“Contenham esse avanço... Façam qualquer coisa, por menor que seja... Mantenham aberta ainda que seja uma só porta dentre cem, pois conquanto que tenhamos pelo menos uma porta aberta, não estaremos numa prisão.”
(G.K.C)

segunda-feira, 30 de março de 2009

A liberdade do nosso lar

Eu não entendo a difundida idéia de que ficar em casa é ficar "preso", é privar-se da liberdade, é ficar na monotonia, na apatia. Já falei disso antes numa postagem chamada "Nem toda diversão é divertida para todos".

Parece-me impensada tal afirmativa. Em que outro lugar no mundo um homem pode mudar tudo ou fazer qualquer coisa que quiser? Fora de casa você tem que se submeter aos rígidos regulamentos de um restaurante, de uma loja, de um hotel ou de um clube. A não ser por uma exceção, encontraremos um restaurante excêntrico em que você possa comer sentado no chão. Mesmo assim, existirão regras de como devamos nos sentar e de como os talheres deverão estar dispostos.

Em casa, posso andar de pijama, ir desde o quarto até jardim, mas não devo passar do portão da rua - onde muitos dizem que mora a liberdade - sob pena de ser censurado ou coisa pior. Nossa casa é o único recanto de terra livre num mundo de regulamentos. “O lar é o único local onde o homem pode por um tapete no telhado ou telhas no chão a seu bel prazer”. Onde quer que eu vá, para além da minha casa é tudo regras e leis. Tenho que desligar o telefone no cinema, não posso falar no teatro e existe uma espécie de traje apropriado para ir ao shopping. Não que eu torça o nariz com tudo isso, mas estou apenas querendo mostrar que é em casa que tenho liberdade e que seria mais verídico se disséssemos “Esse aí vive livre dentro de casa, não quer ir a canto algum”, do que o que normalmente ouvimos falar.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Precisa-se de homem não-prático

Chesterton

[Uma das mais singulares fantasias do nosso tempo é a de que], quando as coisas vão mal, é preciso um homem prático. Estaríamos bem mais perto da verdade se disséssemos que quando as coisas vão muito mal precisamos de um homem não-prático. Pelo menos, com certeza, precisamos de um teórico. Homem prático quer dizer aquele habituado às simples práticas do dia-a-dia, à maneira como as coisa funcionam vulgarmente. Quando as coisas não andam, do que se precisa é de um pensador, isto é, de um homem que tenha uma doutrina pela qual as coisas devem correr. É disparate tocar lira quando Roma arde, mas há toda a razão para que se estude hidráulica mesmo durante o incêndio.

É, portando, necessário deitar fora o agnosticismo pessoal quotidiano e tentar "conhecer a causa das coisas" [1]. Se o seu avião está ligeiramente avariado, um homem habilidoso pode repará-lo, mas se está gravemente danificado, o mais natural é que seja necessário desencantar de uma universidade ou de um laboratório um velho professor distraído, de cabeleira encanecida e desarrumada, para analisar o problema. Quanto pior for o estrago, mais cabelos brancos e mais distração do teórico serão necessários para solucionar o problema. Em alguns casos extremos, ninguém, a não ser o homem (provavelmente louco) que inventou a nossa aeronave, poderá talvez dizer de que avaria se trata.

[1] No original rerum cognoscerem causa.

terça-feira, 24 de março de 2009

A dor necessária

Chesterton
Em tudo que vale a pena possuir, há um ponto doloroso que deve ser ultrapassado para que o prazer volte e seja duradouro. A alegria da batalha vem depois do primeiro medo da morte; o deleite do banhista só chega após o choque gélido do mergulho.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Paradoxo da coragem


Chesterton foi o único que conheço que percebeu o paradoxo da coragem. Dizia ele que a coragem é quase uma contradição em termos, significa “um forte desejo de viver sob a forma de uma grande disposição para morrer”. Já vimos catástrofes de pessoas que saltaram de cima de prédios em chamas, homens que se precipitaram em penhascos e outros que enfrentaram feras, para salvarem suas vidas. Sob um desejo grande de viver, dispuseram-se a morrer. Em muitos casos, só se escapa da morte andando a um centímetro dela.

“Um soldado cercado por inimigos, se quiser achar uma saída, precisa combinar um forte desejo de viver com uma estranha despreocupação com a morte. Ele não deve simplesmente agarrar-se à vida, pois então será covarde — e não escapará. Ele não deve simplesmente aguardar a morte, pois então será suicida — e não escapará. Ele deve buscar a vida num espírito de furiosa indiferença diante dela...”

