“Contenham esse avanço... Façam qualquer coisa, por menor que seja... Mantenham aberta ainda que seja uma só porta dentre cem, pois conquanto que tenhamos pelo menos uma porta aberta, não estaremos numa prisão.”
(G.K.C)

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Os novos rumos

* Trechos escolhidos do artigo THE NEW GROOVE, parte do livro THE COMMON MAN.

(Livre Tradução de Agnon Fabniano)

O inconveniente daquilo que chama a si mesmo de mentalidade moderna são simplesmente os "trilhos" e nosso hábito de ficarmos contentes com os trilhos, porque dizem que são os trilhos da mudança... O mais importante que tenho a dizer sobre os esses trilhos é isso: sua única forma de progresso é ir cada vez mais rápido ao longo de uma linha em certa direção. Não sentem a curiosidade de se deterem, nem conhecem o valor de voltar atrás... A locomotiva não progrediu para outra coisa que não fosse locomotivas cada vez mais velozes.

Apesar das mais violentas pretensões de independência, continua parecendo-me que a vida intelectual de hoje está simbolizada pelo trem, ou a estrada de ferro ou os trilhos. São enormes o barulho e a vivacidade com que se faz referência a certas modas ou rumos fixos do pensamento, assim como é enorme a velocidade que se consegue nos trilhos fixos de uma ferrovia. Porém, se começarmos a pensar realmente em sair do trilho, veremos que aquilo que é verdade a respeito do trem é igualmente verdade a respeito da verdade. Veremos que é mais difícil saltar do trem quando ele marcha velozmente do que quando ele está em lentidão. Veremos que a rapidez é rigidez; que se um movimento artístico, social ou político andar cada vez mais rápido, menos pessoas serão capazes de sair dele, ou mover-se contra ele. E no fim das contas talvez ninguém saltará para fora dele rumo à liberdade intelectual, assim como ninguém saltará de um trem que anda a 130 km/h.

Ao meu entender, esta é a principal característica do que chamamos pensamento progressista no mundo atual. Ele está limitado no mais exato sentido da palavra. Tem uma só dimensão. Vai em um só sentido. Está limitado por seu progresso. Está limitado por sua velocidade.

Os homens modernos não tem profundo conhecimento sobre os argumentos racionais a favor da tradição, porém conhecem, quase até a exaustão, os argumentos racionais a favor da mudança.

Não quero dizer que a verdade está somente na tradição; só estou dizendo que a publicidade está a favor da inovação.

Interpretaram-me muito mal se pensaram que estou pedindo passagens de volta à Atenas e ao Éden, simplesmente porque não quero ir no trem barato da Utopia. Quero ir aonde eu bem entender. Quero parar aonde eu bem entender. Quero conhecer o comprimento e a largura do mundo, ficar fora dos trilhos para andar pelas antigas planícies da liberdade.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

A Mitologia segundo Chesterton


O texto abaixo trata-se de um resumo através de trechos do capitulo do livro O Homem Eterno, em que Chesterton fala sobre a mitologia. Seu ponto de vista é que a mitologia é poesia e não alegoria, refutando, assim, as argumentações que tendem a classificá-la com precursora da religião. É uma argumentação forte e poética e, principalmente, uma análise profundamente psicológica.


