“Contenham esse avanço... Façam qualquer coisa, por menor que seja... Mantenham aberta ainda que seja uma só porta dentre cem, pois conquanto que tenhamos pelo menos uma porta aberta, não estaremos numa prisão.”
(G.K.C)

terça-feira, 28 de julho de 2009

A felicidade depende das proporções

Chesterton

Se nossa vida realmente quiser ser bela como um conto de fadas, devemos nos lembrar de que toda a beleza de um conto de fadas está no seguinte: que o príncipe tem um espanto que quase chega a ser medo. Se ele temer o gigante, será o seu fim; mas também se ele não se sentir atônito diante do gigante, será o fim do conto de fadas. A questão toda depende de ele ser ao mesmo tempo suficientemente humilde para espantar-se e suficientemente orgulhoso para desafiar.

Assim, nossa atitude com o gigante do mundo não deve simplesmente ser de crescente delicadeza ou de crescente desprezo; deve haver uma determinada proporção das duas coisas — que esteja exatamente certa. Devemos ter em nós reverência suficiente por todas as coisas fora de nós a ponto de pisar a grama com cuidado. Devemos também ter desprezo suficiente por todas as coisas fora de nós a ponto de, na ocasião devida, cuspir nas estrelas. Mas, essas duas coisas (se quisermos ser bons e felizes) devem ser combinadas, não de qualquer modo, mas numa determinada combinação.

A perfeita felicidade dos homens sobre a terra (se ela um dia acontecer) não será uma coisa plana e sólida, como a satisfação dos animais. Será um equilíbrio exato e perigoso; como o equilíbrio de um romance desesperado. O homem precisa ter a medida exata e suficiente de fé em si mesmo para ter aventuras; e ter a medida exata e suficiente de dúvida de si mesmo para desfrutá-las.

A origem dos grandes erros filosóficos

Mário Ferreira dos Santos (1)

É inegavelmente de grande perplexidade a emoção que invade o homem moderno, quando perpassa os olhos pelas idéias que nos dois últimos séculos dominaram o campo da criação e do pensamento humanos.

É espantoso, sem dúvida, o número imenso de sistemas, de escolas de filosofia, de doutrinas sociais, de hipóteses e mais hipóteses, que substituem umas às outras, numa sarabanda sem fim.
Se passarmos os olhos pelas diversas épocas, verificaremos desde logo que os que mais brilharam, os que receberam o afago dos elogios fáceis, os que empolgaram mais facilmente grupos imensos de admiradores não foram os maiores de sua época, mas os menores, os que encontram um lugar inexpressivo na história do conhecimento humano.

Não é de espantar que, em Atenas, a democracia grega (que o era apenas de uma minoria de senhores e de uma maioria de escravos) condenasse Sócrates à morte, porque ele ensinara aos homens serem mais dignos, mais nobres e mais honestos? Não é de espantar que Platão permanecesse quase anônimo ante o seu povo, enquanto um Górgias, um Hipias brilhavam como luminares do saber?

E não se acusem os gregos desse defeito. Ele se repete sempre em toda a história humana. Não vimos em pleno século XVIII Hegel pontificar na Alemanha como filósofo absoluto, Krause, no fim do século passado, empolgar multidões de pensadores, Bergson brilhar no princípio deste com uma auréola que empalidecia os grandes luminares do passado, e modernamente um Sartre ser erguido às culminâncias, para em muito breve despencar-se, enquanto ainda há literatos da filosofia que ascendem um Russel, um Moritz aos pináculos do conhecimento?

Não vimos a tremenda propaganda que em nossos dias receberam vultos de medíocre valor, a ponto de serem considerados por muitos como definitivos marcos no caminho do saber, após os quais nada mais cabia para ser feito?

Quem passar os olhos pelo campo da ciência, e assiste essa enxurrada de hipóteses, que tombam, substituídas por outras que não resistem, para tombarem também, a ponto de num ano, haver tantas modificações no conhecimento científico, tantas REFUTAÇÕES, tantas substituições de teorias e hipóteses, que ninguém mais é capaz de acompanhá-las, verifica que os livros de divulgação científica tornam-se obsoletos em alguns meses.

