“Contenham esse avanço... Façam qualquer coisa, por menor que seja... Mantenham aberta ainda que seja uma só porta dentre cem, pois conquanto que tenhamos pelo menos uma porta aberta, não estaremos numa prisão.”
(G.K.C)

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Os "Policiais-Filósofos"

Recebei um elogio - assim o encarei - de alguém que andou lendo esse meu blog. Disse-me tal pessoa que os textos postados aqui são sensatos, apesar de serem, na sua maioria, "do contra".

- "Do contra"? - perguntei. Como assim?

- Já notou - respondeu - que muito do que você posta lá, são idéias que vão de encontro ao que normalmente a maioria das penssoas pensam ou praticam, mas que, mesmo assim, faz sentido o que você diz?

Lembrei-me de alguns textos postados, como "A intolerância dos tolerantes", "O engano dos best-sellers", "Nem toda diversão é divertida para todos", "A liberdade do nosso lar", etc, e percebi que ele tinha razão, de certa forma.

- Nem sempre sou eu que digo - respondi -, mas, é verdade que mesmo as citações que publico de autores, são pensamentos com os quais coaduno.

- Interessante isso. Ir de encontro às coisas mais simples e aparentemente inofensivas e nelas descobrir perigos consideráveis.

- Mais interessante ainda - respondi - é perceber perigos consideráveis sendo transformados em coisas simples e aparentemente inofensivas - risos dele -, mas não sou eu o "caçador de heresias", apenas concordo com os verdadeiros caçadores e neles descubro algumas coisas que sempre pensei, mas não sabia expressar.

Lembrei-me imediatamente de Gabriel Syme, personagem de Chesterton do livro "O Homem que foi quinta-feira", antes de se tornar detetive, numa cena onde encontra um policial a observar o tempo, num parque às margens do Tâmisa e acha estranho o comportamento desse policial, que mais parecia um filósofo com suas palavras:

- Mas por que você ingressou na Polícia? - inquiriu Syme, com rude curiosidade.

- Exatamente pelo mesmo motivo que você tem para insultá-la. Descobri que havia no serviço uma oportunidade especial para aqueles cujos temores pela sorte da humanidade dizem respeito antes às aberrações do intelecto científico do que aos normais e desculpáveis, ainda que excessivos, distúrbios da vontade humana.

- Como é que um homem como você, bota um uniforme azul e vem filosofar aqui no aterro?

- É evidente que você não ouviu falar nos mais recentes métodos do nosso sistema policial, e não me admiro, pois não os revelamos às classes cultas e educadas, pois nelas se encontram a maior parte dos nossos inimigos. Mas parece que o seu espírito é predisposto. Creio que você poderia unir-se a nós.

- Unir-me em quê? – perguntou Syme.

- Explicarei tudo – disse o guarda calmamente. – A situação é esta: o chefe de um dos nossos departamentos, detetive dos mais célebres de toda a Europa, vem desde muito tempo suspeitando de uma conspiração puramente intelectual que em breve ameaçará a própria existência da civilização. Está convicto de que os mundos artísticos e científicos se unem secretamente numa cruzada contra a Família e o Estado. Por esta razão, ele formou uma corporação especial de detetives, detetives que são também filósofos. A função deles é investigar as orígens dessa conspiração e combatê-la, não só no sentido meramente criminal, mas no terreno da controvérsia.

- O que é que fazem, então? – perguntou.

- A missão do policial-filósofo – respondeu o homem de azul – é mais arriscada e mais sutil do que a do simples detetive. O detetive comum vai às cervjarias capturar ladões; nós nos dirigimos ao sarau artístico para descobrir pessimistas. Através das páginas de registros contábeis, os detetives comuns descobrem que se cometeu uma fraude. Nós, através de um livro de sonetos, descobrimos que um crime está para ser cometido. Temos que seguir desde a origem a pista daqueles pensamentos terríveis que conduzem os homens ao fanatismo intelectual e, por fim, ao crime intelectual.

- Quer dizer – inquiriu Syme – que há realmente tal conexão entre o crime e a intelectualidade moderna?

- Nós negamos a presunçosa concepção inglesa de que os criminosos perigosos são os sem educação. Lembramo-nos dos imperadores romanos, dos príncipes envenenadores da Renascença, e dizemos que o criminoso mais perigoso é o culto. Afirmamos que o mais temível destes tempos é o filósofo moderno, sem o mínimo de respeito pela lei. Comparados a ele, arrombadores e bígamos são homens de moralidade perfeita. Aceitam o ideal essencial do homem, só que o buscam erroneamente. Os ladrões respeitam a propriedade, apenas desejam que ela se torne sua, a fim de a poderem respeitar melhor. Mas os filósofos detestam a propriedade na sua essência, querem destruir a própria ideia de possessão pessoal. Os bígamos respeitam o casamento, caso contrário não se sujeitariam à formalidade, altamente cerimoniosa e até ritual, da bigamia. Mas os filósofos desprezam o casamento por ser casamento. Os assassinos respeitam a vida humana, somente desejam atingir neles próprios uma maior plenitude dela pelo sacrifício do que lhes parece serem vidas inferiores. Mas os filósofos odeiam a vida em si, tanto a própria como a dos outros.

Syme pôs-se a bater palmas.

- Isso é verdade! – bradou. – Tenho pensado assim desde a infância, mas nunca fui capaz de exprimir tão bem. O criminoso vulgar é um homem mau, mas ao menos é, se assim se pode dizer, um homem condicionalmente bom. Desde que um determinado obstáculo – um tio rico, por exemplo - seja removido, está pronto a aceitar o mundo tal qual ele é e a louvar a Deus. É um reformador, mas não um anarquista. Quer limpar o edifício, mas não destruí-lo. O filósofo pernicioso não deseja alterar as coisas, mas sim aniquilá-las.

- Mas isto é absurdo! - gritou o polícial, apertando as mãos uma na outra, com uma excitação invulgar em pessoas do seu físico e uniforme. - Mas isto é intolerável! Não sei o que faz, mas está decerto desperdiçando a sua vida. Você deve, com urgência, alistar-se no nosso exército especial para lutar contra a anarquia. Os exércitos dos nossos inimigos estão nas nossas fronteiras. Eles estão apertando o cerco. Um momento mais e pode perder a glória de trabalhar conosco, talvez a glória de morrer com os últimos heróis do mundo!

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