Todo esse assunto mitológico pertence à parte poética dos homens. Parece estranhamente esquecido hoje em dia o fato de que um mito é fruto da imaginação e, portanto, uma obra de arte. Requer-se um poeta para criá-lo. Requer-se um poeta para criticá-lo. Há no mundo mais poetas que não-poetas, como se comprova pela origem popular dessas lendas. Mas por alguma razão que nunca vi explicada, apenas a minoria não poética tem permissão de escrever estudos críticos desses poemas populares. Nós não submetemos um soneto a um matemático ou uma canção a um especialista em cálculos; mas acalentamos a ideia igualmente fantástica de que o folclore pode ser tratado como uma ciência. Se essas coisas não forem apreciadas do ponto de vista artístico, elas simplesmente não serão apreciadas. Quando o catedrático ouve o polinésio lhe dizer que outrora não existia nada exceto uma grande serpente emplumada, se o erudito não se sentir emocionado e meio tentado a desejar que isso fosse verdade, ele absolutamente não é um juiz dessas coisas. Quando lhe asseguram, com base na melhor autoridade dos peles-vermelhas, que um herói primitivo carregou o sol e a lua e as estrelas dentro de uma caixa, se ele não bater palmas e espernear como faria uma criança diante de uma fantasia tão encantadora, ele não sabe nada sobre o assunto.
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A mitologia é uma arte perdida, uma das poucas artes que estão realmente perdidas; mas é uma arte.
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Além disso, mesmo quando as fábulas são inferiores como arte, elas não podem ser julgadas apropriadamente pela ciência, e são ainda menos apropriadamente julgadas como ciência. Alguns mitos são muito rudes e estranhos como os primeiros desenhos de uma criança; mas a criança está tentando desenhar. Apesar disso é um erro tratar seus desenhos como se fossem ou como se pretendessem ser um diagrama. O estudioso não pode formular uma afirmação científica sobre o selvagem, porque o selvagem não está fazendo uma afirmação científica sobre o mundo. O que ele está dizendo é algo muito diferente: é aquilo que se poderia chamar de fofoca dos deuses. Podemos dizer, se preferirmos, que é algo em que se crê antes que haja tempo para examiná-lo. Estaria mais de acordo com a verdade dizer que é aceito antes que haja tempo para crer nele. Confesso que duvido de toda a teoria da disseminação de mitos ou (como geralmente acontece) de um único mito. É verdade que algo em nossa natureza e condição torna similares muitas histórias; mas cada uma delas pode ser original. Um indivíduo não toma emprestada uma história de outro indivíduo, embora ele possa contá-la pelo mesmo motivo do outro. Seria fácil aplicar toda argumentação sobre lendas à literatura e transformá-la numa vulgar obsessão de plágio.
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Todavia, todo o problema é causado por quem tenta analisar essas histórias de um ponto vista externo, como se fossem objetos científicos. É preciso analisá-las apenas de um ponto de vista interno e perguntar-se como deveria começar uma história. Ela pode começar com qualquer coisa e tomar qualquer direção. Pode começar com um pássaro sem que esse pássaro seja um totem; pode começar com o sol sem que esse sol seja um mito solar. Dizem que há apenas dez enredos no mundo; e neles sem dúvida haveria elementos comuns recorrentes. Faça dez mil crianças falarem ao mesmo tempo contando lorotas sobre o que elas viram num passeio pela floresta, e não será difícil encontrar paralelos sugerindo o culto do sol ou o culto de animais. Algumas das histórias podem ser bonitas, algumas tolas e algumas talvez indecentes; mas elas só podem ser julgadas como histórias. Em um dialeto moderno, elas só podem ser julgadas do ponto de vista estético. É estranho que a estética, ou o mero sentimento, que agora tem a permissão para usurpar espaços a que ela não tem nenhum direito, para demolir a razão com o pragmatismo e a moral com a anarquia, não tenha permissão para emitir um julgamento puramente estético sobre aquilo que obviamente é apenas uma questão estética. Podemos ser fantasiosos acerca de tudo, excetuadas as lendas?