Teorias que não resistem a uma estação são imediatamente abandonadas, depois de haverem sido saudadas como soluções definitivas.

Não é mister alongarmo-nos nos exemplos, porque são tantos e tão curiais, que não há quem não se amedronte ante a apavorante marcha do conhecimento humano, e não tem, por sua vez, que a doutrina que hoje segue como verdadeira não seja acoimada, amanhã, de erro, e abandonada afinal.

Mas o espantoso não é apenas este, porque se apenas assim acontecesse, poder-se-ia afirmar que tais fatos revelariam um desenvolvimento da capacidade humana, que tende cada vez mais para uma análise mais perfeita, tornando-se capaz de captar os erros das diversas posições, substituindo as doutrinas erradas por outras julgadas melhores, que, por sua vez penetre num campo de realizações extraordinárias, e possa alcançar afirmações definitivas.

Poder-se-ia, assim, afirmar que seria a revelação de uma saúde mental, de um vigor criador do homem: um sinal da evolução criadora do seu espírito.

Mas o que espanta é a ressurreição de velhos erros já refutados!

O que amedronta é ver antigas concepções, que foram derruídas pela análise e confutadas por rigorosas argumentações, retornarem como fantasmas, para preocuparem outra vez mentes desprovidas, a dos que desconhecem essas refutações, e se apresentarem, então, como NOVIDADES, como confecções perfeitíssimas, segundo o último modelo intelectual, provocando em mentes não devidamente a par do que já foi realizado, espasmos de satisfação, exaltações de gozo, como se fora atingida a quintessência das coisas.

Tal espetáculo é de causar dó.

Mas, por que tais coisas se dão? Por que retornam as mesmas idéias que os sofistas gregos haviam espalhado, e que receberam a mais cabal das refutações, para surgirem agora como avatares de velhas formas mortas e ora ressurrectas? Como se compreende que posições como o cepticismo, o relativismo, o agnosticismo, desmontadas eficazmente pelos luminares do pensamento grego, conheçam hoje em dia um renascimento inesperado e encontrem cultores entre homens julgados como expoentes do conhecimento humano?

Por que doutrinas, fundadas em primários erros de Lógica, que qualquer estudante melhor avisado os evitaria, são, depois, defendidas por filósofos que adquirem renome e se propagam como se propaga a má erva?

E o que mais espanta, o que mais contrista, é que tais erros perduram, atravessam os anos, penetram pelos séculos, e surgem aos olhos de muitos como esplendorosas realizações da mente humana.

É apenas à ignorância que se devem debitar tais coisas, ou aliam-se a ela a má fé e segundas intenções? Será produto de uma deficiência do espírito, ou obedece a uma intencionalidade que não pode ser confessada?

Se se pudesse apenas debitar tais erros à má fé, naturalmente que seriam eles ignominiosos. Mas não é apenas a ela que se deve fazê-lo, mas, sobretudo, a um descaso no estudo da Lógica, a uma falta de melhor raciocínio, a ignorância do que já se fez nesse terreno. E quando são estes os motivos que os geram, tais erros são apenas de lamentar. Realmente causa dó o espetáculo que se assiste.

Esta a razão por que se impõe denunciá-los. É mister que os mostremos à luz meridiana, que os escalpelemos com todo o rigor, para que a calva nua transpareça plenamente. É mister advertir os bem intencionados para que não sejam vítimas de tais erros, para que possam compreender por que a perplexidade avassala o homem moderno, entendendo, então, por que tais erros se repetem e conquistam adeptos. É mister fazer essa obra de denúncia, por que não é mais possível deixar que tantos males se repitam e se multipliquem.

(1) Talvez o maior filósofo que o Brasil já teve. Como é de costume no nosso país, foi esquecido por ser valioso para a educação brasileira.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Fanatismo

É comum chamarmos “fanatismo” a defesa de certas proposições. No entanto, o fanatismo nada tem que ver com as proposições, mas sim na incapacidade de conceber outra proposição, senão àquela a qual defende. O fanatismo independe das idéias. Fanático é o homem com uma mente incapaz de imaginar qualquer outra mente. Chesterton dizia que o homem livre não é aquele que pensa que todas as opiniões são igualmente verdadeiras ou falsas, pois isso não é liberdade, senão debilidade mental. O homem livre é aquele que vê os erros com a mesma claridade que a verdade. O homem livre é quem pode imaginar o plano completo de um erro, a completa lógica de uma falácia, e ainda que não acredite nelas, é igualmente capaz de concebê-las.

