“Contenham esse avanço... Façam qualquer coisa, por menor que seja... Mantenham aberta ainda que seja uma só porta dentre cem, pois conquanto que tenhamos pelo menos uma porta aberta, não estaremos numa prisão.”
(G.K.C)

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Amor seguro?

"Existe um método para dissuadir-nos de amar imoderadamente nosso semelhante que me acho rejeitando desde o princípio. Faço isso com tremor, pois encontrei-o nas páginas de um grande santo e pensador a quem muito devo.

Em palavras que ainda podem provocar lágrimas, Agostinho descreve a desolação em que a morte de seu amigo Nebridius o mergulhou (Confissões IV, 10). E extrai então uma moral. Isto é o que acontece, diz ele, quando entregamos nosso coração a qualquer coisa além de Deus. Todos os seres humanos morrem. Não permita que sua felicidade dependa de algo que pode perder. Caso o amor deva ser uma bênção e não uma maldição, deve dirigir-se ao único Amado que jamais partirá.

Isto na verdade é de um bom senso notável. Não coloque os seus bens num recipiente rachado. Não gaste demasiado numa casa da qual tenha de sair. E não existe ninguém que reaja mais naturalmente do que eu a tais máximas. Sou uma criatura que põe a segurança em primeiro lugar. De todos os argumentos contra o amor nenhum faz um apelo mais forte à minha natureza do que "Cuidado! Isto pode fazer com que sofra".

A minha natureza, ao meu temperamento, mas não à minha consciência. Quando respondo a esse apelo pareço, a mim mesmo, estar a milhares de quilômetros de Cristo. Se existe alguma coisa de que estou certo é o fato de Seus ensinamentos não terem tido por um instante sequer o propósito de confirmar minhas preferências congênitas por investimentos seguros e responsabilidades limitadas. Duvido que haja em mim algo que o desagrade tanto quanto isso. E quem poderia começar a amar a Deus numa base tão prudente - porque a segurança (por assim dizer) é melhor? Quem poderia sequer incluí-Ia entre as razões para amar? Você escolheria uma esposa ou um amigo, ou até mesmo um cão, nesse estado de espirito? E preciso estar completamente fora do mundo do amor, de todos os amores, quando se fazem cálculos desses.
Eros, o fora da lei, preferindo o Amado à felicidade, se assemelha ao próprio Amor muito mais do que isto.

Julgo que esta passagem das Confissões é mais um remanescente das sofisticadas filosofias pagãs que o cercavam do que parte de seu cristianismo. Ela está mais próxima da "apatia" estóica ou do misticismo neoplatônico do que da caridade.

De minha parte, prefiro seguir Aquele que chorou sobre Jerusalém e sobre o túmulo de Lázaro e, amando a todos, tinha porém um discípulo a quem ele "amava" num sentido especial. Paulo tem para nós maior autoridade que Agostinho - o apóstolo Paulo que mostra todos os sinais de que teria sofrido como homem e cujos sentimentos com certeza não seriam refreados no caso de Epafrodito ter morrido (Filipenses 2:27). Mesmo sendo admitido que o fato de nos protegermos das desilusões fosse uma atitude sábia, o próprio Deus oferece tal segurança? Parece que não. Cristo diz no final: "Por que me abandonaste?"

Não existe alívio na sugestão de Agostinho. Nem em qualquer outra linha de pensamento. Não existe um investimento seguro. Amar é ser vulnerável. Ame qualquer coisa e seu coração irá certamente ser espremido e possivelmente partido. Se quiser ter a certeza de mantê-lo intacto, não deve dá-lo a ninguém, nem mesmo a um animal. Envolva-o cuidadosamente em passatempos e pequenos confortos, evite todos os envolvimentos, feche-o com segurança no esquife ou no caixão do seu egoísmo. Mas nesse esquife - seguro, sombrio, imóvel, sufocante - ele irá mudar. Não será quebrado, mas vai tornar-se inquebrável, impenetrável, irredimível.
A alternativa para a tragédia, ou pelo menos para o risco da tragédia é a danação. O único lugar fora do céu onde você pode manter-se perfeitamente seguro contra todos os perigos e perturbações do amor é o inferno.

