“Contenham esse avanço... Façam qualquer coisa, por menor que seja... Mantenham aberta ainda que seja uma só porta dentre cem, pois conquanto que tenhamos pelo menos uma porta aberta, não estaremos numa prisão.”
(G.K.C)

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Trilema, dilema e lema



Interessante como, às vezes, nos deixamos enganar com coisas tão simples. A ilogicidade (que palavra horrível!) nos passa despercebida. Por exemplo, ateus, agnósticos, cristãos, budistas, maometanos e tantos outros, são unânimes quanto ao valor moral dos ensinamentos de Jesus. Porém, nem todos (na verdade, poucos) aceitam algumas palavras ditas por Jesus, tais como:

“Eu e o Pai somos um.” (João 10:30)
“Quem me vê, vê aquele que me enviou.” (João 12:45)
“Vocês me chamam Mestre e Senhor, e com razão, pois eu o sou.” (João 13:13)

Ou seja, aceitam-no como um grande “mestre da moral”, mas não o aceitam como o próprio Deus.

É aí que entra a tal ilogicidade. Esse “mestre da moral” foi o mesmo que falou ser o próprio Deus. Esse “grande moralista” é também aquele que perdoava algo que sequer foi feito contra ele, mas contra outras pessoas. É o mesmo que dizia perdoar pecados (se é que você tem idéia do que isso significava naquela época).

Então entramos num trilema:

Ele era um louco, pois pensava que era Deus, mas não era.
Ele era um mentiroso, pois dizia ser Deus, sabendo que não era.
Ele realmente era Deus.

Então entra-se num dilema:

O que Jesus falava em relação à moral era verdade ou mentira?

Mentira? Então não há moral nenhuma no que ele disse, esqueçamos seus ensinos sobre o amor, a humildade, a caridade, etc.

Verdade? Então eis o nosso problema lógico, quando não aceitamos Jesus como Deus: o grande mestre da moral foi um louco ou mentiroso (já que não é reconhecido como Deus). Por que deveríamos acreditar nele? Acreditar num louco? Há loucos confiáveis, mas perceba que a loucura dele não é qualquer loucura, é das mais insanas, é uma troca de personalidade, é a mesma de quem se diz ser Napoleão Bonaparte. Acreditar num mentiroso? Se não fala a verdade quanto à própria personalidade, porque acreditaríamos nos seus ensinos?

Partindo de um trilema, passamos a um dilema, para, enfim, chegarmos a um lema: só nos resta aceitá-lo como o próprio Deus. Ele não nos deixou outra opção.

2 comentários:

jeffersongoes disse...

Olá Agnon!
Discordo do seu texto. E como creio que você não quer que todo mundo concorde, apresentarei a minha crítica.

Eu sou agnóstico e, no entanto, tomo alguns dos preceitos cristãos como pontos importantes da minha conduta. Não vejo qualquer ilogicidade nisto. Até mesmo porque parte desses preceitos não são genuinamente cristãos, pois se acham presentes noutras tradições. De qualquer modo, é interessante a sua argumentação, embora discorde dela em muitos aspectos, como passo a expor a seguir.
Em primeiro lugar, não penso haver problema em dar algum crédito aos loucos. Nem tudo que dizem é necessariamente errado ou perigoso. Há casos profícuos nos quais loucos proferem juízos mais arrazoados que os sãos. Sem contar que já é extremamente controverso e complicado instituir limites entre a normalidade e a patologia mental. Quanta coisa se considera sinal de loucura mas se trata muitas vezes apenas de uma percepção ou comportamento diferenciado.
Ademais, com relação à mentira, não vejo também como podemos nos furtar completamente dela. Identifico, para que fique bem claro, à mentira o engano, o erro. Neste sentido, nos equivocamos todos. Mentimos frenquëntemente, mesmo que não seja por má-fé. Mas mesmo os mentirosos inveterados não mentem o tempo todo e deles, com alguma sorte, também poderemos ouvir relatos ou informações precisas, se lhes convier.
Não queria tocar no nome da ciência, pois receio que ela desvirtue o que pretendo dizer com este comentário. Todavia, não me ocorre outro exemplo para apresentar em favor do que penso. Assim sendo, reporto-me à bela e velha senhora, portanto cheia de artroses e outras mazelas. À ciência não podemos renunciar. O desenvolvimento da ciência é irrefreável o que significa que dela teremos todo tipo de frutos, aos quais, para simplificar, poderíamos chamar conotativamente, de frutos verdadeiros e enganosos. Por que colhemos estes últimos devemos doravante abortar todos os possíveis frutos vindouros?

