“Contenham esse avanço... Façam qualquer coisa, por menor que seja... Mantenham aberta ainda que seja uma só porta dentre cem, pois conquanto que tenhamos pelo menos uma porta aberta, não estaremos numa prisão.”
(G.K.C)

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Chesterton é inconfundível

Agnon Fabiano

Estava lendo um trecho de um dos livros de Chesterton que o próprio título já é um paradoxo, chama-se "Enormes Minúncias" (livro em espanhol). E logo no primeiro parágrafo, um paradoxo após outro:

"Não direi que esta história é verdadeira - porque, como se irá comprovar, toda ela é verdade e nada tem de história. Não tem nem explicação, nem conclusão; é, à semelhança das maioria das coisas que encontramos ao longo da vida, um fragmento daquilo que seria intensamente excitante, se não fosse demasiado grande para ser visto. É que a perplexidade da vida resulta de nela existirem demasiadas coisas interessantes para que nos possamos interessar apropriadamente por qualquer uma delas."

Além de todo aprendizado, além de todo bom-senso (como disse C. S. Lewis, Chesterton é o mais sensato de todos!), além de toda beleza literária e das idéias, divirto-me ao ler Chesterton. O Príncipe dos Paradoxos literalmente me ensina e me diverte com suas "tiradas" geniais, com seus pensamentos e com seus insights. Os trocadilhos paradoxais são estonteantes. Seu estilo é inconfundível.


Insights chestertonianos

Chesterton

A Ilíada só é grande porque nela toda a vida é uma batalha; a Odisséia só é grande porque nela toda a vida é uma jornada.

[Os modernos] pensam que o objetivo de abrir as mentes é simplesmente abri-las, enquanto eu estou absolutamente convencido de que o objetivo de abrir a mente, como o de abrir a boca, é fechá-la de novo com algo sólido. (The Flyinng Inn, 1914)

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Novo site Chesterton Brasil



É com muita satisfação que noticio um novo projeto: trata-se do site www.chestertonbrasil.org, já disponível à todos aqueles que têm o desejo de conhecer cada vez mais esse grande homem. É indiscutível o valor de Chesterton para o Brasil, um país dominado por muitos problemas de cunho filosófico. A leitura de Chesterton é um remédio pra alma, revigora o intelecto e apraz a inquetação por saber que todos nós temos. Façam bom proveito!


"Criamos este site com o objetivo de reunir e difundir o pensamento de Gilbert Keith Chesterton (1874-1936) no Brasil. Chesterton é um dos maiores pensadores católicos do século XX e, infelizmente, por diversos motivos, desconhecido em nossa Terra de Santa Cruz. Diante disso, e da inexistência de uma sociedade Chestertoniana no Brasil, resolvemos lançar a idéia de no futuro próximo termos uma Sociedade Chestertoniana Brasileira, como as Inglesas, Americanas, Argentina e Italiana.

Enquanto isso, desejamos lhe oferecer o que há de melhor sobre Chesterton prioritariamente em língua portuguesa. Reunimos neste site artigos, traduções, vídeos, áudios, frases e trechos de suas obras, imagens etc. com o intuito de possibilitar um contato com a vida e pensamento desse gênio".

Fonte: www.chestertonbrasil.org

domingo, 12 de dezembro de 2010

Sobre Chesterton

Jorge Luis Borges
"Outras Inquisições"


Because He does not take away The terror from the tree...

CHESTERTON: A Second Childhood.