Acredito que os amores mais fora-da-lei e imoderados são menos contrários à vontade de Deus do que uma falta de amor auto-provocada e auto-protetora. E como ocultar o talento (a moeda) num lenço e por essa mesma razão. "Eu sabia que o senhor era um homem cruel". Cristo não ensinou e sofreu a fim de nos tornarmos, mesmo em nossos amores naturais, mais cuidadosos com nossa própria felicidade. Se o homem não faz cálculos com relação aos entes queridos terrenos a quem vê, irá provavelmente agir da mesma forma para com Deus a quem não vê. Iremos aproximar-nos mais de Deus aceitando os sofrimentos inerentes a todos os amores e oferecendo-os a Ele, em lugar de fazer tudo para evitá-los. É preciso despojar-nos de toda a nossa armadura defensiva. Se nossos corações tiverem de partir-se, e se Ele escolher este como sendo o meio de parti-los, assim seja."

Extraído do livro Os quatro amores (C.S. Lewis)

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Deus e a Ciência

“Milagres”, disse meu amigo. “Oh! Não me venha com essa! A ciência já nocauteou essa idéia. Sabemos que a Natureza é governada por leis fixas.”

“Mas, as pessoas não sabem disso desde sempre?” perguntei.

“Meu Deus, não,” disse ele. “Por exemplo, tome uma estória como a do Nascimento Virginal. Sabemos agora que tal coisa não poderia acontecer. Sabemos que deve haver um espermatozóide proveniente de um homem.”

“Mas, escute aqui,” disse eu, “São José –”

“Quem é ele?” perguntou meu amigo.

“Ele era o marido da Virgem Maria. Se você ler a estória na Bíblia você verá que quando ele percebeu que sua noiva ia ter um bebê, ele decidiu cancelar o casamento. Por que ele fez isso?”

“Não faria o mesmo a maioria dos homens?”

“Qualquer homem faria,” disse eu, “desde que ele conhecesse as leis da Natureza – em outras palavras, desde que ele soubesse que uma garota não teria um filho a menos que tivesse dormido com um homem. Mas, de acordo com sua teoria, as pessoas antigamente não sabiam que a Natureza era governada por leis fixas. Estou apenas observando que a estória mostra que São José sabia tanto a respeito da lei quanto você.”

“Mas, ele veio a acreditar, depois, no Nascimento Virginal, não foi?”

“Exatamente. Mas, ele não fez isso porque ele estava de alguma forma iludido sobre a origem normal das crianças. Ele acreditou no Nascimento Virginal como algo sobrenatural. Ele sabia que a Natureza trabalha de forma fixa e regular: mas, ele também acreditou que existia alguma coisa além da Natureza que podia interferir com o trabalho dela – desde fora.”

“Mas, a ciência moderna tem mostrado que não existe tal coisa.”

“Será?” disse eu. “Qual das ciências?”

“Oh, bem, isso é uma questão de detalhe,” disse meu amigo. “Eu não posso lhe dar capítulo e versículo de cor.”

“Mas, você não vê que”, disse eu, “a ciência não poderia nunca mostrar algo desse tipo?”

“E por que não?”

“Porque as ciências estudam a Natureza. E a questão é se há algo além da Natureza – qualquer coisa ‘do lado de fora’. Como você poderia descobrir isso, simplesmente estudando a Natureza?”

“Mas, não descobrimos que a Natureza deve trabalhar de uma forma absolutamente fixa? Quero dizer, as leis da Natureza nos dizem não somente como as coisas acontecem, mas também como elas devem acontecer. Nenhum poder pode alterá-las.”

“O que isso quer dizer?” disse eu.

“Olhe,” disse ele. “Essa ‘coisa externa’ de que você fala pode fazer dois e dois resultar em cinco?”

“Bem, não,” disse eu.

“Muito bem,” ele disse. “Penso que as leis da Natureza são realmente tal como dois e dois dando quatro. A idéia de elas serem alteradas é um absurdo tal como o é a alteração das leis da aritmética.”

