“Contenham esse avanço... Façam qualquer coisa, por menor que seja... Mantenham aberta ainda que seja uma só porta dentre cem, pois conquanto que tenhamos pelo menos uma porta aberta, não estaremos numa prisão.”
(G.K.C)

quinta-feira, 27 de março de 2008

Relativismo moral


“Conta Peter Kreeft que, um dia, ao dar uma das suas aulas de ética, um aluno lhe disse que a Moral era uma coisa relativa e que ele, como professor, não tinha o direito de “impor-lhe os seus valores”.

“Bem – respondeu Kreeft, para iniciar um debate sobre a questão- vou aplicar à classe os seus valores e não os meus. Você diz que não há valores absolutos, e que os valores morais são subjetivos e relativos. Como acontece que as minhas idéias pessoais são um tanto singulares sob alguns aspectos, a partir deste momento vou aplicar esta: toda as alunas estão reprovadas”.

O rapaz mostrou-se surpreendido e protestou dizendo que aquilo não era justo. Kreeft argumentou-lhe:“Que significa para você ser justo? Porque, se a justiça é apenas o “meu” valor ou o “seu” valor, então não há nenhuma autoridade comum a nós dois. Eu não tenho o direito de impor-lhe o meu sentido de justiça, mas você também não pode impor-me o seu…

Portanto, só se existe um valor universal chamado justiça, que prevaleça sobre nós, você pode invocá-lo para considerar injusto que eu reprove todas as alunas. Mas, se não há valores absolutos e objetivos fora de nós, você só pode dizer que os seus valores subjetivos são diferentes dos meus, e nada mais. No entanto, você não diz que não gosta do que eu faço, mas que é injusto.
Ou seja, quando desce à prática, acredita sem a menor dúvida nos valores absolutos”…Os relativistas e os céticos consideram que aceitar qualquer crença é servilismo, uma torpe escravidão que inibe a liberdade de pensamento e impede uma forma de pensar elevada e independente.

No entanto – como dizia C. S. Lewis -, ainda que um homem afirme não acreditar que haja bem e mal, vê-lo-emos contradizer-se imediatamente na vida prática. Por exemplo, uma pessoa pode não cumprir a palavra ou não respeitar o combinado, argumentando que isso não tem importância e que cada qual deve organizar a sua vida sem pensarem teorias. Mas o mais provável é que não tarde muito em dizer, referindo-se a outra pessoa, que é indigno que essa pessoa lhe tenha faltado à palavra…”.

Por não ter um ponto de referência claro a respeito da verdade, o relativismo leva à confusão global entre o bem e o mal. Se se analisam com um pouco de detalhe as suas argumentações, é fácil observar – como explica Peter Kreeft – que quase todas costumam refutar-se a si próprias:

“A verdade não é universal” (exceto esta verdade que você acaba de afirmar?).

“Ninguém pode conhecer a verdade” (a não ser você, segundo parece).
“A verdade é incerta” (então também é incerto o que você diz!).

“Todas as generalizações são falsas” (esta também?).

“Você não pode ser dogmático” (com essa mesma afirmação, você mostra que é bastante dogmático).

"Não me imponha a sua verdade” (o que significa que neste momento você me está impondo as suas verdades).

“Não existem absolutos” (absolutamente…?).

“A verdade é apenas uma opinião” (a sua opinião, pelo que vejo).

E assim por diante.