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Os mitos não são alegorias. As forças naturais nesse caso não são abstrações. Não é como se houvesse um Deus da Gravitação. Pode existir um gênio das quedas d água, mas não do simples cair, muito menos da simples água. A personificação não está relacionada a algo impessoal. O ponto principal é que a personalidade aperfeiçoa a água com significado. Papai Noel não é uma alegoria da neve e do pinheiro; ele não é simplesmente a substância chamada neve que depois recebe artificialmente uma forma humana, como o boneco de neve. É algo que confere um novo significado ao mundo branco e às plantas sempre-verdes; de modo que a própria neve parece quente em vez de fria. O teste, portanto, é puramente imaginativo. Mas imaginativo não significa imaginário. Não resulta que seja tudo aquilo que os modernos chamam de subjetivo, e com isso eles querem dizer falso. Todos os verdadeiros artistas, consciente ou inconscientemente, sentem que estão tocando verdades transcendentais; que suas imagens são sombras de coisas vistas através de um véu. Em outras palavras, o místico natural de fato sabe que existe algo ali-, algo por trás das nuvens ou dentro das árvores; mas ele acredita que a maneira de encontrá-lo está na busca da beleza; que a imaginação é uma espécie de encantamento que pode evocá-lo.
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Mas nós não sabemos o que essas coisas significam, simplesmente porque não sabemos o que nós mesmos significamos quando somos tocados por elas. Suponha-se que alguém numa história diga: “Arranque esta flor, e uma princesa morrerá num castelo do outro lado do mar". Nós não sabemos por que alguma coisa se agita no subconsciente, ou por que aquilo que é impossível parece quase inevitável. Suponha-se que leiamos: “E na hora em que rei apagou a vela seus navios foram a pique na distante costa das Hébridas". Nós não sabemos por que a imaginação aceitou a imagem antes que a razão pudesse rejeitá-la; ou por que essas correspondências parecem de fato corresponder a alguma coisa na alma. Coisas muito profundas em nossa natureza, alguma vaga sensação de que grandes coisas dependem de coisas pequenas, alguma sombria sugestão de que as coisas mais próximas de nós se estendem muito além de nosso poder, algum sentimento sacramental da magia presente nas substâncias materiais, e muitas outras emoções que se desfizeram estão presentes numa ideia como essa da alma exterior. O poder mesmo nos mitos dos selvagens é como o poder das metáforas dos poetas. A alma de uma dessas metáforas com muita frequência é enfaticamente uma alma exterior.
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Esses são os mitos, e quem não compreende os mitos não compreende os homens.
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Mas quem melhor compreender os mitos perceberá mais plenamente que eles não são e nunca foram uma religião, no sentido em que o cristianismo e até mesmo o islamismo são religiões. Eles satisfazem algumas das necessidades de uma religião, principalmente a necessidade de fazer certas coisas em certas datas, a necessidade das ideias gêmeas de festividade e formalidade. Mas, embora deem ao homem um calendário, não lhe dão um credo. Não houve alguém que se levantasse e dissesse: “Eu creio em Júpiter e em Juno e Netuno" etc., como quem se levanta e diz: “Eu creio em Deus, Pai todo-poderoso” e o restante do credo dos Apóstolos. Muitos acreditaram em alguns mitos e não em outros, ou mais em alguns e menos em outros, ou então em qualquer um deles, mas apenas num sentido poético muito vago. Não houve um momento em que todos os mitos foram coligidos numa ordem ortodoxa que os homens haveriam de defender lutando e enfrentando torturas.
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A mitologia buscava a verdade por meio da beleza, no sentido de que a beleza inclui muito da mais grotesca feiura. Mas a imaginação tem suas próprias leis e, portanto, seus próprios triunfos, que nem teólogos nem cientistas conseguem entender. Ela permaneceu fiel àquele instinto imaginativo através de mil extravagâncias, através de todas as toscas pantomimas cósmicas de um porco comendo a lua ou de o mundo sendo extraído de uma vaca, através de todas as estonteantes convoluções e malformações místicas da arte asiática, através de toda a nua e crua rigidez dos retratos egípcios e assírios, através de todos os espelhos rachados da arte disparatada que parecia deformar o mundo e deslocar o céu, ela permaneceu fiel a alguma coisa sobre a qual não se pode discutir; alguma coisa que possibilita que algum artista de alguma escola pare de repente diante uma deformidade particular e diga: “Meu sonho se realizou”. Por isso nós de fato sentimos que os mitos pagãos ou primitivos são infinitamente sugestivos, desde que sejamos sábios o bastante para não indagar o que eles sugerem. Por isso todos nós sentimos o que significa o roubo do fogo do céu por parte de Prometeu, até que algum pedante pessimista ou progressista venha a nos explicar o que ele significa. Por isso todos nós sabemos qual é o significado de João e o Pé de Feijão, até que nos venham dizê-lo. Nesse sentido é verdade que são os ignorantes que aceitam mitos, mas apenas porque são os ignorantes que apreciam poemas.
