“Contenham esse avanço... Façam qualquer coisa, por menor que seja... Mantenham aberta ainda que seja uma só porta dentre cem, pois conquanto que tenhamos pelo menos uma porta aberta, não estaremos numa prisão.”
(G.K.C)

terça-feira, 26 de outubro de 2010

A história pela metade

Chesterton

A inovação moderna que substituiu a história pelo jornalismo, ou por aquela tradição que podemos chamar de "fofoca" da história, teve pelo menos um efeito claro: garantiu que as pessoas ouçam apenas o fim das histórias.

Esse tipo de jornalista ou "historiador" nunca pensam em publicar a vida até o momento de publicar a morte. Assim como lida com os indivíduos, lidam também com as instituições e as idéias. Após a Primeira Guerra Mundial, nosso público começou a ouvir falar da emancipação de todo tipo de nação. No entanto, nunca ouvira dizer que essas nações estivessem escravizadas. Fomos chamados a avaliar se era justo que essas nações se estabelecessem quando nunca nos permitiram saber que existiam desavenças.

É muito interessante. É mais ou menos igual ao último ato de uma peça para aqueles que acabaram de entrar no teatro bem na hora de a cortina cair. Mas não permite saber exatamente do que trata a história toda. Essa maneira leviana de promover o teatro, pode ser recomendável para os que se contentam com um tiro de pistola ou um abraço apaixonado. É insatisfatório, porém, para os atormentados por uma curiosidade meramente intelectual sobre quem está beijando ou matando quem, e por quê.

Boa parte da história moderna padece dessa mesma imperfeição. Na melhor das hipóteses, os historiadores contam apenas metade da história e tratam a segunda metade sem falar da primeira. Homens para quem a razão tem início com o Renascimento, homens para quem a religião nasce com a Reforma, nunca podem fornecer um relato completo de coisa alguma, pois têm de partir de instituições cuja origem não podem explicar ou, de modo geral, nem ao menos imaginam. Na versão apresentada por esses autores, a história simplesmente não começa. Eles só chegam no momento da morte, quando não depois que ela já ocorreu. Esses autores apenas juntam, por assim dizer, as próprias cinzas das cinzas, o último resto dos restos.

Tomamos conhecimento de reformadores sem saber o que tinham a reformar; somos colocados diante de rebeldes sem ter noção do objeto de sua revolta; lemos memoriais que não tem relação com memória alguma; e somos informados de restaurações de coisas que aparentemente nunca existiram antes de serem restauradas.

Ora, imagino que todos saibam que os séculos XII e XIII foram "um momento de um despertar do mundo. Nesse período ocorreu um novo florescimento da cultura e das artes criativas que se sucedeu a um longo período de experiência bem mais desagradável e até estéril, que chamamos de Idade das Trevas". Esses séculos podem ser considerados uma emancipação; foram, com certeza, um fim, um fim do que talvez pareça um período mais difícil e mais desumano. Mas, o que chegou ao fim? De que os homens foram emancipados? É em relação a isso que há um verdadeiro conflito e desavença entre as diferentes filosofias da história.

Sob o aspecto meramente externo e secular, tem sido afirmado com exatidão que os homens despertaram de um sono, mas houve, durante esse sono, sonhos reveladores e, às vezes, de uma espécie monstruosa. Na rotina racionalista em que caiu os historiadores modernos, considera-se suficiente dizer que os homens foram emancipados da mera superstição selvagem, tendo avançado em direção da iluminação civilizada. Ora, esse é um grande erro que fica como pedra de tropeço bem no começo de nossa história.

O fim da Idade Média não foi só o fim de um sono. E certamente não foi apenas o final de uma escravidão supersticiosa. Foi o fim de algo que faz parte de uma ordem bem definida, porém, bem diferente, de idéias.

sábado, 9 de outubro de 2010

A decadência da cultura brasileira

Olavo de Carvalho

Na década de 50, tínhamos, vivos e atuantes, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Àlvaro Lins, Augusto Meyer, Otto Maria Carpeaux, Mário Ferreira dos Santos, Vicente Ferreira da Silva, Herberto Sales, Cornélio Penna, Gustavo Corção, Nelson Rodrigues, Lúcio Cardoso, Heitor Villa-Lobos, Augusto Frederico Schmidt, a lista não acaba mais. Hoje, quem representa na mídia a imagem da “cultura brasileira”? Paulo Coelho, Luís Fernando Veríssimo, Gilberto Gil, Arnaldo Jabor, Emir Sader, Frei Betto e Leonardo Boff. Perto desses, Chomsky é Aristóteles. É o grau mais alto pelo qual se medem. Chamar isso de crise, ou mesmo de decadência, é de um otimismo delirante. A cultura brasileira tornou-se a caricatura de uma palhaçada. É uma coisa oca, besta, disforme, doente, incalculavemente irrisória.

A inteligência, ao contrário do dinheiro ou da saúde, tem esta peculiaridade: quanto mais você a perde, menos dá pela falta dela. O homem inteligente, afeito a estudos pesados, logo acha que emburreceu quando, cansado, nervoso ou mal dormido, sente dificuldade em compreender algo. Aquele que nunca entendeu grande coisa se acha perfeitamente normal quando entende menos ainda, pois esqueceu o pouco que entendia e já não tem como comparar.

Mário Ferreira dos Santos


Olavo de Carvalho

Quando tudo o que hoje se escreve no Brasil tiver se desfeito em farrapos, quando até mesmo os melhores tiverem se tornado apenas verbetes de uma enciclopédia jamais consultada, as palavras de um pensador brasileiro ainda estarão vivas para mostrar, sobre as ruínas dos tempos, a perenidade do espírito humano.

Ninguém neste país ergueu mais alto o estandarte da inteligência nem levou o pensamento de língua portuguesa mais perto de uma universalidade supratemporal do que o filósofo paulista Mário Ferreira dos Santos (1903-1968).

Cultuado e respeitado, temido e odiado em vida, Mário tornou-se, uma vez morto, objeto de uma conspiração de silêncios destinada a abafar o mais paradoxal dos escândalos: este país sem cultura filosófica deu ao mundo um dos maiores filósofos do século, talvez de muitos séculos.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Sempre duelando


Chesterton: "Bernard, quem o vir pensará que estamos passando fome na Inglaterra".

Bernard Shaw: "Gilbert, quem o vir pensará que és a causa dessa fome".



(Foto: Shaw à esquerda e Chesterton à direita. No meio, Hilare Belloc.)