Experts

O especialista, dizia Chesterton, é aquele que possui um conhecimento cada vez mais extenso relativo a um domínio cada vez mais restrito. Assim, o triunfo da especialização consiste em saber tudo sobre nada. Os verdadeiros problemas de nosso tempo escapam à competência dos experts, porque os experts, via de regra, são testemunhas do nada. A parcela de saber exato e preciso detida pelo especialista perde-se no meio de um oceano de não-saber e de incompetência.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Ai se sêsse

O poeta Zé da Luz, do início do século, escreveu uma poesia porque disseram pra ele que pra falar de amor é necessário um português correto e tal... Aí Zé da Luz escreveu uma poesia chamada "Ai se sêsse" que diz assim...

Se um dia nóis se gostasse;
Se um dia nóis se queresse;
Se nóis dois se impariásse,
Se juntin nóis dois vivesse!
Se juntin nós dois morasse
Se juntin nóis dois drumisse;
Se juntin nóis dois morresse!
Se pro céu nós assubisse,
Mas porém, se acontecesse
qui São Pêdo não abrisse
as portas do céu e fosse,
te dizê quarqué tolíce?
E se eu me arriminasse
e tu cum eu insistisse,
prá qui eu me arrezorvesse
e a minha faca eu puxasse,
e o buxo do céu furasse?...
Tarvez qui nóis dois ficasse
tarvez qui nóis dois caísse
e o céu furado arriasse
e as virge tôdas fugisse!!!

Zé da Luz - Severino de Andrade Silva, nasceu em Itabaiana, PB, em 29/03/1904 e faleceu no Rio de Janeiro-RJ, em 12/02/1965)

sábado, 11 de julho de 2009

Nelson Rodrigues

O mundo é a casa errada do homem. Um simples resfriado que a gente tem, um golpe de ar, provam que o mundo é um péssimo anfitrião. O mundo não quer nada com o homem, daí as chuvas, o calor, as enchentes e toda sorte de problemas que o homem encontra para a sua acomodação, que aliás, nunca se verificou. O homem deveria ter nascido no Paraíso.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Aversão à humanidade?

Chesterton

O tédio é o mais perdoável dos vícios, mas é a mais imperdoável das virtudes. Nietzsche, que representa de modo mais proeminente essa afetada pretensão de tédio, descreveu em uma de suas obras, — aliás em magnífica descrição do ponto de vista literário — o sentimento de repugnância e enfado de que era possuído à simples presença de pessoas comuns, com suas inteligências comuns. Tal atitude, como já se disse, pode parecer quase bela se a considerarmos como uma atitude patética. A aristocracia de Nietzsche inspira-nos todo o santo respeito que se deve aos fracos. E quando ele nos faz crer que não pode suportar as inúmeras faces, as vozes incessantes e a constrangedora onipresença da plebe, ele há-de por certo despertar a simpatia dos que já se sentiram enojados num vapor ou espremidos num ônibus superlotado. Todo homem odeia a humanidade quando se sente diminuído em sua condição de homem. Todo homem em dados momentos já deve ter sentido a humanidade a seus olhos como nevoeiro que desnorteia, ou a humanidade em suas narinas como dor que sufoca. Todas as aversões ao comum da humanidade têm esse caráter geral. Não são, como se pretende, aversões às suas fraquezas, mas à sua força. Os misantropos fingem que desprezam a humanidade por suas fraquezas. O fato é que a odeiam por sua força. Quando Nietzsche, com incrível falta de humor e de imaginação, chega a querer que aceitemos sua aristocracia como uma aristocracia de músculos fortes e vontades férreas, somos então obrigados a fazer ressaltar a verdade: ela não é mais que uma aristocracia de nervos fracos.