Nos casos mais extremos, a salvação consiste em não desejar salvar-se com demasiado desespero. “Porque qualquer que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á [....] (Marcos 8:35)”. O final deste mesmo versículo já é o inverso: “Quem perder a sua vida, salva-la-á”. Significa dispor-se a morrer para salvar-se. Chesterton faz alusão a estas palavras. Diz ele, a respeito de seu personagem, dependurado há vários metros de altura: “Lembrava-se de ter ouvido muitas vezes estas palavras: 'Quem perder a sua vida, salva-la-á.' Lembrava-se, com uma espécie de lástima, de que por elas sempre entendera que quem perdesse a vida corporal salvaria a vida espiritual. Agora sabia uma verdade já sabida de todos os lutadores, caçadores e alpinistas. Sabia que até a sua vida corporal só poderia salvar-se graças a uma forte disposição para perdê-la [....] Talvez encontrasse onde apoiar o pé ao descer a tremenda fachada, desde que não se preocupasse se tais apoios existiam ou não”.

C. S. Lewis, com muita agudeza, percebeu, parece-me, a essência desse paradoxo: “Numa batalha ou numa escalada de montanha, muitas vezes há uma manobra que exige muita coragem; mas é ela também que, no final, constitui o movimento mais seguro. Se você optar por outro curso de ação, ver-se-á horas depois num perigo muito maior. O caminho do covarde é também o caminho mais perigoso”.

Marcos 8:35 é uma orientação para o dia-a-dia de marinheiros e sodados. Poderia ser estampado no livro de orientações ou de treinamentos para escaladores de montanhas, mergulhadores, aventureiros e paraquedistas.

terça-feira, 17 de março de 2009


"Eu era um solteirão tão inveterado, que não pude evitar a sensação de estar fazendo uma travessura."*

*Comentário de C. S. Lewis a respeito de sua lua-de-mel, aos 60 anos, com Joy Davidman, sua primeira e única esposa, que faleceria dois anos mais tarde.

sábado, 14 de março de 2009

Desfrutar e Contemplar

Samuel Alexander, um filósofo que viveu em meados do século XIX e início do século XX, dizia que "Contemplação" e "Desfrute" são incompatíveis; não podem existir no mesmo instante, em uma mesma pessoa, sob um mesmo objeto [1].

De acordo com Alexander, você não pode ter esperança e, ao mesmo tempo, pensar na esperança, porque interrompemos o processo de "desfrute" da esperança, quando viramos o olhar para "contemplá-la".

Assim, podemos concluir que a maneira mais segura de estragar um prazer é examinar a sua satisfação, fazer uma introspecção, um "olhar para dentro de si", onde interromperemos o "desfrute" para "contemplá-lo". Quando "contemplamos" um prazer, na verdade ele já se foi e o que vemos são apenas resquícios, sedimentos, restos de uma sensação que só era ela mesma enquanto não pensávamos nela.

O amor só é ele mesmo, quando não procuramos sua razão de ser.

[1] "Contemplação" e "Desfrute" são termos específicos de sua filosofia; não são termos exatamente com o mesmo sentido que tem no dicionário.

A gangorra da debilidade

É interessante notar que, quando tudo se enfraquece e se torna ineficiente, começa-se a falar em eficiência. Quando algo começa a fracassar, intentamos exaltá-lo. Quando o corpo começa a fraquejar, começa-se, pela primeira vez, a falar de saúde.

Tenho falado tanto de amor, desejos, paixão, ofensas, desculpas e perdão...

quarta-feira, 11 de março de 2009

Ofensa e Oferta

Tomás de Aquino estava certo quando disse que “uma ofensa é tanto maior quanto maior é aquele contra quem é cometida”. Insultar um morador de rua não tem as mesmas conseqüências de insultar um juiz de direito. A ofensa é medida pelo lado do ofendido. Quanto “maior” o ofendido, maior se torna a ofensa. É assim que reputamos como maiores, as ofensas que sofremos daqueles que são importantes para nós, daqueles que amamos. Isso pode ser observado quando, sob a ofensa de uma pessoa querida, dizemos “Até você?!”, como Júlio César, que diante dos conjurados que lhe assassinariam no Senado, viu seu próprio filho: “Tu quoque, Brute, fili mi?” (Até tu, Brutus, meu filho?).

Os que se amam, ofendem-se até por muito pouco. O dengo, muitas vezes, é uma pequenina ofensa, quase nada, mas feita por um grandioso ofensor – o amado.

