom senso, acreditam firme e invariavelmente em umas quantas coisas que não foram provadas e que nem sequer podem ser provadas.

De forma resumida, são elas:

(1) todo ser humano em sã consciência acredita que o mundo e as pessoas ao redor dele são reais e não um produto da sua imaginação ou de um sonho. Ninguém começa a incendiar Londres, se está convencido de que seu criado logo o acordará para o café da manhã. Mas não temos provas, em nenhum momento, de que tudo não passa de um sonho. Que algo exista além de mim é uma afirmação que não está comprovada (nem se pode comprovar…).

(2) Todo homem em sã consciência, acredita não somente que este mundo existe, mas também que ele tem importância. Todo homem acredita que há, em nós, um tipo de obrigação de nos interessarmos por esta visão da vida. Não concordaria com alguém que dissesse, “Eu não escolhi esta farsa e ela me aborrece. Fiquei sabendo que uma senhora idosa está sendo assassinada no andar de baixo, mas eu vou é dormir “. O fato de que há um dever de melhorar coisas não feitas por nós é algo que não foi provado e não se pode provar.

(3) Todos os homens em sã consciência acreditam que existe uma certa coisa chamada eu, self ou ego e que é contínua. Não há nenhum centímetro de meu cérebro igual ao que era há dez anos atrás. Mas se eu salvei a vida de um homem numa batalha há dez anos atrás, fico orgulhoso; se me acovardei, sinto-me envergonhado. A existência desse “eu” axial nunca foi comprovada e não pode ser comprovada. Trata-se de uma questão mais do que “improvável” e que é muito debatida entre os metafísicos.

(4) Finalmente, a maioria dos homens em sã consciência acredita, e todos o admitem na prática, que têm um poder de escolha e responsabilidade por suas ações.
Seguramente é possível elaborar algumas afirmações simples como as acima, para que as pessoas possam saber a que se ater. E se os jovens do futuro não vão ter formação em religião, pode-se-lhes ensinar, pelo menos, de forma clara e firme, um pouco de bom senso, três ou quatro certezas do pensamento humano livre.


G.K. Chesterton (Daily News, 22 de junho de 1907)

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Homenagem aos bons livros


Decidi fazer uma homenagem aos bons livros, através de aforismos diversos por mim selecionados e com os quais, de certa forma, coaduno.


"Há tantos livros, mas há tão pouco tempo."
Frank Zappa

"Eu sempre imaginei que o paraíso deve ser algum tipo de biblioteca."
Jorge Borges

"Em uma boa biblioteca, você sente, de alguma forma misteriosa, que você está absorvendo, através da pele, a sabedoria contida em todos aqueles livros, mesmo sem abrí-los."
Mark Twain

"Contos de fada são mais do que a verdade. Não porque eles nos dizem que dragões existem, mas porque eles nos dizem que dragões podem ser derrotados."
Neil Gaiman

"Os livros servem para mostrar para um homem que aqueles seus “pensamentos originais”, não são tão novos assim, afinal."
Abraham Lincoln

"Uma casa sem livros é como uma sala sem janelas."
Heinrich Mann

"O pior dos novos livros é que eles nos impedem de ler os antigos."
Joseph Joubert

"Um clássico é um livro que nunca termina de dizer o que tem para dizer."
Italo Calvino

"Muitos homens iniciaram uma nova era na sua vida a partir da leitura de um livro."
Henry Thoreau

"O livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive."
Antônio Vieira

"Coragem... pequeno soldado do imenso exército. Os teus livros são as tuas armas..."
Edmondo Amicis

"A cultura valeu-se principalmente dos livros que fizeram os editores ter prejuízo."
Thomas Fuller

"Os livros podem ser divididos em dois grupos: aqueles do momento e aqueles de sempre."
John Ruskin

"Como é conveniente e agradável o mundo dos livros! - se não se atribuir a ele as obrigações de um estudante, nem considerá-lo um sedativo para a preguiça, mas entrar nele com o entusiasmo de um aventureiro!"
D. Grayson

"Não importa a quantidade de livros que tens, mas a sua qualidade."
Seneca

"Nunca leio um livro antes de o analisar: a leitura influencia negativamente."
Sydney Smith

"É bom ter livros de citações. Gravadas na memória, elas inspiram-nos bons pensamentos."
Winston Churchill

"O livro é uma extensão da memória e da imaginação."
Jorge Borges

"A leitura de todos os bons livros é uma conversação com as mais honestas pessoas dos séculos passados."
Descartes

"Não há melhor fragata do que um livro para nos levar a terras distantes."
Emily Dickinson

"Caminhais em direcção da solidão. Eu, não, eu tenho os livros."
Marguerite Duras

"Só se devem ler livros escritos há mais de cem anos."
Jorge Borges

"A enorme quantidade de livros que circulam por aí está a deixar-nos completamente ignorantes."
Voltaire

"É menor pecado elogiar um mau livro sem o ler, do que depois de o ter lido. Por isso, agradeço imediatamente depois de receber o volume."
Drummond

"As grandes livrarias são monumentos da ignorância humana. Bem poucos seriam os livros se contivessem somente verdades. Os erros dos homens abastecem as estantes."
Marquês Maricá

"Na verdade um livro que não merece ser lido duas vezes não é digno de ser lido nem uma vez."
Jean Paul

"Um livro é como um espelho: quando é um macaco que se olha nele, não pode ver reflectido nenhum apóstolo."
Georg Lichtenberg

"O mal que podem fazer os maus livros só é corrigido pelos bons; os inconvenientes das luzes são evitados por luzes de um grau mais elevado."
Stael