“Um momentinho,” disse eu. “Suponha que você ponha cinqüenta centavos numa gaveta hoje e cinqüenta centavos na mesma gaveta amanhã. As leis da aritmética lhe garantem que você vai achar um real depois de amanhã?”

“Claro,” disse ele, “desde que alguém não mexa na minha gaveta.”

“Ah, mas essa é toda a questão,” disse eu. “As leis da aritmética podem dizer o que você encontrará, com absoluta certeza, desde que não haja interferência. Mas, o ladrão não terá desobedecido às leis da aritmética – somente às leis do país. Agora, não estão as leis da Natureza no mesmo barco? Elas não dizem tudo o que acontecerá desde que não haja interferência?”

“O que você quer dizer?”

“Bem, as leis dirão a você como uma bola de sinuca viajará numa superfície lisa se você a atingir com o taco, de uma forma particular – mas, somente se ninguém interferir. Se, depois de ela estar em movimento, alguém esbarrar nela – aí então, você não terá o resultado predito pelo cientista.”

“Claro que não. Ele não permitiria truques grosseiros como esse.”

“Pois então, e da mesma forma, se houvesse algo externo à Natureza, e se essa coisa interferisse – os eventos que o cientista previsse não aconteceriam. Isso seria o que chamamos de milagre. Num determinado sentido, não seria uma desobediência às leis da Natureza. As leis dizem a você o que acontecerá se nada interferir. Elas não dizem se algo irá interferir. Quero dizer, não é o especialista em aritmética que vai lhe dizer qual a probabilidade de alguém mexer na sua gaveta; um detetive seria mais útil. Não é o físico que poderá dizer-lhe qual a probabilidade de eu pegar um taco e arruinar sua experiência com as bolas de sinuca; é melhor você perguntar a um psicólogo. E não é o cientista que lhe dirá qual a probabilidade da Natureza sofrer uma interferência externa. Você deve consultar um metafísico.”

“Essas são observações mesquinhas,” disse meu amigo. “Veja você, a real objeção vai muito mais longe. Toda a imagem do universo que a ciência tem nos dado prova ser uma tolice acreditar que o Poder por trás de tudo poderia estar interessado em nós, desprezíveis criaturinhas engatinhando por sobre um planeta completamente ordinário. Isso tudo foi, obviamente, inventado por pessoas que acreditavam que a terra era chata e que as estrelas estavam a apenas alguns quilômetros de distância.”

“Quando foi que se acreditou nisso?”

“Ora essa, todos aqueles antigos cristãos sobre os quais você está sempre falando. Quero dizer, Boécio, Agostinho, Tomás de Aquino e Dante.”

“Desculpe-me”, disse eu, “mas esses são alguns dos poucos indivíduos sobre os quais eu conheço alguma coisa.”

Estendi meu braço em direção a uma estante. “Você vê este livro,” eu disse, “o Almagesto de Ptolomeu. Você o conhece?”

“Sim,” disse ele, “Foi o manual astronômico padrão usado na Idade Média.”

“Bem, leia isso”, disse eu, apontando para o Livro I, capítulo 5.

“A terra,” leu em voz alta meu amigo, hesitando um pouco em sua tradução do latim, “a terra, em relação à distância das estrelas fixas não tem dimensão apreciável e deve ser tratada como um ponto matemático.”

Houve um momento de silêncio.

“Ele realmente sabia disso naquele tempo?” disse meu amigo. “Mas, nenhuma das modernas enciclopédias – nenhuma das histórias da ciência –sequer mencionam o fato.”

“Exatamente,” eu disse, “Deixarei você refletir sobre a razão disso. É como se alguém quisesse encobrir esse fato, não parece? Fico imaginando o porquê.”

Houve um outro momento de silêncio.

“De qualquer forma,” disse eu, “podemos agora enunciar o problema precisamente. As pessoas usualmente pensam que o problema seja como conciliar o que nós sabemos sobre o tamanho do universo com nossas idéias tradicionais de religião. Isso está longe de ser o problema. O problema real é este. O tamanho enorme do universo e a insignificância da terra são fatos conhecidos por séculos e ninguém nunca imaginou que eles tivessem algo a ver com questões religiosas. Então, há menos de cem anos, eles repentinamente são tirados da cartola como um argumento contra o cristianismo. E as pessoas que os tiraram da cartola, cuidadosamente, ocultam o fato de que eles são conhecidos há muito tempo. Não lhe parece que todos vocês ateus são pessoas estranhamente ingênuas?”