Edgar Allan Poe escreveu contos de puro horror fantástico ou de pura bizarrerie; Edgar Allan Poe foi o inventor do conto policial. Isso não é menos certo que o fato de ele não ter combinado os dois gêneros. Não impôs ao cavalheiro Augusto Dupin a tarefa de precisar o antigo crime do Homem das Multidões ou de explicar a aparição que fulminou o mascarado príncipe Próspero na câmara negra e escarlate. Chesterton, ao contrário, prodigalizou com paixão e felicidade esses tours de force. Cada um dos textos da Saga do padre Brown apresenta um mistério, propõe explicações de tipo demoníaco ou mágico para, no fim, substituí-las por outras que são deste mundo. A mestria não esgota a virtude dessas breves ficções; nelas creio notar uma cifra da história de Chesterton, um símbolo ou espelho de Chesterton. A repetição de seu esquema ao longo dos anos e dos livros (The Man Who Knew Too Much, The Poet and the Lunatics, The Paradoxes of Mr. Pond) parece confirmar que se trata de uma forma essencial, não de artifício retórico. Estes apontamentos são uma tentativa de interpretar essa forma.

Antes, convém reconsiderar alguns fatos de excessiva notoriedade.

Chesterton foi católico, Chesterton acreditou na Idade Média dos pré-rafaelistas ("Of London, small and white, and clean”), Chesterton pensou, como Whitman, que o mero fato de ser é tão prodigioso que nenhuma desventura deve eximir-nos de uma espécie de cômica gratidão. Tais crenças podem ser justas, mas o interesse que despertam é limitado; supor que elas esgotam Chesterton é esquecer que um credo é o último termo de uma série de processos mentais e emocionais e que o homem é toda a série. Neste país, os católicos exaltam Chesterton, os livre-pensadores o negam. Como todo escritorque professa um credo, Chesterton é julgado por causa disso, é reprovado ou aclamado por isso. Seu caso é semelhante ao de Kipling, que as pessoas sempre julgam em função do Império Britânico.

Poe e Baudelaire, assim como o Urizen atormentado de Blake, propuseram-se criar um mundo de espanto; é natural que sua obra seja fértil em formas do terror. Creio que Chesterton não teria tolerado a imputação de ser um urdidor de pesadelos, um monstrorum artifex (Plínio, XXVIII, 2), mas ele indefectivelmente incorre em freqüentes imagens atrozes. Pergunta se porventura um homem tem três olhos, ou um pássaro três asas; fala, contra os panteístas, de um morto que descobre no Paraíso que os espíritos dos coros angelicais têm sempre seu próprio rosto[1]; fala de uma prisão de espelhos; fala de um labirinto sem centro; fala de um homem devorado por autômatos de metal; fala de uma árvore que devora os pássaros e que, em vez de folhas, dá penas; imagina (The Man Who Was Thursday, VI) que nos confins orientais do mundo talvez exista uma árvore que já é mais, e menos, que uma árvore, e, nos ocidentais, algo, uma torre, cuja arquitetura, por si só, é malvada. Define o próximo pelo distante, e até pelo atroz; se fala dos próprios olhos, nomeia-os com palavras de Ezequiel (1, 22), "um terrível cristal"; se da noite, aperfeiçoa um antigo horror (Apocalipse 4, 6) para chamá-la "um monstro feito de olhos". Não menos ilustrativa é a narração How I Found the Superman. Chesterton fala com os pais do Super-Homem; perguntados sobre a beleza do filho, que não sai de um quarto escuro, estes lembram-lhe que o Super-Homem cria seu próprio cânone e por ele deve ser medido ("Nesse plano, ele é mais belo que Apolo. Visto de nosso plano inferior, claro que..."); depois admitem que não é nada fácil estreitar sua mão ("O senhor sabe; a estrutura é muito outra"); depois são incapazes de precisar se ele tem cabelo ou penas. Morre vítima de uma corrente de ar, e alguns homens retiram um ataúde que não tem forma humana. Chesterton relata essa fantasia teratológica em tom de zombaria. Tais exemplos, que seria fácil multiplicar, provam que Chesterton se defendeu de ser Edgar Allan Poe ou Franz Kafka, mas que algo no barro de seu eu propendia ao pesadelo, algo secreto, cego e central. Não por acaso ele dedicou suas primeiras obras à defesa de dois grandes artífices góticos: Browning e Dickens; não por acaso repetiu que o melhor livro saído da Alemanha era o dos contos de Grimm. Denegriu Ibsen e defendeu (talvez indefensavelmente) Rostand, mas os Trolls e o Fundidor de Peer Gynt eram da mesma matéria de seus sonhos, "the stuff his dreams were made of". Esse desacordo, essa precária sujeição de uma vontade demoníaca definem a natureza de Chesterton. Emblemas dessa guerra são, para mim, as aventuras do padre Brown, cada uma das quais pretende explicar, mediante a pura razão, um fato inexplicável. Por isso afirmei, no parágrafo inicial desta nota, que as ficções de Chesterton eram cifras de sua história, símbolos e espelhos de Chesterton. Isso é tudo, com a ressalva de que a "razão" à qual Chesterton subordinou suas imaginações não era exatamente a razão, mas a fé católica, ou seja, um conjunto de imaginações hebréias subordinadas a Platão e a Aristóteles.