"Se amo alguns livros são aqueles em que sinto que o seu autor, que pode ter morrido séculos antes de eu ter sido engendrado, se dirigia a mim, a mim pessoal e concretamente, a mim em confidência."
Miguel Unamuno

"Livro, quando te fecho, abro a vida."
Pablo Neruda

"Pela grossura da camada de pó que cobre a lombada dos livros de uma biblioteca pública pode medir-se a cultura de um povo."
John Steinbeck

"Um bom livro é a substância de um espírito superior, recolhida e embalsamada para lhe sobreviver."
John Milton

"Passa-se com os livros como com os homens, um pequeno número representa um grande papel; o resto confunde-se com a multidão."
Voltaire

"Há três tipos de livros: os que ajudam a pensar, os que ajudam a não pensar e os que só ajudam a gastar mal o dinheiro."
Noel Clarasó

"Um bom livro é um legado precioso que o autor faz à humanidade."
Joseph Addison

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Filosofar

Para quem não quer confundir rigor com rigidez, é fértil considerar que a filosofia não é somente uma exclusividade desse competente e titulado técnico chamado filósofo. Nem sempre ela se apresentou em público revestida de trajes acadêmicos, cultivada em viveiros protetores contra o perigo da reflexão...
O filosofar, desde a Antigüidade, tem acontecido na forma de fragmentos, poemas, diálogos, cartas, ensaios, confissões, meditações, paródias e peripatéticos passeios...
Rubens Rodrigues Torres Filho

O engano dos best-selleres


Samuel Johnson em 1765 dizia que “os defeitos de um escritor de reconhecida excelência são mais perigosos, porque a influência de seu exemplo é mais ampla, e o interesse da erudição exige que sejam descobertos e apontados antes que lhes seja conferida a sanção da antiguidade e se tornem precedentes de autoridade inquestionável”[1].
Hoje, porém, com as mesmas proporções causadas pelos erros de um “escritor de reconhecida excelência”, temos aqueles escritores que, apesar da falta de excelência, influenciam profundamente o público através da “patente”. Basta um Ph.D ou uma cátedra em Oxford, Harvard, Cambridge, etc, para que tudo o que ele disser seja tido como verdade[2]. Discordo das palavras de Stanislav Andreski, quando dizia que o “pensamento confuso leva a lugar nenhum e pode ser tolerado indefinidamente sem produzir nenhum impacto no mundo", pois as conseqüências do “pensamento confuso” de um moderno escritor Ph.D são incalculáveis, simplesmente pela confiabilidade que lhe é dada com base em seus títulos. Richard Dawkins, por exemplo, é um excelente zoólogo, mas um filósofo trapalhão. O perigo surge quando, sob suas credenciais de zoólogo, ele nos quer ensinar filosofia. Pensa-se que ali estão as letras de um zoólogo profissional, quando, na verdade, estamos lendo o filósofo amador.
Um outro perigo é a quantidade de livros vendidos. Milhões de livros vendidos não é critério de avaliação de um escritor, ainda mais se for escritor moderno, já que vivemos um declínio da cultura intelectual[3].
Não me cansarei nunca de citar Mortimer Adler quando diz que “livros têm ganhado o aplauso da crítica e uma extraordinária atenção popular na mesma proporção em que eles faltam com a verdade - quanto mais eles o fazem, melhor. Muitos leitores, e muito particularmente aqueles que escrevem resenhas na imprensa, empregam outros padrões de julgamento para exaltar ou condenar os livros que lêem - a novidade, o sensacionalismo, a sedução, a força e até mesmo o poder de confundir ou desorientar a mente, no lugar da verdade, da clareza e do poder de esclarecimento”[4].
Aquilo que se conhece há mais tempo foi mais examinado, foi mais bem compreendido e resistiu a um número maior de provas. Por isso, prefiro os antigos...
A perenidade torna-se uma categoria de valor por sua ação de filtragem.


[1] Samuel Johnson, Prefácio à Shakespeare.

[2] Ver, por exemplo, Alan Sokal, Imposturas Intelectuais.

[3] Ver, por exemplo Allan Bloom, O Declínio da Cultura Ocidental e Gigante e Anões.

[4] Mortimer Adler, Como ler um livro ou A arte de ler.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

O impostor

[Para as minhas irritações], a desculpa que surge de ime­diato em minha mente é que a provocação foi súbita e inesperada demais; fui pego com a guarda baixa, não tive tempo para me prevenir. Isso até pode servir como atenuante para aqueles atos particulares, que seriam mui­tíssimo piores se cometidos de forma deliberada e pre­meditada. Por outro lado, será que o que um homem faz quando é pego com a guarda baixa não é o melhor sinal de que tipo de homem ele é na realidade? Não é a verdade que sempre se evidencia quando o homem não tem tempo de vestir seu disfarce? Se existem ratos no porão, a melhor maneira de apanhá-los é entrando no local de sopetão. A entrada repentina não cria os ratos, apenas os impede de se esconder. Da mesma forma, a ra­pidez da provocação não faz de mim um homem mal-humorado; simplesmente mostra o quão mal-humora­do eu efetivamente sou. O porão está sempre cheio de ratos, mas, se chegamos fazendo barulho, eles têm tem­po de buscar um esconderijo antes de acendermos a luz. Pelo jeito, os ratos do ressentimento e da vingança mo­ram no porão da minha alma. Ora, esse porão não está ao alcance da minha vontade consciente. Posso contro­lar meus atos em certa medida, mas não tenho controle direto sobre meu temperamento. Se o que mais importa é o que somos, não o que faze­mos - se, com efeito, o que fazemos é importante sobretudo na medida em que revela o que somos -, a con­clusão inescapável a que chego é que a mudança mais urgente a que devo me submeter é uma mudança que meus esforços diretos e voluntários não podem realizar.
[...]
Depois dos primeiros passos na vida cristã, nos damos conta de que tudo o que realmente precisa mudar na alma só pode ser feito por Deus.
Lewis