Extraído do livro God in the Docks de C. S. Lewis

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Auto-estima?

Nunca se escreveu tanto sobre a auto-estima como nos nossos dias. Nas prateleiras das livrarias encontramos, por toda parte, esse tipo de literatura. Vários autores pretendem nos mostrar como ficar bem consigo mesmo, como ser feliz aprendendo a amar a si mesmo, como se valorizar e, assim, encontrar a felicidade.

Infelizmente, a maioria das pessoas que lêem esse tipo de livro estão ocupadas demais tentando praticar as regras contidas nas páginas dele ou estão muito ansiosas por achar que ali está a solução de seus problemas. Desta maneira, não conseguem ler um livro criticamente. Lembre-se que criticar, neste caso, não é discordar, mas avaliar.

Podemos afirmar que se a VERDADE voltasse a ser o critério primário dos escritores, muito menos livros seriam escritos, publicados e lidos. Utilizando-se das palavras de Mortimer Adler:

"Livros têm ganhado o aplauso da crítica e uma extraordinária atenção popular na mesma proporção em que eles faltam com a verdade - quanto mais eles o fazem, melhor. Muitos leitores, e muito particularmente aqueles que escrevem resenhas na imprensa, empregam outros padrões de julgamento para exaltar ou condenar os livros que lêem - a novidade, o sensacionalismo, a sedução, a força e até mesmo o poder de confundir ou desorientar a mente, no lugar da verdade, da clareza e do poder de esclarecimento."
O egocentrismo é um fenômeno mundial da experiência humana, é algo evidente na grande variedade de palavras em nossa língua composta com "auto": auto-estima, auto-afirmação, autoconfiança, auto-elogio, auto-idolatria, auto-aceitação, etc.

Mas será que nós deixamos de nos amar e por isso estamos sofrendo as consequências da depressão, da angústia, do pessimismo e da auto-depreciação?

A verdade é que a pessoa que diz "Eu sou tão feia que eu me odeio!", não se odeia de verdade, pois caso odiasse, estaria feliz por ser feia. É porque ama a si mesma que fica perturbada com sua aparência e com a maneira pela qual as outras pessoas reagem a ela. (Dave Hunt)

A pessoa que está constantemente se depreciando não se odeia de fato, nem tem uma auto-estima inferior; está apenas informando aos outros que seu desempenho não está de acordo com os padrões que estabeleceu para si mesma.

"A vanglória é prova de que estamos satisfeitos com nosso ego; a auto-depreciação é prova de que estamos desapontados com ele. De qualquer um dos dois modos, revelamos que temos uma opinião muito positiva a nosso respeito." (A. W. Tozer)
A vida, ao ser provada, torna-se viciante. O impulso de preservá-la é mais forte do que o juízo de que ela não merece continuar. O suicídio deve ser pelo método mais rápido e menos doloroso, pois, neste ato, você está acabando com algo que sempre foi valioso pra você.

A Bíblia, nunca nos dá tal conselho de amarmos a nós próprios. Na verdade, Deus sabe que isso já nos é intrínseco. É por isso que Jesus nos diz "Amai ao próximo como a si mesmo" sem precisar nos ensinar como devemos nos amar. Em Efésios 5.29, Paulo nos diz a verdade universal que, se fôssemos honestos, deveríamos reconhecer: "Porque ninguém jamais odiou sua própria carne, antes a alimenta e dela cuida..."

O que realmente precisamos é abandonar qualquer preocupação com o ego e nos voltar para Cristo. Deus nos redimiu, não por causa do que somos, mas por causa de Cristo. A verdadeira liberdade é a liberdade de mim mesmo e das presas da tirania do meu ego, a fim de viver em amor dedicado a Deus e aos outros.

Apenas no amor altruísta encontramos a existência autênticamente livre e humana. (Stott)
Um abraço.