“Contenham esse avanço... Façam qualquer coisa, por menor que seja... Mantenham aberta ainda que seja uma só porta dentre cem, pois conquanto que tenhamos pelo menos uma porta aberta, não estaremos numa prisão.”
(G.K.C)

sábado, 27 de junho de 2009

Cuidado ao julgar o outro

Desde que li, há algum tempo, um conto de Chesterton chamado "Os três instrumentos de morte", reforcei, ainda mais, o meu antigo comportamento de procurar não confabular e não tirar conclusões precipitadas. Este conto fala sobre a morte do Sr. Armstrong, um pacato e alegre filantropo, de uma pequena cidade. Ex-alcoolatra, o Sr. Armtrong desenvolvia vários programas beneficentes, entre eles, o de ajudar aos que ainda permaneciam afundados na bebida a livrar-se dela. Ele moravam num casarão com sua filha Alice, seu secretário Patrick e o mordomo Magnus. Patrick e Alice eram apaixonados e só ainda não estavam juntos, porque o pai, Sr. Armstrong, não concordava com o casamento dos dois.

Certo dia todos da casa escutaram tiros e barulhos de móveis arrastando e de objetos sendo quebrados, que vinham do quarto do Sr. Armstrong. Logo depois ele foi encontrado morto no jardim, bem debaixo da janela do seu quarto onde dormia no segundo andar. Um pedaço de corda parecia preso a uma das pernas, enredado provavelmente numa luta. Havia uma mancha de sangue pequena, mas o corpo estava dobrado ou quebrado no chão. A polícia chegou e o detetive começou a investigar o caso. Interrogou o mordomo, a filha e o secretário do Sr. Armstrong. Todos eram suspeitos. No quarto, foi encontrado um revólver com todos os cartuchos disparados, um punhal ensanguentado, que era de Patrick, e um pedaço de corda, além de meia garrafa de uísque rolada no chão.

Mas quando as investigações penderam para acusar Alice, pelo fato da fortuna que ela herdaria do pai, Patrick confessou o crime e Alice, ainda muito abalada, chamando o detetive, contou o que havia presenciado:

"Eu estava neste cômodo contíguo ao deles - explicou a moça -, ambas as portas estavam fechadas, mas ouvi de repente uma voz, como nunca tinha visto antes na face da Terra, rugir 'Diabo, diabo, diabo' muitas vezes, e depois ambas as portas estremeceram com a primeira detonação do revólver. Ouvi mais três estrondos antes de abrir as duas portas, e vi então que o cômodo estava cheio de fumaça; mas o revólver estava fumegando na mão do meu pobre e louco Patrick; e com os meus próprios olhos o vi disparar o último tiro. Depois ele saltou sobre meu pai - que aterrorizado, estava agarrado ao peitoral da janela - e, segurando-o, tentou estrangulá-lo com a corda que lhe jogara sobre a cabeça, a qual deslizou dos ombros que se debatiam para os pés. Aí a corda se enrolou numa perna, e Patrick o arrastou como um alucinado. Eu peguei um punhal e, correndo muito, consegui cortar a corda antes de desmaiar."

Padre Brown, que foi chamado para ajudar neste caso, e que é o principal personagem de Chesterton nesses contos, sempre usa o bom-senso para desvendar os crimes. Depois de observar todos os acusados e ouvi-los depor, chamou o grupo de policiais e falou:

"Eu lhes disse que neste caso havia armas de mais e uma só morte. Digo-lhes agora que não eram armas, e de fato não foram usadas armas para provocar a morte. Todos esses terríveis instrumentos, a corda, o punhal ensanguentado, o revólver, foram instrumentos de uma estranha misericórdia. Não foram usados para matar o Sr. Armstrong, mas para salvá-lo."

E depois conclui:

"Por trás da máscara alegre estava uma mente vazia. Por fim, para manter o seu alegre nível social, voltara ao vício do alcoolismo, que ele tinha deixado havia muito. Mas o alcoolismo provoca este horror num ex-abstêmio genuíno: faz com que ele imagine e espere o inferno psicológico contra o qual alertara outros. Logo, esse inferno se abateu sobre o Sr. Armstrong, e esta manhã ele estava em tal estado, que se sentou aqui e começou a gritar que estava no inferno, e o fez com uma voz tão transtornada, que a filha não a reconheceu. Estava louco para morrer, e com um artifício típico de loucos, espalhara à sua volta a morte em muitas formas: um laço, um revólver e um punhal do amigo. Patrick entrou por acaso e agiu prontamente. Jogou o punhal no tapete, agarrou o revólver e, sem tempo para tirar as balas, esvaziou-o dando vários tiros para o chão. O suicida viu uma quarta forma de morte, e precipitou-se para a janela. Seu salvador fez a única coisa que podia: correu atrás dele com a corda e tentou atar-lhe os pés e as mãos. Foi então que a pobre moça entrou correndo e, interpretando mal a luta, tentou libertar o pai cortando a corda. Sucede apenas que, antes de desmaiar, a pobre moça conseguiu soltar o pai cortando a corda, assim, ele pôde pular da janela para estatelar-se na eternidade".

O detetive, sem entender a confissão de Patrick, o chamou e disse:

- Acho que você deveria ter falado a verdade - disse o detetive.
- Você não vê que ela não pode saber? - falou Patrick.
- Saber o quê? - indagou o detetive espantado.
- Que matou o pai! Se não fosse ela, ele estaria vivo agora. Se ela souber disso, pode enlouquecer.

Neste conto, tudo indicava que Patrick era culpado, mas eis que toda a sua culpa foi mentir para "conservar" sua amada.

Um comentário:

Ticiana Gularte disse...

Adorei o conto... gostaria de ler o livro... você me empresta??