(...)
Numa palavra, a mitologia é busca; é algo que combina um desejo recorrente com uma dúvida recorrente, misturando uma sinceridade ávida ao extremo na ideia de achar um lugar, com uma leviandade extremamente sombria e profunda e misteriosa em relação a todos os lugares encontrados. Até esse ponto a solitária imaginação pôde levar, e mais tarde devemos dirigir nossa atenção para a solitária razão. Nunca, em ponto algum ao longo dessa estrada, as duas viajaram juntas. É ali que todas essas coisas diferiram da religião ou da realidade em que essas diferentes dimensões se juntaram formando uma espécie de sólido. Diferiram dessa realidade não naquilo que elas pareciam, mas naquilo que eram. Um quadro pode parecer uma paisagem; pode parecer em cada detalhe exatamente uma paisagem. O único detalhe em que difere é que ele não é uma paisagem. A diferença é apenas aquela que separa um retrato da rainha Elizabelh da rainha Elizabeth. Somente nesse mundo mítico e místico o retrato pôde existir antes da pessoa; e o retrato era por isso mais vago e duvidoso. Mas qualquer pessoa que tenha sentido a atmosfera desses mitos e dela tenha se alimentado saberá o que quero dizer quando afirmo que em certo sentido eles não professam realmente ser realidades.
(...)
Os sonhos de fato tendem a ser muito vívidos quando tocam essas coisas delicadas ou mágicas que realmente podem fazer um dormente acordar com a sensação de que seu coração se partiu durante o sono. Eles tendem sempre a girar em volta de certos temas emocionantes de encontros e despedidas, de uma vida que termina em morte ou de uma morte que é o começo da vida. Deméter perambula por um mundo aflito a procura de uma criança roubada; ísis em vão estende os braços sobre a terra para recolher os membros de Osíris; e há lamentações sobre as colinas por Átis e nos bosque por Adônis. Mistura-se a todas essas lamentações a profunda e mística sensação de que a morte pode ser uma libertação e um apaziguamento; de que uma morte assim nos dá um sangue divino para um rio renovador e de que todo o bem se encontra na reconstituição do dilacerado corpo divino. Podemos na verdade chamar essas coisas de prefigurações, desde que não nos esqueçamos de que prefigurações são sombras. E a metáfora de uma sombra incidental atinge com muita exatidão a verdade que é vital aqui. Pois uma sombra é uma forma; algo que reproduz a forma, mas não a textura. Essas coisas eram algo como a coisa real; e dizer que “eram como” é dizer que eram diferentes. Dizer que algo é como um cachorro é outra maneira de dizer que não é um cachorro; e é nesse sentido de identidade que um mito não é um homem. Ninguém realmente pensava em Ísis como um ser humano; ninguém realmente pensava em Deméter como uma personagem histórica; ninguém pensava em Adônis como o fundador de uma Igreja. Não havia nenhuma ideia de que algum deles houvesse mudado o mundo; mas antes havia a ideia de que sua recorrente morte e vida continham o triste e belo bordão da imutabilidade do mundo. Nenhum deles foi uma revolução, exceto no sentido da revolução do sol e da lua. Todo o significado deles se perde se não virmos que eles significam as sombras que somos nós e as sombras que nós perseguimos. Em certos aspectos sacrificais e comunitários eles naturalmente sugerem que espécie de deus poderia satisfazer aos homens: mas não afirmam que estão satisfeitos. Quem afirmar que eles o fazem não sabe avaliar poesia.
(...)
É total falta de delicadeza para com os famintos provar que a fome é igual à comida. É falta de boa compreensão para com os jovens argumentar que a esperança destrói a necessidade de felicidade. E é absolutamente irreal argumentar que essas imagens na mente, admiradas por inteiro na sua forma abstrata, estavam no mesmo mundo dos homens vivos, de uma sociedade viva, e eram adoradas por serem concretas.
(...)
Nós sabemos das coisas melhor que os intelectuais, mesmo aqueles dentre nós que não são intelectuais, sabemos o que havia naquele grito que foi emitido sobre o morto Adônis e sabemos por que a Grande Mãe fez uma filha casar-se com a morte. Nós entramos mais profundamente nos Mistérios Eleusinos e passamos a um grau mais alto, no qual um portão dentro de um portão guardava a visão de Orfeu. Nós conhecemos o sentido de todos os mitos. Conhecemos o último segredo revelado ao perfeito iniciado. E não é a voz de um sacerdote ou um profeta dizendo: “Essas coisas existem”. É a voz de um sonhador e um idealista gritando: “Por que essas coisas não são possíveis? ”

