“Contenham esse avanço... Façam qualquer coisa, por menor que seja... Mantenham aberta ainda que seja uma só porta dentre cem, pois conquanto que tenhamos pelo menos uma porta aberta, não estaremos numa prisão.”
(G.K.C)

terça-feira, 30 de junho de 2009

A neurose moderna

A realidade, para nós, funda-se na diferença que fazemos entre efetivo e possível, isto é, entre real e imaginário.

A referência para a diferenciação entre real e imaginário está relacionada à vontade e ao tempo. À vontade, porque o real eu não posso mudar como eu bem quiser (apesar de poder mudar algumas coisas), mas o imaginário, sim. Ao tempo, porque somente o presente é real; o passado só poderá vir à tona na lembrança e o futuro se imaginado.

Porém, a vontade e o tempo só serão referências do real se formos honestos conosco. Eu posso mentir para os outros sem que ninguém saiba, a não ser eu. Mas mentir pra si mesmo pode tornar-se uma doença no momento em que nos esquecemos que estamos mentindo. A neurose, por exemplo, é uma mentira inventada, mas esquecida de que foi inventada. Por isso o neurótico a vê como real; ele esqueceu que ele mesmo inventou aquilo.

Daí podemos tirar a conclusão de que o real depende da nossa autoconsciência, da nossa capacidade de ter o compromisso da verdade pelo menos para nós mesmos, para que não esqueçamos que tal ou tal coisa foi imaginação minha ou que tal e tal coisa foi uma mentira que inventei, etc.

Eis o motivo pelo qual não me agrado do Pensamento Positivo, da Lei da Atração, etc, que vêm sendo difundidos hoje em dia nos nossos "best-sellers". Eles simplesmente nos estimulam a soltar as rédeas da imaginação, para que possamos criar nosso futuro como bem entendermos e de uma maneira tal, com técnicas de auto-engano, que possam nos fazer crer verdadeiramente que aquilo que criamos na nossa mente seja a realidade, o efetivo. Estão nos ensinando um tipo de neurose moderna, pois, conforme as técnicas desses livros, devemos criar o nosso futuro e crer que ele já é real; e quem melhor aplica essas técnicas é aquele que não duvida daquilo que imaginou e o já tem como realidade. Pura neurose. Devemos esquecer que inventamos.

Pior de tudo, neurose egoísta, cuja finalidade é ensinar que as pessoas vejam a si mesmas como um super-homem melhor que cada outro. "Ensinam a serem esnobes; espalham uma espécie de poesia maligna de materialismo... inflamam as paixões mais vis da ganância e do orgulho."

Do amoroso esquecimento

Eu, agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?

(Mário Quintana)

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Nelson Rodrigues
“Eu sofro pressões incríveis. Todo mundo, a comunidade, exige que sejamos imbecis.”

sábado, 27 de junho de 2009

Quando uma virtude se torna um defeito

Se não tenho motivos para desconfiar de uma pessoa, porque simplesmente não acreditar nela? É certo que essa minha maneira de agir, acreditando piamente naqueles que não tenho motivos para desconfiar, tentando não confabular as coisas, sempre tentando não enxergar que alí pode ser uma armadilha, sempre levando as coisas para o melhor lado, muitas vezes me presenteia com uma punhalada pelas costas. Assim, esse comportamento, que era pra ser uma virtude, tornou-se um defeito. O mundo de hoje é mais generoso com os lobos do que com as ovelhas. Mas eu prezo pela sinceridade e é ela que me dá segurança. A segurança, por sua vez, é a base do amor puro e da verdadeira amizade. Como o bobo de Clarice Lispector, às vezes passam-lhe a perna, mas ele, pela sinceridade, pela verdade, pela confiança, é o único capaz de excesso de amor.