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Relativismo

Uma espécie de teósofo me disse: "O bem e o mal, a verdade e a mentira, a loucura e a sanidade, são apenas aspectos do mesmo movimento ascendente do Universo". Já nessa época me ocorreu perguntar: "Supondo que não exista diferença entre o bem e o mal, ou entre a verdade e a mentira, qual é a diferença entre ascendente e descendente?".
Chesterton

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Citação

Os que odeiam o bem estão, às vezes, mais perto do que os que dele nada sabem e pensam que já o possuem.

Lewis

Conforme a moda

Na maioria das minhas discussões (pequenos debates informais), tenho terminado dizendo: “Você não está sendo honesto. Não está aceitando por puro preconceito”. Realmente, as pessoas não andam pensando muito no que acreditam. Na verdade, como dizemos, “acreditam por acreditar”, mas não sabem por que crêem naquilo. Pior de tudo é que mesmo que refutemos argumento por argumento, nosso ponto de vista não é aceito. Quantos de nós acreditamos que o homem veio de um chimpanzé, sem jamais termos lido sequer um livro sobre o assunto? Quantos de nós acreditamos na reencarnação sem saber nada sobre tal doutrina? Simplesmente somos influenciados...

Abri um dos meus livros do Lewis e, coincidência ou não, li o seguinte: “Nossas opiniões não foram adquiridas com honestidade. Simplesmente nos colocamos em contato com uma série de idéias e nela mergulhamos, por nos parecer moderna e bem-sucedida. Na faculdade, você sabe, começamos automaticamente a escrever o tipo de trabalho que obtinha boas notas e a repetir o tipo de discurso que ganhava aplauso.

É sempre assim. Quer-se estar na moda. Pensa-se conforme a televisão diz que deva pensar e faz-se conforme o best-seller do The New York Times aconselha fazer. Sem críticas, sem resistência, sem se perguntar se é o certo, sem se preocupar se é verdade. É viver por viver, como uma pena que vai pra onde o vento soprar.

Pascal dizia que podemos ter três objetivos principais em relação à verdade: "um, descobri-la quando a buscamos; dois, demonstrá-la quando a possuímos; e por último, discerni-la do falso quando a examinamos". A moda hoje é não ter objetivo algum com a verdade. Assim, quem não a busca, muito menos pode demonstrá-la e, por não examiná-la, não pode discerni-la do falso.

Excerto do Pequeno Príncipe

E eu compreendi que não podia suportar a idéia de nunca mais escutar esse riso. Ele era para mim como uma fonte no deserto.
[...]
- Ah! meu pedacinho de gente, meu amor, como eu gosto de ouvir esse riso!
- Pois é ele o meu presente ... será como a água...
- Que queres dizer?
- As pessoas têm estrelas que não são as mesmas.
Para uns, que viajam, as estrelas são guias. Para outros, elas não passam de pequenas luzes. Para outros, os sábios, são problemas. Para o meu negociante, eram ouro. Mas todas essas estrelas se calam. Tu, porém, terás estrelas como ninguém...
- Que queres dizer?
- Quando olhares o céu de noite, porque habitarei uma delas, porque numa delas estarei rindo, então será como se todas as estrelas te rissem! E tu terás estrelas que sabem rir!
E ele riu mais uma vez.
- E quando te houveres consolado (a gente sempre se consola), tu te sentirás contente por me teres conhecido. Tu serás sempre meu amigo. Terás vontade de rir comigo. E abrirás às vezes a janela à toa, por gosto ... E teus amigos ficarão espantados de ouvir-te rir olhando o céu. Tu explicarás então: "Sim, as estrelas, elas sempre me fazem rir!" E eles te julgarão maluco. Será uma peça que te prego ...
E riu de novo.
- Será como se eu te houvesse dado, em vez de estrelas, montões de guizos que riem ...
E riu de novo...
[...]
E nenhuma pessoa grande jamais compreenderá que isso tenha tanta importância!
Esta é, para mim, a mais bela paisagem do mundo, e também a mais triste. É a mesma da página precedente. Mas desenhei-a de novo para mostrá-la bem. Foi aqui que o principezinho apareceu na terra, e desapareceu depois. Olhem atentamente esta paisagem para que estejam certos de reconhecê-la, se viajarem um dia na África, através do deserto. E se acontecer passarem por ali, eu lhes suplico que não tenham pressa e que esperem um pouco bem debaixo da estrela! Se então um menino vem ao encontro de vocês, se ele ri, se tem cabelos de ouro, se não responde quando interrogam, adivinharão quem é. Então, por favor, não me deixem tão triste; escrevam-me depressa que ele voltou...
Antoine de Saint-Exupéry

Jesus é um mito?