Já a oferta é tanto maior quanto maior for o ofertante. Um livro autografado, mesmo em más condições, vale mais do que dez deles em ótimo estado. O recruta se sente mais lisonjeado com o elogio de um coronel do que de um soldado. Temos tantos exemplos de coisas insignificantes quanto ao seu valor material, mas imensamente importantes, por terem sido ofertadas por pessoas que estimamos. A oferta é medida pelo lado do ofertante. É por isso que são edificantes as palavras carinhosas ofertadas entre os amantes, pois, quão grande ofertante é aquele que amamos!

Aplicação teológica:

Percebo que a idéia exposta acima, pode nos ajudar a entender a questão do pecado e da redenção.

Ofender a um coronel é um problema; ofender um juiz, um problema maior ainda; ofender a Deus, um problema infinitamente maior. O homem ofendeu a Deus com seus pecados. “Pois todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Rm 3:23). Que diria então, nós, insignificantes, ofertarmos nossas obras medíocres, para compensar nossa ofensa a Deus, se "todas as nossas justiças [são] como trapos de imundície " (Is 64:6)?. É por isso que a bíblia diz que a salvação independe de obras. Cristo morreu por nós e ele foi a oferta para nosso perdão, a única oferta digna e à altura, porque filho de Deus.

Assim poderia ser explicada a doutrina da graça: Ofendemos a Deus, que é grandioso; a ofensa é medida pelo ofendido. Assim nossa ofensa é enorme. Por outro lado, a oferta mede-se pelo ofertante; somos seres ínfimos diante de Deus. Assim, nada podemos ofertar de digno. No entanto, Cristo, filho de Deus, foi ofertado para que pudéssemos ser perdoados. Somos “justificados gratuitamente pela sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus” (Rm 3:24). “Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo” (At 16:31). Justificados, pois, pela fé.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Desejo sexual x Eros

O desejo sexual é o "amor" que anseia pela auto-satisfação. C. S. Lewis descreve esse desejo como o de um homem buscando um prazer para qual a mulher é apenas uma peça necessária para realizá-lo. O quanto ele realmente gosta dela pode ser descoberto cinco minutos depois de ter obtido o que deseja, "ninguém guarda o maço de cigarros depois de tê-los fumado", diz Lewis.

Luxúria é sua pior definição e, na melhor das hipóteses, o desejo sexual é a ânsia física por alguém do sexo oposto. No entanto, a simples experiência sexual que se desenvolve sem Eros não pode ser encarada como algo "impuro". Lewis nos diz que "se todos os que se deitarem juntos sem estar no estado de Eros fossem abomináveis, nós todos viemos de uma linhagem espúria. As épocas e lugares em que o casamento depende de Eros são uma minoria. A maior parte de nossos ancestrais se casaram cedo com parceiros escolhidos por seus pais por razões que nada tinham a ver com Eros. Prestavam-se ao ato sem qualquer outro estímulo além do simples desejo 'animal'". Eros pode se desenvolver a partir do desejo sexual.

E continua Lewis com maestria: "Porém, no geral, o que acontece primeiro é simplesmente uma deliciosa preocupação com o ser amado - uma preocupação geral, inespecífica, com a mulher no total. O homem nestas condições na verdade não tem tempo para pensar em sexo, pois está muito ocupado pensando numa pessoa. O fato de ela ser uma mulher é muito menos importante do que ser ela mesma. Ele está cheio de desejo, embora este não tenha uma tonalidade sexual. Se lhe perguntasse o que quer, sua resposta sincera geralmente seria: “Continuar pensando nela”. É o amor contemplativo". Eros é àquele estado que chamamos de “estar amando”.

O desejo sexual, sem Eros, deseja a coisa em si; Eros deseja o ser amado [....]

Eros faz com que o homem não deseje uma simples mulher, mas uma mulher especial. De algum modo misterioso, mas indiscutível, o amante deseja a amada, ela mesma, e não o prazer que lhe pode proporcionar.

Sem Eros, o desejo sexual, como qualquer outro desejo, é um fato sobre nós mesmos. Dentro de Eros ele é um fato a respeito do ser amado [....] Eis a razão pela qual Eros, embora seja o rei dos prazeres, sempre, em seu auge, tem a atitude de considerar o prazer como um subproduto.

Mas para aqueles que acham que Eros é um pouco sem graça para as aventuras do prazer sexual, está enganado. Eros não é frio quanto à sexualidade. Existe em Eros, um prazer carnal saudável e tão sublime que o simples desejo sexual, frente a ele, torna-se ínfimo. Os antigos gregos chamavam esse sub-elemento de Vênus.

