“Contenham esse avanço... Façam qualquer coisa, por menor que seja... Mantenham aberta ainda que seja uma só porta dentre cem, pois conquanto que tenhamos pelo menos uma porta aberta, não estaremos numa prisão.”
(G.K.C)

domingo, 11 de abril de 2010

Vontade e Desejo

Desde muito tempo a diferença entre vontade e desejo desapareceu. A filosofia clássica tinha bem distinto esses conceitos e a distinção entre eles é bastante elucidativa.

Vontade é o apetite racional ou compatível com a razão. Desejo é o apetite sensível, não-racional e, muitas vezes, segundo Cícero, a concupiscência ou a cupidez desenfreada. A vontade, como apetite racional, está submetida aos preceitos da razão, à lógica. Assim é que Kant define a vontade como a faculdade de agir segundo a representação de regras.

Deve-se principalmente ao ceticismo o desapareceimento da diferença entre esses dois conceitos, pois tendo colocado várias barreiras à possibilidade do conhecimento[1] e à origem do conhecimento[2] , a caracterização da vontade como ato racional foi posta em dúvida.

No entanto, a psicologia moderna veio ratificar o pensamento clássico. Murphy, em sua Introdução à Psicologia, diz que "a vontade é o nome com o qual se designa um complexo processo interior que influencia nosso comportamento de tal modo que nos torna presas menos fácil da pura força bruta dos impulsos[3]".

Socrates disse que a causa do mal é a ignorância. Desta forma, a causa de um mal é uma ação não pensada ou pensada insuficientemente. Assim, Platão dá um exemplo muito ilustrativo da diferença entre querer racionalmente (vontade) e querer sem pensar ou pensando insuficientemente (desejo): "...tiranos não fazem o que querem (vontade, racional), embora façam o que lhes agrada ou bem lhes parece (desejo), visto que fazer o que se quer (vontade, racional), significa fazer o que se mostra bom ou útil, isto é, agir racionalmente".

"Penso, logo existo", disse Descartes, afirmando ser o "pensar" a certeza imediata da nossa existência. Não sei se Maine de Biran, quando disse "Quero, logo existo", preocupou-se na diferença entre vontade e desejo[4]. Caso sim, e o seu "Quero" signifique desejo, então, para ele, nosso apetite sensível é a certeza imediata da nossa existência; porém se esse "Quero", significa vontade, ele falha e deve descer um degrau e ficar com Descartes, já que "querer" como vontade é racional, então antes de querer pensa-se, logo, pensar vem antes, como afirmou Descartes.

Bem, quero almoçar! E esse "querer" é uma mistura de vontade e desejo. Estou com fome (desejo) e, porque vou praticar um exercício físico, quero me alimentar (vontade).


[1] Podemos apreender a ralidade?
[2] A realidade, se é apreendida, se dá por meio da razão, da experiência ou de ambos?
[3] Isto é, do Desejo.
[4] Na verdade, Biran estava tratando da realidade como resistência às nossas ações. O que é real opõe-se a mim; com o imaginário ,faço o que eu quiser.

Um comentário:

Wendy A. Carvalho disse...

Gostei do texto! Realmente faz sentido esse pensamento. Como você diferenciaria "vontade" e "desejo" vindos de Deus? Como seria sua teologia?

"Vontade de Deus", "Desígnio de Deus" ou "Desejo de Deus"... Como você age diante disso?