Porque o mito continuaria a convencer as mentes mais brilhantes da história? Se houvesse um debate entre Paulo de Tarso, João, o evangelista, Justino, o Mártir, Clemente de Alexandria, João Damasceno, Orígenes, Agostinho, João Crisóstomo, Boécio, Erígena, Anselmo, Abelardo, Aquino, Bonaventura, Scotus, Ockham, Nicolas de Cusa, Cajetano, Lutero, Calvino, Kepler, Inácio de Loyola, Dante, da Vinci, Michelangelo, Descartes, Pascal, Leibniz, Berkeley, Copérnico, Newton, Kierkegaard, Newman, Pasteur, Jaspers, Marcel, Galileu, Tolstoi, Chesterton, Dostoievski, T.S. Eliot e C.S. Lewis, e pensadores ateus como Maquiavel, Hobbes, Renan, Freud, Darwin, Marx, La Mettrie, Skinner, Nietzsche, Sartre, Bertrand Russel, Ayer, Paine e a ACLU (American Civil Liberties Union), dificilmente este segundo grupo levaria vantagem.
Peter Kreeft

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

A lógica do livre-arbítrio

Quando compreendemos a questão do livre-arbítrio, vemos o quanto é tolo perguntar o que alguém certa vez me perguntou: "Por que Deus criou um ser de ma­téria tão corrompida, condenando-o ao erro?"
Quanto melhor for a matéria da qual for feita uma criatura - quanto mais ela for inteligente, forte e livre -, tanto me­lhor será ela quando tender para o certo, e tanto pior quando tender para o errado. Uma vaca não pode ser nem muito boa, nem muito má; um cachorro já pode ser um pouco melhor ou um pouco pior; uma criança pode ser ainda melhor ou pior; um homem comum, ainda melhor ou pior; um homem de gênio, melhor ou pior ainda; um espírito sobre-humano, melhor - ou pior — do que todos os demais.

Lewis

domingo, 31 de agosto de 2008

O amor é como nossa própria sombra


Tal como a sombra, o amor corre de quem o segue: foge, se o perseguis; se fugis, vos persegue.

Shakespeare

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

A sabedoria dos antigos (Prefiro os sebos às grandes livrarias)

Chesterton, acertadamente dizia que podemos encontrar todas as novas idéias em livros antigos, só que ali as encontraremos equilibradas, no lugar que lhes corresponde e, às vezes, com outras idéias melhores que as contradizem e as superam. Os grandes escritores não deixavam de lado uma moda porque não haviam pensado nela, mas porque haviam pensado também nas outras respostas. E mais, o que chamamos de idéias novas são, geralmente, fragmentos das velhas idéias. Não é que alguma idéia particular não tenha ocorrido aos antigos escritores. É que, simplesmente, eles encontraram muitas outras melhores para livrar-lhes da tolice.

Conhecer bons livros, muitas vezes, é uma questão de sorte (principalmente nessa época em que vivemos, com uma enxurrada de títulos que se nos oferecem). Porém, para quem, de alguma forma, conheceu um bom autor, o que se segue, aplicando-se o bom senso, é um "efeito dominó". Acontece da seguinte maneira: Conheci um bom livro de um autor A. Esse autor A cita um autor B, então compro livros do autor B. O autor B cita outro autor C. E assim sucessivamente. É uma corrente. Em pouco tempo, e algum dinheiro (sic), você estará com uma boa biblioteca.

Andei lendo alguns desses livros best-sellers que vemos em toda vitrine nas livrarias. Esses livros que nos oferece felicidade, dinheiro, amor perfeito e sucesso. É interessante como o assunto é tratado, falta leveza, falta estilo, falta conteúdo, enfim, falta tudo aquilo que compõe um bom livro. Em vez disso, temos “meia dúzia de máximas cínicas que estão longe de ser a expressão da verdade”. Se compararmos com algum "livro antigo", como Chesterton os chama, veremos a discrepância de idéias. Enquanto os antigos nos dizem uma verdade, os best-sellers, como os que eu li, nos ensinam o auto-engano, e pior ainda, sem nos dizer que aquilo é um auto-engano.

Mortimer Adler, nos anos 40, já denunciava:

Livros têm ganhado o aplauso da crítica e uma extraordinária atenção popular na mesma proporção em que eles faltam com a verdade - quanto mais eles o fazem, melhor. Muitos leitores, e muito particularmente aqueles que escrevem resenhas na imprensa, empregam outros padrões de julgamento para exaltar ou condenar os livros que lêem - a novidade, o sensacionalismo, a sedução, a força e até mesmo o poder de confundir ou desorientar a mente, no lugar da verdade, da clareza e do poder de esclarecimento.


Quer um exemplo? Em quase todos os best-sellers atuais de auto-ajuda que li, existe a mesma fórmula mágica da felicidade, que é a divinização do amor: “Siga a voz do coração! Faça o que o amor mandar”. Rebeldia, cujas conseqüências derivam dos desejos reprimidos dos quais Freud falava.

Por que os escritores antigos não descobriram essa fórmula mágica antes? Porém repito: não é que alguma idéia particular não tenha ocorrido aos antigos escritores. É que, simplesmente, eles encontraram muitas outras melhores para livrar-lhes da tolice.

Rougemont dizia que “o amor deixa de ser um demônio somente quando cessa de ser um deus” e Lewis completou dizendo que essa sentença pode naturalmente ser apresentada de outra forma: “começa a ser um demônio no momento em que começa a ser um deus”.

E, ao contrário do difundido conselho de “siga a voz do coração”, Lewis escreve:

Todo amor humano, em seu apogeu, possui a tendência de reivindicar uma autoridade divina. Sua voz tende a soar como se fosse a vontade do próprio Deus. Ela nos diz para não contar o custo, exige de nós um compromisso total, tenta superar todas as outras reivindicações e insinua que todo ato feito sinceramente "por causa do amor" é, portanto, legal e até meritório.