A sexualidade pode operar sem Eros ou como parte de Eros, isto é, com Vênus. E isso é um tanto formidável, porque se Eros é um sentimento elevado que tem a amada como uma jóia preciosa e frágil que merece todo cuidado, que torna tudo tão solene e melancólico, Vênus, fundido em Eros, é um sentimento um tanto animal e quase cômico.

Vênus é escarnecedor e maldoso; brinca com os comportamentos mais íntimos. Muitas vezes zomba com os amantes. Quando temos a situação perfeita para sua realização, Vênus nos troça e foge. Isso vem sob efeito de indisposição, ou de outras coisas mais que acabam por afastar o ato. De outra forma, quando a situação parece impossível, nos diz Lewis, "e nem mesmo olhares podem ser trocados - em trens, lojas e festas intermináveis - ela [Vênus] os assalta com toda a sua força. Uma hora mais tarde, quando o tempo e o lugar são propícios, ela se retira misteriosamente; talvez de um só deles. Que perturbação isso deve causar - quantos ressentimentos, suspeitas, vaidades feridas e toda a conversa corrente sobre as 'frustrações' - naqueles que a deificaram! Mas os amantes sensatos riem. Tudo faz parte do jogo; um jogo de luta-livre, e as escapadas, quedas e colisões de cabeça devem ser tratadas como uma brincadeira".

Vênus, de certa forma, faz o homem unir sentimentos extremos, isto é, o amor sublime e o desejo animal. Daí a possibilidade de haver brincadeiras ásperas e até "selvagens" entre verdadeiros amantes possuídos de Eros.

Eros é formidável, é pleno em se tratando de amor entre amantes. Por um lado, nos faz preferir ser infelizes com o ente amado a ser felizes em quaisquer outros termos, ser miserável com ela do que feliz sem ela. Por outro lado, Eros é combustível que acende um fogo abrasador pela amada, um impetuoso desejo de possuí-la. É ao mesmo tempo brisa suave e brasa candente, carinhos ternos e desejos ardentes.

sábado, 7 de março de 2009

Perdão ou Desculpa?

Perdão e Desculpa são duas palavras tão banais no uso, que nem desconfiamos da diferença entre elas. Em um certo sentido, Perdão e Desculpa são palavras quase opostas. O Perdão nos diz "ok, você fez isso, mas eu aceito seu pedido de perdão; não jogarei isso na sua cara e seremos do mesmo jeito que éramos antes". Já a Desculpa, fala "eu percebo que você não podia evitar, sei que realmente você não queria fazer isso; você não é culpado". Assim, um ato falho sem culpa precisa de desculpa, e não de perdão. Da mesma forma, boas desculpas não precisam de perdão - já que o perdão exige culpa - e se você quer ser perdoado, não há desculpas para o que fez - pois pedir perdão é assumir a culpa.
Porém, isso não invalida a possibilidade de haver os dois ao mesmo tempo. O problema está em pedirmos desculpas para aquilo que exige perdão.

Uma parte dessa idéa, se não me engano, veio-me de C. S. Lewis.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Amar é sempre certo


Apesar de todas as decepções que um amor possa nos trazer, é preferível um coração de carne a um coração de "pedra", mesmo estando a carne vulnerável a sangrar. Acredito que o conselho de Agostinho de que "não permita que sua felicidade dependa de algo que você possa perder" é suplantado pelo de C. S. Lewis, quando diz "preferiria perdê-la, a jamais tê-la visto".

quinta-feira, 5 de março de 2009

A revolução dos idiotas

Nelson Rodrigues
[Até o século XIX] o idiota era apenas o idiota e como tal se comportava. E o primeiro a saber-se idiota era o próprio idiota. Não tinha ilusões. Julgando-se um inepto nato e hereditário, jamais se atreveu a mover uma palha, ou tirar uma cadeira do lugar. Em 50, 100 ou 200 mil anos, nunca um idiota ousou questionar os valores da vida. Simplesmente, não pensava. Os "melhores" pensavam por ele, sentiam por ele, decidiam por ele. Deve-se a Marx o formidável despertar dos idiotas. Estes descobriram que são em maior número e sentiram a embriaguez da onipotência numérica. E, então, aquele sujeito que, há 500 mil anos, limitava-se a babar na gravata, passou a existir socialmente, economicamente, politicamente, culturalmente etc. houve, em toda parte, a explosão triunfal dos idiotas.