Fonte: Revista Pergunte e Responderemos. D. Estevão Bettencourt Nº 535 - Ano : 2007 - Pág. 11

quarta-feira, 26 de março de 2008

Aprendendo com a imaginação




Boa parte da realidade nos escapa, no sentido de que não conseguimos apreendê-la de uma forma direta. Desta maneira, o melhor método para compreendê-la é o contraste, a contraposição. De que melhor forma explicaríamos a luz, senão contrastando-a com a escuridão? E o som, opondo-o ao silêncio? Na química e na física, por exemplo, temos bastantes modelos para a representação de elementos que não podemos ver e de teorias que não podemos testar, mostrando que, para tudo aquilo que não podemos captar pela razão, precisamos de uma via alternativa, que nos aproxime da realidade. A imaginação é, sem dúvida, esta via. É por isso que os contos-de-fadas se tornam uma das melhores maneiras para aprendermos, pois, que melhor método de contraste podemos ter, senão este que nos mostra as coisas, não como são, mas como não são? Quando crianças, aprendemos a humildade com as histórias de gigantes, imaginando alguém maior e mais forte que nós. Com as histórias de fadas madrinhas, aprendemos que nem sempre o que desejamos é o melhor para nós.

Alguns confundem esse gosto pela imaginação com uma banalização ou fuga da realidade. Não se trata disso. Como nos lembra Chesterton “Acreditamos que o pé de feijão subiu até o céu; mas isso em nada confunde nossas convicções acerca da questão filosófica de quantos feijões são cinco.”
As histórias infantis que se pretendem ‘realistas’, tendem muito mais a enganar as crianças... Todas as histórias em que as crianças passam por aventuras e sucessos que são possíveis, no sentido em que não rompem as leis da natureza, mas que são quase infinitamente improváveis, tendem muito mais que os contos de fadas a criar falsas expectativas... [As histórias ‘realistas’] tendem, muito mais do que as histórias fantásticas, a tornar-se ‘fantasias’ no sentido clínico do termo. (C. S. Lewis)

Nada há de mais plausível e confiável do que os contos-de-fadas, que nos fazem ver as coisas como realmente são: encantadoras demais para podermos racionalizá-las, restando-nos apenas admirá-las... (Chesterton)

domingo, 23 de março de 2008

Sobrenaturalismo.

O problema não está naquilo que não sabemos, mas sim naquilo que pensamos que sabemos, é isso que obstrui nossa visão.

Quando chegou o momento solene e os bichos falaram, não percebeu nada, e por uma razão bem interessante. Assim que o Leão começou a cantar, ainda em meio à escuridão, tio André percebeu que o barulho era uma canção, e não gostou nada.

A canção fazia com que sentisse e pensasse coisas que não queria sentir nem pensar. Quando o sol nasceu e viu que o cantor era um leão (“um mero leão”, como disse para si mesmo), fez tudo para convencer-se de que não havia canto algum, mas apenas rugidos, como fazem os leões em nosso mundo. “Devo ter imaginado que o Leão cantava; é porque estou com os nervos descontrolados. Alguém já ouviu um leão cantar?” Quanto mais belo o canto, mais tio André imaginava ouvir rugidos. O negócio é este: quando a gente quer se fazer de tolo, quase sempre consegue. Tio André conseguiu. Passou a ouvir apenas rugidos na canção de Aslam. Mesmo que quisesse voltar atrás, já era tarde. Quando afinal o Leão falou e disse “Nárnia, desperte”, o tio não ouviu palavras; ouviu somente um rosnado. Quando os bichos responderam, ouviu latidos, uivos, zurros, miados. Quando caíram na risada... bem, você pode imaginar.

C. S. Lewis - O sobrinho do mago

quinta-feira, 13 de março de 2008

Ignorância criminosa

Para conhecer qualquer coisa é preciso conhecer seus efeitos. Para ver os homens, precisamos ver suas obras, de tal modo que possamos aprender o que foi ditado pela razão ou incitado pela paixão e descobrir quais são os mais poderosos motivos da ação. Para julgar corretamente o presente, precisamos opô-lo ao passado, porque todo juízo é comparativo, e do futuro nada se pode saber. A verdade é que nenhum espírito se ocupa muito do presente: a lembrança e a expectativa preenchem quase todos os nossos momentos. Nossas paixões são alegria e dor, amor e ódio, esperança e medo. O passado é o objeto da alegria e da dor, e o futuro, da esperança e do medo. Mesmo o amor e o ódio dizem respeito ao passado, porque a causa antecede o efeito.