[...]

É preciso notar que os amores naturais fazem esta reivindicação blasfema quando se acham em sua melhor e não em sua pior condição natural; quando são o que nossos avós chamavam de "puros" e "nobres". Isto se evidencia especialmente na esfera erótica. Uma paixão fiel e genuinamente sacrificial irá falar-nos com o que parece ser a voz de Deus.

[...]

É possível que dediquemos a nossos amores humanos a fidelidade devida apenas a Deus. Eles então se tornam deuses: então se tornam demônios. Irão assim destruir-nos e também destruir a si mesmos. Pois os amores naturais, quando lhes é permitido que se tornem deuses, não permanecem amores. Continuam recebendo esse nome, mas se transformam na verdade em formas complicadas de ódio.

[...]

Este tema, aliás, tem grandes conseqüências práticas. A coisa mais perigosa que podemos fazer é tomar um certo impulso de nossa natureza como critério a ser seguido custe o que custar. Não existe um único impulso que, erigido em padrão absoluto, não tenha o poder de nos transformar em demônios. Talvez você pense que o amor pela humanidade em geral é livre de perigos, mas isso não é verdade. Se deixarmos de lado o senso de justiça, logo estaremos violando acordos e falsificando provas judiciais em prol do 'bem da humanidade'. Teremos então nos tornado homens cruéis e desleais.

A prudência com que os bons escritores tratam dos assuntos é aquilo que os destacam. Tudo é ponderado, medido, pesado. Extraem-se as conclusões, contrapõe-nas aos possíveis questionamentos, argumenta-se a favor, dá-se o veredicto.

Seguindo o exemplo que dei de Lewis, notamos a ponderação e a prudência, ele mesmo nos diz, em outro lugar, que os erros são enviados sempre aos pares (pares de opostos). E sempre somos estimulados a desperdiçar um tempo precioso na tenta­tiva de adivinhar qual deles é o pior. Sabe por quê? Porque o fato de você abominar um deles leva-o aos poucos a cair no extremo oposto;

Assim, Lewis contrapõe a questão da divinização do amor com o desprezo do amor e chega a um meio termo.

Não existe um investimento seguro. Amar é ser vulnerável. Ame qualquer coisa e eu coração irá certamente ser espremido e possivelmente partido. Se quiser ter a certeza de mantê-lo intacto, não deve dá-lo a ninguém, nem mesmo a um animal. Envolva-o cuidadosamente em passatempos e pequenos confortos, evite todos os envolvimentos, feche-o com segurança no esquife ou no caixão do seu egoísmo. Mas nesse esquife - seguro, sombrio, imóvel, sufocante - ele irá mudar. Não será quebrado, mas vai tornar-se inquebrável, impenetrável, irredimível.

[...]

O único lugar fora do céu onde você pode manter-se perfeitamente seguro contra todos os perigos e perturbações do amor é o inferno.

Acredito que os amores mais fora-da-lei e imoderados são menos contrários à vontade de Deus do que uma falta de amor auto-provocada e auto-protetora.

[...]

Continua sendo verdade que todos os amores naturais podem ser imoderados. Imoderado não significa "insuficientemente cauteloso", nem "excessivo". Não se trata de um termo quantitativo. E provavelmente impossível amar qualquer ser humano simplesmente “demasiado”. Podemos amá-lo demais em proporção ao nosso amor a Deus; mas é a insignificância de nosso amor por Deus e não a grandeza de nosso amor pelo homem que constitui o excesso, embora mesmo isto precise ser aperfeiçoado.

[...]

A verdadeira pergunta é a quem você serve, ou prefere, ou coloca em primeiro lugar (quando surge a necessidade de fazer uma opção)? A sua vontade cede, em análise final, a qual das duas exigências?

[...]

O melhor amor de um ou outro tipo não é cego. [...] Se “tudo” - realmente tudo - “pelo amor” estiver implícito na atitude do ser amado, o amor dele ou dela não vale a pena de ser alcançado, pois não se relaciona da maneira certa com o próprio Amor.

Vou ficando por aqui. E espero que esse pequeno exemplo sirva para expressar por que prefiro os sebos às grandes livrarias.

PS: Nas grandes livrarias, quase sempre, não me agrada a estante dos “Mais Vendidos”.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Elogio e Desprezo x Descrição e Definição

A mente humana tem no geral mais inclinação para elogiar e desprezar do que para descrever e definir. Ela quer fazer de toda diferença uma distinção em valor; surgem então aqueles críticos fatais que nunca conseguem indicar a qualidade divergente de dois poetas sem colocá-los em ordem de preferência como se fossem candidatos a um prêmio.
Lewis

terça-feira, 5 de agosto de 2008

A falácia do tempo



Existe uma idéia falaciosa, que toma conta dos adeptos do evolucionismo. Para eles, o tempo resolve quaisquer questionamentos a respeito da teoria. Se determinada explicação do desenvolvimento e transformação de um ser não pode ser vista, insere-se a variável “tempo” e tudo fica resolvido: “Não vemos essa transformação, porque ela se desenvolve em bilhões de anos”. Se as condições atuais não são favoráveis para que ocorra determinada transformação, novamente o “tempo” vem calar essas indagações: “Há milhões de anos, as condições eram favoráveis”. Isso tudo se diz com a convicção de quem esteve presente em cada segundo desses períodos. Na verdade, atribuem ao tempo o que os cristãos atribuem a Deus, como se a velocidade amenizasse a idéia de impossibilidade dos acontecimentos. Ora, não interessa se esses acontecimentos ocorrem num piscar de olhos, como acreditamos ser possível, nos milagres de Deus, ou se em bilhões de anos, pois em ambos temos que acreditar num agente que não podemos verificar empiricamente, isto é, ambos exigem fé. De outra forma, como os evolucionistas poderiam acreditar na evolução se não tivesse fé de que "a formação inicial de organismos desconhecidos a partir de produtos químicos desconhecidos, numa atmosfera ou oceano de composição desconhecida, sob condições desconhecidas, cujos organismos subiram então uma escada evolucionista desconhecida, mediante um processo desconhecido, deixando uma evidência desconhecida", fosse responsável por toda a vida que temos hoje no planeta?