Fonte: O Homem Eterno, G. K. Chesterton, Editora Mundo Cristão, Tradução: Almiro Pisetta.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Suportar e sorrir

Chesterton - Ortodoxia 

[Gostaria de enfatizar] “as seguintes proposições: primeiro, que algum tipo de fé é necessário em nossa vida até mesmo para melhorá-la; segundo, que algum tipo de insatisfação com as coisas é necessária até mesmo para sentir-se satisfeito; terceiro, que para se ter esse contentamento e descontentamento, ambos necessários, não basta ter o equilíbrio óbvio do estóico. Pois a mera resignação não tem a gigantesca leveza do prazer, nem a orgulhosa intolerância da dor. Há uma objeção vital ao conselho de simplesmente sorrir e suportar. A objeção é que se você simplesmente suportar, você não sorri”.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Sobre os críticos da Idade Média

Chesterton - Chaucer versus Steverson

O crítico que condena nossos infelizes pais fala, ao mesmo tempo, sobre luta e escravidão; geralmente expande esta crítica a uma visão de guerra universal; insiste que aqueles homens sangravam por estéreis votos de superstição e lutavam uns com os outros por fantásticas questões de etiqueta; zomba de seus esportes por terem sido rudes e perigosos, e de sua religião, por ter sido militante e repleta de mártires; reclama igualmente da frívola mortalidade das competições e da fanática mortalidade das cruzadas; e então ele resume tudo, num movimento de sublime consistência, dizendo que aqueles homens eram fracos e que temiam a morte”. 

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

O Revolucionário Moderno


Chesterton, Ortodoxia.

O liberalismo degradou-se em liberalidade. Os homens tentaram transformar o verbo "revolucionar" de transitivo em intransitivo. Os jacobinos não apenas sabiam dizer contra que sistema se rebelariam, mas também (o que é mais importante) contra que sistema NÃO se rebelariam, o sistema em que confiariam.

Mas o novo rebelde é um cético, e não confia inteiramente em nada. Não tem nenhuma lealdade; portanto, ele nunca poderá ser de verdade um revolucionário. E o fato de que ele duvida de tudo realmente o atrapalha quando quer fazer alguma denúncia. Pois toda denúncia implica alguma espécie de doutrina moral; e o revolucionário moderno duvida não apenas da instituição que denuncia, mas também da doutrina pela qual faz a denúncia. Assim, ele escreve um livro queixando-se de que a opressão imperialista insulta a pureza das mulheres; e depois escreve outro (sobre o problema do sexo) no qual ele mesmo a insulta. Ele amaldiçoa o sultão pela perda da virgindade de garotas cristãs; e depois amaldiçoa a sra. Grundy pela preservação dela. Como político, ele grita que toda guerra é um desperdício de vida, e depois, como filósofo, grita que toda vida é um desperdício de tempo.

Um pessimista nisso denunciará um político por matar um camponês; e depois, pelos mais elevados princípios filosóficos, provará que o camponês deveria ter-se suicidado. Alguém denuncia o casamento como uma mentira; e depois denuncia os libertinos aristocráticos por tratarem essa mesma instituição como uma mentira. Alguém chama a bandeira de bugiganga; e depois acusa os opressores da Polônia ou da Irlanda de terem suprimido aquela bugiganga. O adepto dessa escola primeiro participa de uma reunião política, na qual se queixa de que os selvagens são tratados como se fossem animais; depois apanha o chapéu e o guarda-chuva e vai para uma reunião científica, na qual prova que eles são praticamente animais.

Em resumo, o revolucionário moderno, sendo um cético sem limites, está sempre ocupado em minar suas próprias minas. No seu livro sobre política ele ataca os homens por espezinharem a moralidade; no seu livro sobre ética ele ataca a moralidade por espezinhar os homens. Portanto, o homem moderno em estado de revolta tornou-se praticamente inútil para qualquer propósito da revolta. Rebelando-se contra tudo, ele perdeu o direito de rebelar-se contra qualquer coisa específica.

domingo, 9 de outubro de 2011

Bem-vindo à corporação.