Cuidado ao julgar o outro

Desde que li, há algum tempo, um conto de Chesterton chamado "Os três instrumentos de morte", reforcei, ainda mais, o meu antigo comportamento de procurar não confabular e não tirar conclusões precipitadas. Este conto fala sobre a morte do Sr. Armstrong, um pacato e alegre filantropo, de uma pequena cidade. Ex-alcoolatra, o Sr. Armtrong desenvolvia vários programas beneficentes, entre eles, o de ajudar aos que ainda permaneciam afundados na bebida a livrar-se dela. Ele moravam num casarão com sua filha Alice, seu secretário Patrick e o mordomo Magnus. Patrick e Alice eram apaixonados e só ainda não estavam juntos, porque o pai, Sr. Armstrong, não concordava com o casamento dos dois.

Certo dia todos da casa escutaram tiros e barulhos de móveis arrastando e de objetos sendo quebrados, que vinham do quarto do Sr. Armstrong. Logo depois ele foi encontrado morto no jardim, bem debaixo da janela do seu quarto onde dormia no segundo andar. Um pedaço de corda parecia preso a uma das pernas, enredado provavelmente numa luta. Havia uma mancha de sangue pequena, mas o corpo estava dobrado ou quebrado no chão. A polícia chegou e o detetive começou a investigar o caso. Interrogou o mordomo, a filha e o secretário do Sr. Armstrong. Todos eram suspeitos. No quarto, foi encontrado um revólver com todos os cartuchos disparados, um punhal ensanguentado, que era de Patrick, e um pedaço de corda, além de meia garrafa de uísque rolada no chão.

Mas quando as investigações penderam para acusar Alice, pelo fato da fortuna que ela herdaria do pai, Patrick confessou o crime e Alice, ainda muito abalada, chamando o detetive, contou o que havia presenciado:

"Eu estava neste cômodo contíguo ao deles - explicou a moça -, ambas as portas estavam fechadas, mas ouvi de repente uma voz, como nunca tinha visto antes na face da Terra, rugir 'Diabo, diabo, diabo' muitas vezes, e depois ambas as portas estremeceram com a primeira detonação do revólver. Ouvi mais três estrondos antes de abrir as duas portas, e vi então que o cômodo estava cheio de fumaça; mas o revólver estava fumegando na mão do meu pobre e louco Patrick; e com os meus próprios olhos o vi disparar o último tiro. Depois ele saltou sobre meu pai - que aterrorizado, estava agarrado ao peitoral da janela - e, segurando-o, tentou estrangulá-lo com a corda que lhe jogara sobre a cabeça, a qual deslizou dos ombros que se debatiam para os pés. Aí a corda se enrolou numa perna, e Patrick o arrastou como um alucinado. Eu peguei um punhal e, correndo muito, consegui cortar a corda antes de desmaiar."

Padre Brown, que foi chamado para ajudar neste caso, e que é o principal personagem de Chesterton nesses contos, sempre usa o bom-senso para desvendar os crimes. Depois de observar todos os acusados e ouvi-los depor, chamou o grupo de policiais e falou:

"Eu lhes disse que neste caso havia armas de mais e uma só morte. Digo-lhes agora que não eram armas, e de fato não foram usadas armas para provocar a morte. Todos esses terríveis instrumentos, a corda, o punhal ensanguentado, o revólver, foram instrumentos de uma estranha misericórdia. Não foram usados para matar o Sr. Armstrong, mas para salvá-lo."

E depois conclui:

"Por trás da máscara alegre estava uma mente vazia. Por fim, para manter o seu alegre nível social, voltara ao vício do alcoolismo, que ele tinha deixado havia muito. Mas o alcoolismo provoca este horror num ex-abstêmio genuíno: faz com que ele imagine e espere o inferno psicológico contra o qual alertara outros. Logo, esse inferno se abateu sobre o Sr. Armstrong, e esta manhã ele estava em tal estado, que se sentou aqui e começou a gritar que estava no inferno, e o fez com uma voz tão transtornada, que a filha não a reconheceu. Estava louco para morrer, e com um artifício típico de loucos, espalhara à sua volta a morte em muitas formas: um laço, um revólver e um punhal do amigo. Patrick entrou por acaso e agiu prontamente. Jogou o punhal no tapete, agarrou o revólver e, sem tempo para tirar as balas, esvaziou-o dando vários tiros para o chão. O suicida viu uma quarta forma de morte, e precipitou-se para a janela. Seu salvador fez a única coisa que podia: correu atrás dele com a corda e tentou atar-lhe os pés e as mãos. Foi então que a pobre moça entrou correndo e, interpretando mal a luta, tentou libertar o pai cortando a corda. Sucede apenas que, antes de desmaiar, a pobre moça conseguiu soltar o pai cortando a corda, assim, ele pôde pular da janela para estatelar-se na eternidade".

O detetive, sem entender a confissão de Patrick, o chamou e disse:

- Acho que você deveria ter falado a verdade - disse o detetive.
- Você não vê que ela não pode saber? - falou Patrick.
- Saber o quê? - indagou o detetive espantado.
- Que matou o pai! Se não fosse ela, ele estaria vivo agora. Se ela souber disso, pode enlouquecer.

Neste conto, tudo indicava que Patrick era culpado, mas eis que toda a sua culpa foi mentir para "conservar" sua amada.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Discordando de Platão no amor

O amor é um algo desejado, e, dirá Platão, só se deseja aquilo que lhe falta, aquilo que não se possui. Portanto, o que se ama é aquilo que não se tem. Daí o grande sofrimento do amor, enquanto a falta domina. Se já não existe falta, temos qualquer outro sentimento, menos amor.
Nas palavras de Platão, o que é amar? "É carecer do que se ama e querer possuí-lo para sempre". Se amor é desejo e se desejo é carência, só podemos amar aquilo que não temos.

Mas a essência do desejo não é a falta. Há vários tipos de amores e o que eles têm em comum não é a falta. Amor aos pais, amor aos filhos, amor aos lugares, amor pelos amigos... Na verdade o que esses tipos de amor têm em comum é a alegria, o regozijo. Não é por faltar que eu amo, mas o que eu amo é que, às vezes, me falta. O que vem primeiro é a alegria, o desejo, a vontade e não a falta. "Há uma felicidade em mim, cuja causa é você", isso é o amor. Adeus, Platão.

terça-feira, 9 de junho de 2009

O perigo das idéias

Frei Beto

Agitar idéias é mais grave do que mobilizar exércitos. O soldado pode semear os horrores da força bruta, mas tem uma hora em que seu braço cansa e a espada torna à cinta ou se enferruja e se consome com o tempo. A idéia, uma vez desembainhada, é arma sempre ativa, que não volta ao estojo nem se embota com o tempo.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Homem bizarro

Chesterton

... um homem com uma crença definitiva parece sempre bizarro, porque não muda como o mundo; ele está sobre uma estrela fixa, de onde os movimentos da terra lá embaixo parecem imagens num caleidoscópio. Milhões de homens se consideram sãos e razoáveis meramente porque sempre aderem à última insanidade, porque correm de loucura em loucura no redemoinho do mundo.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Incompreensão das emoções

O que muitas vezes nos angustia nas coisas emocionais é não entendê-las racionalmente. É querer enterder, mas ficar perdido no vazio onde raciocínio não alcança. Se a emoção é boa, apenas desfruta-se, se é ruim, apenas sofrer-se.

O amor liberta a alma

Giacomo Leopardi

[....] Quando um homem concebe o amor, o mundo inteiro se dissipa aos seus olhos, ele não vê nada além do ser amado, está no meio da multidão, das conversas, em plena solidão, abstraído, fazendo os gestos que lhe inspira esse pensamento sempre imóvel e muito poderoso, sem se preocupar com a surpresa nem com o desprezo alheios, ele se esquece de tudo e tudo lhe parece tedioso sem esse único pensamento, essa única visão. Nunca tive a experiência de um pensamento que solta a alma com tanto poder de todas as coisas que a circundam quanto o amor [....]