Chesterton, com sua perspicácia de sempre, nos diz:

A palavra “evolução” parece ter certa tendência a substituir “explicação”... A noção de suavidade, de consolador, de gradativo e lento constitui uma grande parte da enorme ilusão. Digamos que se trata tanto de uma ilusão como de um absurdo.

A lentidão nada tem que ver nesta questão. Um fato não é mais ou menos inteligível, segundo a velocidade em que se executa. Para um homem que não acredita em milagres, um milagre lento será tão incrível quanto um outro imediato, fulminante. A feiticeira grega pôde transformar os marinheiros em porcos ao simples contato com sua varinha mágica. Porém, ver um marinheiro desses, nosso amigo, convertendo-se, paulatinamente, em porco, não seria, de certo, muito mais tranqüilizador.

Não obstante, o materialismo histórico parece não poder despregar-se desse erro que consiste em acreditar que uma dificuldade fica iludida explicando-a por meio de um lento decorrer do tempo. A questão se apóia na falsa sensação de facilidade que se produz pela mera sugestão de ir devagar.

Não se pode considerar resolvido o problema substituindo a mudança rápida das coisas por uma transformação lenta...

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

O "monstrinho" da ciência


Roy Abraham Varghese, fundador do Institute for Metascientific Research, uma vez disse: "O mundo moderno mal conhece a sensação de maravilha. Algum monstrinho roubou a mágica que nos fazia maravilhar e transformou o paraíso que chamamos de mundo em uma selva desolada."

Esse "monstrinho" responsável por roubar a emoção de maravilhar-se, segundo Varghese, é um bando de intelectuais aprisionados em abstrações vazias e ideologias irracionais. Eles são cegos para a glória e o mistério do mundo. Não conseguem ver a floresta do universo e atentam apenas para as árvores da teoria científica, esperimentação e descoberta.

[...]

É notável a tendência de todos os cientistas, mesmo os ateus, em atribuir todas as características que seriam de Deus à natureza. Eles normalmente atribuem vontade, inteligência, criatividade, propósito, poder e até senso de humor ao que é, em sua teoria, uma coisa acidental, impessoal, aleatória e, portanto, sem significado. Parece que eles não conseguem evitar trair suas próprias palavras e esconder o seu maravilhar-se, seu temor e seu respeito pela "natureza".

Trechos do documentário "Has Science Discovered God?"

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Antony Flew critica Dawkins


"'Deus, um delírio' escrito pelo ateu Richard Dawkins é notável, em primeiro lugar por ter conseguído uma espécie de recorde ao vender mais de um milhão de cópias. Mas o que é muito mais notável do que o sucesso económico é que o conteúdo - ou melhor, a falta de conteúdo - deste livro mostra que o próprio Dawkins tornou-se o que ele e seus colegas secularistas acreditam tipicamente ser uma impossibilidade: ou seja, um fundamentalista secular. (A minha cópia do Dicionário de Oxford define um fundamentalista como 'um obstinado ou um adepto intolerante de um ponto de vista')."

Antony Flew

terça-feira, 22 de julho de 2008

O peso de glória

"Cada pessoa pode pensar demais em seu potencial de glória; mas nunca será possível pensar na glória que também revestirá o seu próximo. O volume, o peso, o fardo de glória do meu próximo deve pesar sobre mim diariamente, o fardo tão pesado que só a humildade pode carregar, e os ossos do orgulho quebrar-se-ão. É muito sério viver numa sociedade constituída por possíveis deuses e deusas, lembrar que a mais desinteressante e estúpida das pessoas com quem falamos pode, um dia, vir a ser alguém que, se a víssemos agora, nos sentiríamos fortemente impelidos a adorar; ou (quem sabe?) a personificação do horror e da corrupção só vistos em pesadelos. Passamos o dia inteiro ajudando-nos uns aos outros a, de certo modo, encontrar um desses dois destinos. É à luz dessas possibilidades esmagadoras e com o devido temor e circunspeção que devemos orientar as nossas relações com os outros; toda amizade, todo amor, toda recreação, toda política. Não existe gente comum. Você nunca falou com um simples mortal. As nações, as culturas, as artes, as civilizações — essas são mortais, e a vida delas está para a nossa como a vida de um mosquito. Mas é com criaturas imortais que brincamos, trabalhamos ou casamos, e a elas que desdenhamos, censuramos ou exploramos — horrores imortais ou esplendores perenes. Não significa que devamos ser perpetuamente solenes. Precisamos divertir-nos. Mas nossa alegria deve ser aquela (aliás, a maior de todas) que existe entre pessoas que sempre se levaram a sério — sem leviandade, sem superioridade, sem presunção. E nossa caridade deve ser um amor autêntico e precioso que se ressinta fortemente do pecado, mas ame o pecador... "
Lewis

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Reflexão - C. S. Lewis

"Se o sistema solar veio a existir devido a uma colisão acidental, então, o aparecimento da vida orgânica neste planeta também foi acidental, e toda a evolução do homem foi acidental também. Se este é o caso, todos o nossos pensamentos presentes são meros acidentes - acidentes criados pelo movimento dos átomos. E isto é válido tanto para os pensamentos dos materialistas e astrônomos como para qualquer outra pessoa. Mas se os seus pensamentos - isto é, do materialista e do astrônomo - são meramente produtos acidentais, porque deveríamos crer que eles são verdadeiros? Eu não vejo razão para crer que um acidente possa dar a explicação correta do porquê de todos os demais acidentes."