O atual estado de coisas é a conseqüência do anterior, e é natural indagar quais foram as fontes do bem que usufruímos e as do mal que sofremos. Se agimos somente por nós mesmos, não é prudente ignorar o estudo da história; se o cuidado de outros nos é confiado, ignorá-lo não é justo. A ignorância, quando voluntária, é criminosa. E se pode, com propriedade, acusar de cometer o mal quem se recusou a aprender como evitá-lo.
*Samuel Johnson

quarta-feira, 12 de março de 2008

Por que Deus não intervém?

Li ontem o comentário que um amigo fez no seu blog, sobre um incêndio em um pequeno edifício de uma cidade alemã. Ele falava que, entre os sobreviventes, havia uma criança que foi jogada, do terceiro andar, pelo pai e que foi aparada por um bombeiro. O amigo criticava aqueles que imputavam a Deus o salvamento da criança. Peguntava ele onde estava Deus em relação às outras nove vítimas. E conclui seu desabafo com a seguinte frase: "Eu prefiro queimar no fogo do inferno a acreditar num Deus desses..."

A impressão que tenho é que as pessoas que não acreditam na existência de Deus têm raiva por ele não existir.

Eu, sinceramente, não consigo conceber uma harmonia entre o livre-arbítrio e um Deus que tenha que intervir a toda e qualquer possibilidade de sofrimento humano. Ao redor de um homem mal, as leis da natureza estariam totalmente passíveis de variação. Deus se encarregaria de modificar as leis da natureza para que a pedra arremessada contra outrem não atingisse o alvo; ou faria com que a injúria proferida por alguém não chegasse aos ouvidos do injuriado (talvez formando uma zona de vácuo na boa do injuriante). Contudo, certamente, em tais situações, estaríamos reivindicando nossa liberdade.

O homem, desde os primórios se mostra um covarde, que foge de suas resposabilidades e imputa seus erros ao outrem. Sempre foi assim e sempre será. Para os céticos, Deus é um prato cheio para se atribuir nossos próprios erros.

terça-feira, 11 de março de 2008

Reflexão de Rasselas *

- A juventude é a idade da alegria – gritou. – Vou juntar-me a jovens cuja única ocupação é satisfazer seus desejos e cujo tempo é todo despendido numa sucessão de divertimentos.

Foi prontamente aceito em tais sociedades, mas em poucos dias estava de volta, cansado e deprimido. A alegria ali era desprovida de idéias, o riso, de motivo. Os prazeres eram grosseiros e sensuais, sem nenhuma participação do espírito. A conduta era ao mesmo tempo rebelde e desprezível...

O príncipe logo concluiu que jamais seria feliz num tipo de vida do qual se envergonhava. Achava impróprio para um ser razoável agir sem um plano e ficar triste ou alegre por acaso.

- A felicidade – disse ele – deve ser algo sólido e permanente, sem medo e sem incerteza.

Mas os jovens companheiros tinham-lhe conquistado tanta consideração, por sua franqueza e cortesia, que não os pôde abandonar sem adverti-los e censurá-los.

* A História de Rasselas, príncipe da Abissínia, romance de Samuel Johnson.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Necessidade e desejo

Fazer a distinção entre necessidade e desejo é uma arte. Simone Weil sugere que podemos fazer essa distinção considerando dois aspectos das necessidades: elas são limitadas e se ordenam em pares de contrários. Por exemplo, "um avaro nunca terá ouro suficiente, mas para todo homem, se lhe derem pão à vontade, haverá um momento em que terá o suficiente" – ficará saciado. Também é razoável perceber que um homem precisa de alimento, mas também de um intervalo entre as refeições; precisa de exercício físico, mas também de descanso, essa é a noção de necessidades ordenadas de acordo com seus contrários.

