“Contenham esse avanço... Façam qualquer coisa, por menor que seja... Mantenham aberta ainda que seja uma só porta dentre cem, pois conquanto que tenhamos pelo menos uma porta aberta, não estaremos numa prisão.”
(G.K.C)

terça-feira, 21 de outubro de 2008

A intolerância dos tolerantes

Ontem estive na Universidade Estadual do Ceará a fim de encadernar um material que imprimi. Lá, encontrei um amigo no bloco do curso de História. Conversa vai, conversa vem, estávamos falando sobre alguns campos de interesse. Sob um bate-papo descontraído, lembro-me que ele estava contrapondo a situação atual do mundo com uma outra situação utópica, que estaríamos, caso o socialismo estivesse prosperado. Foi quando fiz a seguinte observação: "Acontece, amigo, que não há como prosperar saudavelmente no socialismo, se é que, pelo menos, se pode prosperar nele". Ele olhou para os lados, meio que assustado e me disse: "Fala baixo!" e sorriu. Em seguida, continuou: "Eu estaria disposto a ouvir suas razões contra o socialismo, mas muitos daqui, não!" e sorriu novamente.

No mesmo momento, lembrei-me de outra situação em que estive numa sorveteria que fica em um bairro universitário daqui de Fortaleza. Um lugar conhecido como "liberal", desses lugares onde a união entre pessoas do mesmo sexo é algo comum, onde se vê, constantemente, rodas de violão, gaitas "cigarros" e vinho, onde as pessoas se dizem livres de preconceito. Após boas risadas por causa de uma "criatura" espalhafatosa que entrou na sorveteria, um colega que estava comigo perguntou o que eu achava da questão levantada pela ciência a respeito de o homossexualismo ser de causa genética. Eu respondi que, talvez, genética deve ser essa mania dos cientistas quererem isentar os problemas humanos através de um "fatalismo". Enquanto eu falava, ele tentava me dizer algo olhando para os lados, com um sorriso meio desconcertado. Havia um casal de meninas na mesa vizinha e, na outra, havia uma turma de cinco rapazes afeminados. Alguns deles já me olhavam com certo desdém.

E outra vez, sem motivo aparente me veio à mente que, há uma semana, uma crítica a Nietzsche, numa livraria em que eu estava, custou-me o desrespeito de dois filósofos que eu acabara de conhecer.

A ligação entre essas três ocasiões veio como um raio na minha cabeça. Ocorreram todas em um intervalo de pouco mais de um mês, mas convergiram, na minha mente, para um mesmo ponto em comum, quando fui advertido pelo meu amigo da Universidade Estadual do Ceará.

O ponto em comum a que me refiro é que todas aquelas pessoas que, de certa forma, me censuraram, são as mesmas que se dizem tolerantes, liberais, livres-pensadores e “mentes abertas”. No entanto, os defensores da tolerância não pareceram muito tolerantes. Seus livres-pensamentos não aceitavam a minha liberdade. Suas mentes abertas se fechavam diante de uma opinião sincera, que conflitava com a deles. Os liberais mostravam-se conservadores.

Os que defendiam que devemos aceitar todas as diferenças não aceitavam que se pensasse diferente. Ironicamente a liberdade de expressão deles significava que não se pode tocar em certos assuntos. Em última análise, parece-me que a busca por esse tipo de liberdade nos priva de sermos livres.

5 comentários:

Danizelda disse...

Antes de iniciar quero resgistrar que estou impressionadíssima. Você conseguiu me fazer escrever alguma coisa. É praticamente a minha primeira vez.
Isso aconteceu porque esse assunto que você abordou mexe muito comigo e há muito tempo.
Desde que tenho consciência, o Brasil é propalado como um País miscigenado, onde as pessoas aceitam e vivem harmoniosamente com as outras.
Eu, particularmente não aceito essa nossa característica e com uma freqüência absurda acontecem situações como as que você descreveu.
Compartilho que todos devemos ter a liberdade de sermos como quisermos e de pensarmos o que quisermos, sempre claro respeitando o pensar alheio.

Um abraço e parabéns pelo Blog.
Danizelda.

juliana kramer disse...

Eu poderia esperar comentários de qualquer pessoa, menos de você, Dani...rs

Neste post eu quis mostrar que aqueles que nos chamam de preconceituosos e "mente fechada", não são tão liberais como pensam.

Unknown disse...

Olá, Agnon! O tempo todo nos deparamos com as contradições do homem. Somos seres eternamente contraditórios. Vimos pessoas defendendo certas idéias... no entanto, na prática, elas agem exatamente igual às idéias de que são contra! E o pior: nem se dão conta disso! São inúmeros os exemplos que tenho sobre isso. um abraço, Aline

Unknown disse...

poder "conversar" com vc numa sorveteria, praça, livraria... praia... deve ser TDB, hein agnon??!!

belíssimo texto!

ruby, de SAMPA

Florzinha disse...

O Agnon, realmente, é uma excelente companhia. "Conversar" com ele, então, noooossa...chega a ser um privilégio...rs. Nossas "conversas" são sempre muito agradáveis.
Mais um execelente texto!
Bjão!