
Tal como a sombra, o amor corre de quem o segue: foge, se o perseguis; se fugis, vos persegue.
Livros têm ganhado o aplauso da crítica e uma extraordinária atenção popular na mesma proporção em que eles faltam com a verdade - quanto mais eles o fazem, melhor. Muitos leitores, e muito particularmente aqueles que escrevem resenhas na imprensa, empregam outros padrões de julgamento para exaltar ou condenar os livros que lêem - a novidade, o sensacionalismo, a sedução, a força e até mesmo o poder de confundir ou desorientar a mente, no lugar da verdade, da clareza e do poder de esclarecimento.
Todo amor humano, em seu apogeu, possui a tendência de reivindicar uma autoridade divina. Sua voz tende a soar como se fosse a vontade do próprio Deus. Ela nos diz para não contar o custo, exige de nós um compromisso total, tenta superar todas as outras reivindicações e insinua que todo ato feito sinceramente "por causa do amor" é, portanto, legal e até meritório.
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É preciso notar que os amores naturais fazem esta reivindicação blasfema quando se acham em sua melhor e não em sua pior condição natural; quando são o que nossos avós chamavam de "puros" e "nobres". Isto se evidencia especialmente na esfera erótica. Uma paixão fiel e genuinamente sacrificial irá falar-nos com o que parece ser a voz de Deus.
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É possível que dediquemos a nossos amores humanos a fidelidade devida apenas a Deus. Eles então se tornam deuses: então se tornam demônios. Irão assim destruir-nos e também destruir a si mesmos. Pois os amores naturais, quando lhes é permitido que se tornem deuses, não permanecem amores. Continuam recebendo esse nome, mas se transformam na verdade em formas complicadas de ódio.
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Este tema, aliás, tem grandes conseqüências práticas. A coisa mais perigosa que podemos fazer é tomar um certo impulso de nossa natureza como critério a ser seguido custe o que custar. Não existe um único impulso que, erigido em padrão absoluto, não tenha o poder de nos transformar em demônios. Talvez você pense que o amor pela humanidade em geral é livre de perigos, mas isso não é verdade. Se deixarmos de lado o senso de justiça, logo estaremos violando acordos e falsificando provas judiciais em prol do 'bem da humanidade'. Teremos então nos tornado homens cruéis e desleais.
Não existe um investimento seguro. Amar é ser vulnerável. Ame qualquer coisa e eu coração irá certamente ser espremido e possivelmente partido. Se quiser ter a certeza de mantê-lo intacto, não deve dá-lo a ninguém, nem mesmo a um animal. Envolva-o cuidadosamente em passatempos e pequenos confortos, evite todos os envolvimentos, feche-o com segurança no esquife ou no caixão do seu egoísmo. Mas nesse esquife - seguro, sombrio, imóvel, sufocante - ele irá mudar. Não será quebrado, mas vai tornar-se inquebrável, impenetrável, irredimível.
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O único lugar fora do céu onde você pode manter-se perfeitamente seguro contra todos os perigos e perturbações do amor é o inferno.
Acredito que os amores mais fora-da-lei e imoderados são menos contrários à vontade de Deus do que uma falta de amor auto-provocada e auto-protetora.
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Continua sendo verdade que todos os amores naturais podem ser imoderados. Imoderado não significa "insuficientemente cauteloso", nem "excessivo". Não se trata de um termo quantitativo. E provavelmente impossível amar qualquer ser humano simplesmente “demasiado”. Podemos amá-lo demais em proporção ao nosso amor a Deus; mas é a insignificância de nosso amor por Deus e não a grandeza de nosso amor pelo homem que constitui o excesso, embora mesmo isto precise ser aperfeiçoado.
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A verdadeira pergunta é a quem você serve, ou prefere, ou coloca em primeiro lugar (quando surge a necessidade de fazer uma opção)? A sua vontade cede, em análise final, a qual das duas exigências?
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O melhor amor de um ou outro tipo não é cego. [...] Se “tudo” - realmente tudo - “pelo amor” estiver implícito na atitude do ser amado, o amor dele ou dela não vale a pena de ser alcançado, pois não se relaciona da maneira certa com o próprio Amor.
A palavra “evolução” parece ter certa tendência a substituir “explicação”... A noção de suavidade, de consolador, de gradativo e lento constitui uma grande parte da enorme ilusão. Digamos que se trata tanto de uma ilusão como de um absurdo.
A lentidão nada tem que ver nesta questão. Um fato não é mais ou menos inteligível, segundo a velocidade em que se executa. Para um homem que não acredita em milagres, um milagre lento será tão incrível quanto um outro imediato, fulminante. A feiticeira grega pôde transformar os marinheiros em porcos ao simples contato com sua varinha mágica. Porém, ver um marinheiro desses, nosso amigo, convertendo-se, paulatinamente, em porco, não seria, de certo, muito mais tranqüilizador.
Não obstante, o materialismo histórico parece não poder despregar-se desse erro que consiste em acreditar que uma dificuldade fica iludida explicando-a por meio de um lento decorrer do tempo. A questão se apóia na falsa sensação de facilidade que se produz pela mera sugestão de ir devagar.
Não se pode considerar resolvido o problema substituindo a mudança rápida das coisas por uma transformação lenta...