René Kivitz

quarta-feira, 5 de março de 2008

Passado e Presente

Veio-me à cabeça, neste instante, a questão do nosso aprendizado. Não falo do ensino em si, mas do aprendizado pela vivência e pelo conhecimento do passado, que nos possibilita evitar os mesmos erros.

Quando falamos de um passado recente, é indiscutível a importância desse conhecimento. Muitos dos erros que já cometemos podem são evitados justamente pela lembrança deles. Por exemplo, não tomo determinado medicamento, porque me lembro que ele me trouxe fortes reações alérgicas.

Contudo, quanto mais nos afastamos nessa linha do passado, parece-me, menos nos preocupamos no que ele tem a nos ensinar. Faz diferença se o remédio que me fez mal foi há 10 dias ou há 10 anos. No primeiro caso relutarei fortemente em tomá-lo, já no segundo caso, nem tanto. Outra possibilidade é que eu tenha esquecido completamente das reações adversas que tal remédio me causou. Nesse caso, levando-se em conta somente o ponto de vista da alergia ao remédio, não farei qualquer resistência para tomá-lo. A inadvertência pode ser fatal.

O ponto ao qual quero chegar é de que o passado guia boa parte do nosso presente, e quanto mais sabemos dos acontecimentos anteriores, mais preparados estaremos para tomar decisões hoje. Eis um dos grandes problemas que enfrentamos nos dias de hoje. Vivemos na era da informação. Não há como abarcar tudo o que nos chega. Como eu já havia dito em outro lugar, “hoje em dia, somos bombardeados por informações, de tal forma, que não temos como assimilar e avaliar tudo. Assim, para alguém “distraído”, as informações que ficam são aquelas que nos foram mostradas de forma mais elaborada, com a melhor propaganda, a mais bonita, a que fazem as melhores promessas.

Quanto melhor conhecermos o passado, tanto melhor para não errarmos no presente. A História tem muito a nos ensinar. O problema de se viver sem conhecer o passado é que ficamos bem mais desprevenidos, menos críticos e abraçando toda e qualquer doutrina que se nos apresente. Como alguém anestesiado, viveremos sem “sentir” o perigo instalado.

O importante é a lembrança dos erros, que nos permite não cometer sempre os mesmos. O verdadeiro tesouro do homem é o tesouro dos seus erros, a larga experiência vital decantada por milênios, gota a gota. (Ortega y Gasset)

Estamos vivendo numa época de insensibilidade, de pressa, de competição, de deslealdade, de falsidade e hipocrisia. Não se espera mais o adversário levantar-se para que a luta possa continuar, hoje se atira pelas costas!

Não temos tempo de refletir onde e como estamos vivendo. Não temos tempo para a leitura, não temos tempo para descansar, pois ou descansamos ou nos “divertimos”. E como assimilamos a “diversão” à felicidade, estamos sempre em busca da “diversão”. Não conseguimos sequer conceber que a felicidade possa ser adquirida de outra maneira.

Antigamente se tinha uma visão do “certo” e “errado”. Hoje se diz que tudo é relativo. Tanto cristãos, quanto pagãos, tinham um sentimento de culpa de seus atos. Era mais fácil “curar” aqueles que se sentiam enfermos. Hoje temos que demonstrar que existe uma doença para que as pessoas acolham a notícia de que existe um remédio.

O homem antigo se chegava a Deus (ou aos deuses), como uma pessoa acusada se aproxima do juiz. Para o homem moderno, os papéis se inverteram. O homem é o juiz e Deus está no banco dos réus. O homem moderno é um juiz extraordinariamente benévolo: está disposto a escutar a Deus se Este for capaz de defender razoavelmente o porquê das guerras, da pobreza e das enfermidades. O processo pode inclusive terminar com a absolvição de Deus. Porém o importante é que o homem está no tribunal e Deus é que está no banco dos réus. (C. S. Lewis)