Chesterton
O Homem que foi quinta-feira

- É o novo recruta? - perguntou o chefe invisível que parecia estar a par de tudo. - Está bem. Está admitido.

Syme, assombrado, trêmulo, procurou timidamente lutar contra esta sentença irrevogável.

- Mas eu, na verdade, não tenho experiência...

- Ninguém tem experiência alguma da batalha do Armagedom - disse o outro.

- Também não sei se sou capaz...

- Mas você quer e isso basta - retrucou o desconhecido.

- Mas, a verdade - ponderou Syme -, é que não sei de nenhum ofício em que a simples boa vontade seja prova de aptidão.

- Eu sei - disse o outro. - O dos mártires. Eu estou condenado à morte. Passe bem.

Foi assim que ao reaparecer com sua deplorável cartola preta e seu anárquico e deplorável casaco na claridade carmesim do crepúsculo, Gabriel Syme vinha sido feito membro da nova corporação de detetives, fundada para dar combate à grande conspiração.

Ver também "Os policiais filósofos".

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

A educação e a sensibilidade

C. S. Lewis
A Abolição do Homem

[Alguns] professores vêem o mundo ao redor dominado pela propaganda emotiva – aprenderam com a tradição que a juventude é sentimental – e concluem que a melhor coisa a fazer é fortalecer a mente dos jovens contra a emotividade. A minha própria experiência como professor me ensina justamente o contrário. Pois, para cada aluno que precisa ser resguardado de um leve excesso de sensibilidade, existem três que precisam ser despertados do sono da fria vulgaridade. O dever do educador moderno não é o de derrubar florestas, mas o de irrigar desertos. A defesa adequada contra os sentimentos falsos é inculcar os sentimentos corretos. Ao sufocar a sensibilidade dos nossos alunos, apenas conseguiremos transformá-los em presas mais fáceis para o ataque do propagandista. Pois a natureza agredida há de se vingar, e um coração duro não é uma proteção infalível contra um miolo mole.

domingo, 18 de setembro de 2011

Chesterton vs Nietzsche

No blog do Professor Angueth, um leitor sugeriu que ele confrontasse as ideias de Chesterton e Nietzsche, como se fora um debate. O Professor prontamente acolheu a sugestão e postou em seu blog alguns trechos em que Chesterton combateu as ideias de Nietzsche.

Achei a ideia muito interessante e decidi contribuir. Como o Professor fez um apanhado, principalmente do livro "Hereges", decidi postar mais algumas palavras de Chesterton combatendo as ideias nietzscheanas.

Como disse o Professor Angueth, "Nietzsche morreu em 1900 e Chesterton começou a escrever profissionalmente um pouco depois disso. Assim, ele não poderia ter debatido diretamente com o filósofo alemão. Contudo, ele percebeu bem a natureza maligna de sua filosofia e a debateu com todos os seus defensores, principalmente Shaw e Wells, mas não só". Abaixo segue mais um pouco do que seria esse debate, tomando trechos do livro Ortodoxia:

"Nietzsche começou essa idéia absurda de que os homens buscaram como bem o que agora chamamos de mal. Se fosse assim, não poderíamos falar em ir além ou até mesmo em ficar aquém do bem e do mal. Como você pode ultrapassar o Silva se você estiver caminhando na direção contrária? Você não pode discutir se um povo obteve mais êxito em sentir-se infeliz do que outro em sentir-se feliz. Seria como discutir se Milton era mais puritano do que um porco é gordo".

"O ponto supremo não é saber por que alguém busca determinada coisa, mas o fato de buscá-la. Não disponho aqui de espaço para traçar ou explicar essa filosofia da Vontade. Surgiu, suponho, por intermédio de Nietzsche, que pregou algo chamado de egoísmo. Isso, de fato, era bastante simplório; pois Nietzsche negava o egoísmo pregando-o. Pregar alguma coisa é entregá-la. Primeiro, o egoísta chama a vida de guerra sem compaixão, depois despende o máximo esforço possível para treinar seus inimigos na guerra. Pregar o egoísmo é praticar o altruísmo. Mas como quer que tenha começado, a visão é bastante comum na literatura atual".