Lewis

Progresso

"O Progresso deveria significar que estamos sempre querendo mudar o mundo para adaptar a uma visão definida. Hoje, porém, significa que estamos mudando constantemente de visão. Deveria significar que conseguimos devagar, mas de modo seguro, a justiça e a piedade entre os homens: significa na verdade que estamos prontos a duvidar se a justiça e a piedade são desejáveis; uma página louca de um sofista prussiano qualquer faz os homens duvidarem. [...]

Não modificamos o real para o adaptar ao Ideal, modificamos o Ideal: é mais fácil.

Exemplos vulgares são sempre mais simples. Suponhamos que um homem queira um certo mundo, digamos um mundo azul. Não teria nenhuma razão de se queixar da lentidão ou rapidez da tarefa; poderia se fatigar nessa transformação, poderia se esgotar até que tudo ficasse azul; passaria por aventuras heróicas, nos últimos retoques de azul sobre um tigre. Haveria sonhos fantásticos de um lugar azul... Mas se ele trabalhasse com afinco, esse reformador cheio de altas idéias deixaria, segundo seu ponto de vista, um mundo melhor e mais azul do que tinha encontrado.

Se cada dia ele pintasse uma folha de erva, avançaria lentamente. Mas se cada dia modificasse sua cor favorita, então não adiantaria absolutamente. Se, depois de ter lido um novo filósofo, ele se pusesse a pintar tudo de amarelo, então o seu trabalho estaria perdido: nada teria a mostrar senão aqui e ali algum tigre azul, lembrança desagradável de sua primitiva maneira [...]"
Chesterton

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"O progresso não significa apenas uma mudança, mas uma mudança para melhor. Se um conjunto de ideias morais não fosse melhor do que outro, não haveria sentido em preferir a moral civilizada à moral bárbara, ou a moral cristã à moral nazista. [...]

Todos nós queremos o progresso. Progredir, porém, é aproximarmo-nos do lugar aonde queremos chegar. Se você tomou o caminho errado, não vai chegar mais perto do objetivo se seguir em frente. Para quem está na estrada errada, progredir é dar meia-volta e retornar à direção correta; nesse caso, a pessoa que der meia-volta mais cedo será a mais avançada. Todos já tivemos essa experiência com as contas de aritmética. Quando erramos uma soma desde o início, sabemos que, quanto antes admitirmos o engano e voltarmos ao começo, tanto antes chegaremos à resposta correta. Não há nada de progressista em ser um cabeça-dura que se recusa a admitir o erro. Penso que, se examinarmos o estado atual do mundo, é bastante óbvio que a humanidade cometeu algum grande erro. Tomamos o caminho errado. Se assim for, devemos dar meia-volta. Voltar é o caminho mais rápido."
Lewis

sexta-feira, 11 de julho de 2008

O mundo como um conto de fadas

"... o verdadeiro cidadão do país das fadas obedece a algo que absolutamente não entende. No conto de fadas há uma felicidade incompreensível que se apóia numa condição incompreensível. Abre-se uma caixa, e todos os males saem voando. Esquece-se uma palavra, e cidades são destruídas. Acende-se uma lâmpada, e o amor voa embora. Colhe-se uma flor, e vidas humanas são perdidas. Come-se uma maçã, e a esperança de Deus desaparece...

Esse sentimento dos contos de fada também arraigou-se fundo em mim e tornou-se um sentimento em relação ao mundo inteiro. Eu sentia e sinto que a vida em si brilha como um diamante, mas é frágil como uma vidraça; e quando os céus eram comparados ao terrível cristal, eu ainda posso lembrar-me do calafrio. Tinha medo de que Deus deixasse o cosmos cair e ele se espatifasse.

Lembre-se, porém, que ser quebrável não é o mesmo que ser perecível. Golpeie um vidro, e ele não vai resistir um instante; simplesmente não o golpeie, e ele vai resistir mil anos. Assim me parecia que era a alegria do ser humano, no mundo das fadas ou na terra; a felicidade dependia de NÃO FAZER ALGO que você poderia fazer a qualquer momento e, muitas vezes, não era óbvio o motivo por que não deveria fazê-lo."
Chesterton

terça-feira, 8 de julho de 2008

Lewis e a argumentação



Imagine um conceito. Um conceito difícil de entender, obscuro, cheio de contradições e que ninguém se atreve a explicá-lo. E por causa dessa obscuridade, as pessoas tomem posições em relação a esse conceito baseadas em outras pessoas que dizem entendê-lo, mas que, nem de perto, haja um consenso sobre ele. Agora pegue-o, e, através de analogias, demonstre, de forma tão simples e clara que ele até poderia ser introduzido num livro para crianças, que as contradições desse conceito são só aparentes e, por isso, você agora pode tomar sua própria posição em relação a tal conceito. Eis uma argumentação lewisiana.
Agnon Fabiano

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Chesterton e a argumentação


Imagine um consenso, um consenso qualquer, vire-o de ponta-cabeça, e prove, com exemplos nunca antes imaginados, que esse modo inusitado é, na verdade, o modo correto de enxergá-lo. Eis uma argumentação chestertoniana.