Recordo duas parábolas opostas. A primeira consta no primeiro volume das obras de Kafka. E a história do homem que pede para ter acesso à lei. O guardião da primeira porta responde que dentro há muitas outras e que não há sala que não esteja custodiada por um guardião, cada qual mais forte que o anterior. O homem senta-se para esperar. Passam-se os dias e os anos, até que ele morre. Em sua agonia, pergunta: "Será possível que nos anos desta minha espera ninguém além de mim tenha querido entrar?". O guardião responde: "Ninguém quis entrar porque só a ti se destinava esta porta. Agora vou fechá-la". (Kafka comenta essa parábola, complicando-a ainda mais, no nono capítulo de O Processo.) A outra parábola consta no Pilgrim’s Progress, de Bunyan. As pessoas olham com cobiça um castelo defendido por muitos guerreiros; junto à porta há um guardião com um livro para registrar o nome de quem for digno de entrar. Um homem intrépido achega-se ao guardião e diz: "Anote meu nome, senhor". Depois tira sua espada e arremete contra os guerreiros e recebe e devolve feridas sangrentas, até abrir passagem em meio ao fragor e entrar no castelo.

Chesterton dedicou a vida a escrever a segunda parábola, mas algo nele sempre tendeu a escrever a primeira.



[1] Amplificando um pensamento de Attar ("Em toda a parte só vemos Teu rosto"), Djalal al-Din Rumi compôs alguns versos, depois traduzidos por Rückert (Werke, IV, 222), em que se diz que nos céus, no mar e nos sonhos há Um Só e em que se louva esse único por ter reduzido à unidade os quatro briosos animais que puxam a carruagem dos mundos: a terra, o fogo, o ar e a água.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

A troca de valores

Chesterton
Tremendas Trivialidades[1]

De todos os sinais de modernidade que se parecem traduzir em algum tipo de decadência, nenhum é mais ameaçador e perigoso do que a exaltação de normas de conduta pequenas e secundárias, à custa das grandes e primárias, à custa dos laços eternos e da trágica moralidade humana.

Desse modo, costuma considerar-se mais injurioso acusar um homem de mau gosto do que de má ética. Hoje em dia, já não se associa a limpeza à santidade, visto que a limpeza se converteu em algo essencial, ao passo que a santidade se converteu em algo ofensivo.

(...) O grande perigo para a nossa sociedade está em que todo o seu mecanismo se possa tornar cada vez mais fixo, à medida que o espírito se torna mais inconstante.

Os pequenos atos de um homem deveriam ser livres, flexíveis, criativos; o que deveria permanecer inalterado são os seus princípios, os seus ideais. Mas conosco o contrário é que é a verdade: os nossos pontos de vista alteram-se constantemente, mas o nosso almoço permanece inalterado.

[1] Lançamento em Portugal pela editora Alêtheia. Há também uma antiga edição em espanhol sob o título "Enormes Minúncias".