"Nietzsche tinha algum talento natural para o sarcasmo: ele sabia escarnecer, embora não soubesse rir; mas há sempre algo incorpóreo e sem peso na sua sátira, simplesmente porque ela não tem nenhum peso de moralidade comum em que se apoiar. O próprio Nietzsche é mais absurdo que qualquer coisa por ele denunciada. Mas, de fato, ele se sustenta muito bem como exemplo típico de todo esse fracasso da violência abstrata. O amolecimento do cérebro que no fim o atingiu não foi um acidente físico. Se Nietzsche não houvesse acabado na imbecilidade, o nietzscheanismo o teria feito. Pensar no isolamento e com orgulho acaba na idiotice. Todos os homens que não passam por um amolecimento do coração devem no mínimo passar pelo amolecimento do cérebro".

"Essa, incidentalmente, é toda a fraqueza de Nietzsche, que alguns estão representando como pensador ousado e forte. Ninguém negará que ele foi um pensador poético e sugestivo; mas foi exatamente o oposto de forte. Não foi de modo algum ousado. Ele nunca colocou suas idéias diante de si com palavras simples e abstratas, como fizeram os vigorosos e destemidos pensadores Aristóteles e Calvino e até mesmo Karl Marx. Nietzsche sempre se evadia de uma questão usando uma metáfora física, como um jovial poeta menor. Ele dizia "além do bem e do mal" porque não tinha a coragem de dizer "melhor que o bem e o mal", ou "pior que o bem e o mal". Se ele houvesse enfrentado o pensamento sem metáforas, teria visto que se tratava de um disparate. Assim, quando ele descreve o seu herói, não ousa dizer "o homem mais puro", ou "o homem mais feliz", ou "o homem mais triste"; pois todas essas expressões são idéias, e as idéias são alarmantes. Ele diz "o homem superior" ou "o super-homem", uma metáfora física, baseada em acrobatas ou alpinistas. Nietzsche é realmente um pensador muito tímido. Realmente não tem a mínima idéia do tipo de homem que ele quer que a evolução produza".


Trarei um pouco mais desse debate retirando trechos de outros livros ainda não traduzido para o português.

Abraços.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O melhor de todos os mundos impossíveis

G. K. Chesterton
The G.K. Chesterton calendar (Cecil Palmer)


Este mundo não deve ser justificado como ele é justificado pelos otimista mecânicos; não deve ser justificado como o melhor de todos os mundos possíveis. Seu mérito não é que ele seja ordenado e explicável; seu mérito é que ele é selvagem e totalmente inexplicável. Seu mérito é precisamente que nenhum de nós poderia ter concebido tal coisa, que nós teríamos rejeitado essa ideia descabida como milagrosa e irracional. Este mundo é o melhor de todos os mundos impossíveis.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Meu lar, meu castelo

Há quase dois anos, postei uma interessante citação de William Pitt, onde enaltecia o valor de nosso lar, dizia ele:

"O lar de um homem é o seu castelo. O homem mais pobre desafia, em sua casa, todas as forças da coroa. A sua cabana pode ser muito frágil, o teto pode tremer, o vento pode soprar entre as portas mal ajustadas, a trombeta pode penetrar, mas o Rei da Inglaterra não pode nela entrar".

Para a minha surpresa, achei um comentário de Chesterton sobre essa citação, que a complementa de forma extraordinária. Comenta Chesterton:

"O homem que disse que a casa de um Inglês é o seu castelo disse muito mais do que ele pensou. O Inglês pensa na sua casa como algo fortificado, e provisionado, e as grandes ameças que vêm sobre ele é o cerne de sua origem romântica. Neste sentido, ele seria mais forte nas noites de inverno mais selvagens, quando o portão trancado e a ponte elevadiça levantada obstrui não somente os de fora, mas também os dentro. A casa do Inglês é quase sagrada, não meramente quando o Rei não pode entrar, mas também quando o Inglês não pode dela sair".