A importância da leitura dos clássicos



Chamemos de “os clássicos”, a literatura universal que vai, mais ou menos, de Homero e Virgílio até Fielding e Dickens.

Por que lê-los? Creio que a importância de ler os clássicos não reside somente no grandioso estilo literário e na inspiração emotiva, senão pela visão equilibrada das idéias e da exposição de verdades mais completas. Os clássicos aguçam nossos sentidos contra as meias verdades e as idéias modernas tidas como inéditas e originais. Aprendi isso com Chesterton, que dizia que “na história da humanidade, aparecem de tempos em tempos, de maneira especial em épocas agitadas como a nossa, certas coisas, que no mundo antigo se chamavam heresias. No mundo moderno, chamam-se modas. Às vezes, são úteis durante certo tempo; outras são completamente nocivas. Porém, sempre se conciliam, graças a uma convergência indevida em torno de uma verdade, ou de uma meia verdade”. O herege, nesse caso, é uma analogia, é um empréstimo do vocabulário religioso e aplicado de forma mais abrangente. "O herege não é um homem que ama demasiadamente a verdade. O herege é um homem que ama sua verdade mais que a verdade mesma. Prefere as meias verdades que descobriu, à verdade completa que a humanidade tem encontrado. Ele não gosta de ver seus preciosos paradoxos misturados a vinte obviedades na trouxa da sabedoria universal".

O conhecimento dos clássicos nos faz identificar “heresias” da modernidade, é muito provável que uma idéia tida como original, se encontre dividida em todos os grandes livros de caráter mais clássico e imparcial. Podem-se encontrar todas as novas idéias em livros antigos, só que ali as encontraremos equilibradas, no lugar que lhes corresponde e, às vezes, com outras idéias melhores que as contradizem e as superam. Os grandes escritores não deixavam de lado uma moda porque não haviam pensado nela, mas porque haviam pensado também nas outras respostas.

Chesterton nos dá um exemplo disso. Nietzsche, como todos sabem, pregou uma doutrina que ele e seus seguidores aparentemente consideravam muito revolucionária; sustentaram que a moral altruísta comumente havia sido uma invenção de uma classe escrava para evitar que em tempos posteriores surgisse alguém que a sobrepujasse hostilmente. Os modernos, estando ou não de acordo com ele, sempre se referem a essa idéia como algo novo e jamais visto. Supõe-se que os grandes escritores, digamos Shakespeare, por exemplo, não sustentou essa idéia porque jamais havia pensado nela. Recorramos ao último ato de Ricardo III de Shakespeare e encontraremos não só tudo o que Nietzsche tinha a dizer, resumido em duas linhas, mas também as mesmas palavras de Nietzsche. Ricardo o corcunda, disse:

Consciência é só uma palavra que usam os covardes,
Criada, a princípio, para infundir terror aos fortes.


O fato é evidente. Shakespeare havia pensado no que Nietzsche pensou, porém o deu seu próprio valor e pôs no lugar que lhe corresponde. Este lugar é a boca de um corcunda meio louco nas vésperas da derrota. Essa raiva contra os debilitados só é possível em um homem valente, porém fundamentalmente enfermo; um homem como Ricardo, um homem com Nietzsche. Podemos ver um exemplo, dentre vários, da falsa idéia de que estas filosofias são modernas no sentido de que os grandes homens do passado não pensaram nelas. Não se trata de Shakespeare não ter visto a idéia de Nietzsche; ele a viu, porém viu muito além dela.

O que chamamos de idéias novas são, geralmente, fragmentos das velhas idéias. Não é que uma idéia particular não tenha ocorrido a Shakespeare. É que, simplesmente, ele encontrou muitas outras para livrar-lhe da tolice.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

A vantagem de ser bobo


O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir tocar no mundo.

O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo, estou pensando."

Ser bobo às vezes oferece um “mundo de saídas” porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a idéia.

O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os vêem como simples pessoas humanas.

... a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar e, portanto, estar tranqüilo. Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado.

O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu.

O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos. Os espertos ganham dos outros. Em compensação, os bobos ganham a vida.

Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sabem.

É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.


Clarice Lispector

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Orgulho de ser humilde

Esse é um trecho de uma carta do Diabo respondendo à correspondência de seu aprendiz e sobrinho e ensinando-o como ele deve agir no seu labor diário de enganar o homem.

"Seu paciente tem se tornado humilde, não é? Você tem conseguido chamar a atenção dele para este aspecto? Todas as virtudes são menos formidáveis assim que o homem percebe que as têm, mas isto é especialmente marcante com relação à humildade! Surpreenda-o num momento em que estiver mergulhado na mais profunda pobreza de espírito e contrabandeie sua atenção para um pensamento da linha "Uau! Mas não é que estou mesmo me tornando humilde?" Você observará quase imediatamente a aparição de uma vaidade - a vaidade pelo fato de ser humilde. Se ele se tocar quanto ao perigo e tentar abafar esta nova forma de orgulho, faça-o orgulhoso por ter conseguido, e assim por diante, em quantos degraus que você considere necessário. Mas não mantenha este jogo por muito tempo, claro, pois isso poderia despertar o senso de humor dele e seu senso de proporção. Se isso ocorrer, ele simplesmente dará risada na sua cara e irá tranqüilamente para a cama".

Lewis