Não creio que a realidade seja tão binária: ou se é mentiroso ou veraz, ou se é louco ou arrazoado. Do mesmo modo, não tenho tanta veneração pela lógica, não a coloco como critério da verdade, não a transformo num ícone, numa deusa. Graças à ilogicidade gênios legaram à humanidade alguns rebentos fabulosos, a saber, a literatura (não falo de toda a literatura, é claro!). A propósito da literatura, não seria a de gênero revelado uma ilogicidade para os padrões da razão? A lógica não é um corpo teórico tão rígido. Há lógicas tão díspares que são irreconhecíveis entre si. Umas funcionam num campo do pensamento mas são completamente insuficientes noutros. Uma coisa, porém, pocuos estudiosos da lógica tem discordado: do seu caráter instrumental, quer dizer, ela é instrumento para o pensamento, mas não é o único e nem o mais genuíno, original. A lógica não deve ser tão reverenciada, sob pena de que as outras religiões percam fiéis.

juliana kramer disse...

Olá Jefferson, agradeço-lhe o comentário.

Vou falar um poucquinho também sobre o seu comentário.

Quanto a não ver problema em dar crédito aos loucos e que nem todos são necessariamente errados ou perigosos, eu concordo plenamente. Por isso falei que "Há loucos confiáveis..."
Como diz Chesterton, "o louco não é o homem que perdeu a razão, mas o homem que perdeu tudo, menos a razão".
Sei que é difícil instituir um limite entre a normalidade e a insanidade, existe uma massa cinzenta de dúvida que as separam, mas não entre os extremos. Se homem disser, com toda seriedade e convicção, que é Deus, se não O é, pelo menos sei de uma coisa: que é um louco. Jesus não tinha o comportamento de um lunático. É por isso que é um personagem que choca, pois com características de pura sanidade, falava e agia, muitas vezes, de forma absurda aos olhos dos homens. "Você pisa no meu pé, ou rouba meu dinheiro, e eu o perdôo. O que diríamos, no entanto, de um homem que, sem ter sido pisado ou roubado, anunciasse o perdão dos pisões e dos roubos cometidos contra os outros? Presunção asinina é a descrição mais gentil que podemos dar da sua conduta. Entretanto, foi isso o que Jesus fez... Cristo afirma ser "humilde e manso", e acreditamos nele, sem nos dar conta de que, se ele fosse somente um homem, a humildade e a mansidão seriam as últimas qualidades que poderíamos atribuir a alguns de seus ditos." (Lewis)
Acho que ninguém justificaria a fraude do cristianismo pela insanidade de seu fundador.
Quanto à mentira, você bem especificou de que tipo se tratava, ("para que fique bem claro, à mentira o engano, o erro."). Mas, como eu falei, o Jesus mentiroso seria justamente aquele que, sabendo que não era Deus, dizia-se sê-Lo. Sei que o engano ou o erro como mentira, são plenamente justificáveis e não causam tantos problemas à credibilidade do autor, mas a do tipo que citei, essa sim, traz inconfiabilidade. Jesus não errou ou se enganou (se enganar que era Deus sem ser?). Estava convicto. Seria uma mentira das grandes, caso não acreditássemos.
Em ralação à você achar que a realidade não é tão binária, também estou de acordo com você, contanto que o conjunto da realidade que observamos seja bastante heterogêneo. Não posso me negar a reconhcer como louco um homem na rua andando fazendo gestos e falando sozinho, gritando ser o dono daquele pedaço. Também não posso deixar de achar mentiroso alguém que, estando ao meu lado na estação, disser pro amigo, ao telefone, que está em casa. Não somos tão passíveis assim.
As características de Jesus, se não forem levadas como ele sendo Deus, se cuidadosamente analisadas, o fazem pior que o homem da rua que fala só e o rapaz que mentiu ao telefone que acabei de citar. Não são atos daqueles que podemos relevar como erro ou engano nem enquadrar na massa cinzenta de dúvida que divide a sanidade e a insanidade. Ele está nos extremos e o que "o salva" é acreditarmos que ele era Deus.
Você falou bem, que podemos dar credibilidade aos loucos e aos mentirosos (no sentido de engano) e sendo agnóstico, toma preceitos critãos como pontos importantes da sua conduta. Então admiro sua capacidade de aceitar muito do que Jesus disse, mesmo que ele fosse um lunático mentiroso. Ou talvez aceite por ainda não ter visto por esse ângulo.

Um abraço, meu caro.