“Contenham esse avanço... Façam qualquer coisa, por menor que seja... Mantenham aberta ainda que seja uma só porta dentre cem, pois conquanto que tenhamos pelo menos uma porta aberta, não estaremos numa prisão.”
(G.K.C)

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

A falácia do sucesso


Dedico esta postagem aos autores dos best-sellers de auto-ajuda.


G. K. Chesterton
All Things Considered (1909)
Tradução por Agnon Fabiano

Tem surgido no nosso tempo, um tipo em particular de livros e de artigos que creio sinceramente e solenemente, podem ser chamados de os mais imbecis que a humanidade tem conhecido. Eles são mais excêntricos do que os mais extravagantes romances de cavalaria e muito mais enfadonhos do que os mais cansativos tratados religiosos. Com o agravante de que os romances de cavalaria eram, pelo menos, sobre cavalaria, e os tratados religiosos eram sobre religião. Essas coisas, no entanto, são sobre coisa alguma; são sobre algo chamado Sucesso.

Em cada estante, em cada revista, você encontra obras ensinando às pessoas como serem bem-sucedidas. São livros que mostram às pessoas como serem bem-sucedidas em tudo; mas são escritos por pessoas que sequer são bem-sucedidas em escrever um livro. Para começar não existe, naturalmente, essa coisa chamada Sucesso. Ou, se você prefere de outra maneira, não há nada que não seja bem-sucedido. Dizer que uma coisa é bem-sucedida, quer dizer, apenas, que ela é; um milionário é bem sucedido sendo um milionário e um jumento é bem sucedido sendo um jumento. Qualquer homem vivo é bem-sucedido em manter-se vivo, e qualquer homem morto pode ter sido bem-sucedido em suicidar-se. Porém, ignorando a má lógica e a má filosofia do conceito, nós podemos tomá-lo, como fazem esses autores, no sentido comum da expressão, que diz que Sucesso é ganhar muito dinheiro ou obter posição social. Esses autores alegam ensinar ao homem comum como ser bem-sucedido em sua profissão ou em seus negócios – se ele é construtor, ter sucesso como construtor; se é corretor da bolsa, ter sucesso como corretor da bolsa. Alegam mostrá-los como, sendo um dono de mercearia, pode tornar-se um iatista profissional; como, sendo um jornalista de décima categoria, pode tornar-se um membro da nobreza; como, sendo um judeu germânico, pode tornar-se anglo-saxão. Isso é uma clara proposta comercial, e eu realmente acho que as pessoas que compram esses livros (se é que alguém os compra) têm o direito moral, senão legal, de pedirem seu dinheiro de volta.

Ninguém ousaria publicar um livro sobre eletricidade que, literalmente, não dissesse nada sobre eletricidade; nenhuma pessoa ousaria publicar um artigo sobre botânica que mostrasse que o autor desconhece qual extremidade da planta cresce para dentro da terra. No entanto, nosso mundo está repleto de livros sobre Sucesso e sobre pessoas bem-sucedidas que, literalmente, não trazem idéia alguma e, dificilmente, trazem qualquer tipo de coerência.

É perfeitamente óbvio que em qualquer ocupação decente como, por exemplo, construir muros ou escrever livros, há somente dois modos sensatos de ser bem-sucedido. O primeiro é fazendo um bom trabalho, o segundo é trapaceando. Ambos são simples demais para requererem qualquer explicação literária. Se você se dedica a salto em altura, ou salte mais alto do que qualquer outra pessoa ou, de alguma forma, aparente que o fez. Se você quer ser bem-sucedido como jogador de bridge, ou torne-se um bom jogador de bridge ou jogue com cartas marcadas. Você pode precisar de um livro sobre salto em altura; você pode precisar de um livro sobre bridge; você pode precisar de um livro sobre como trapacear no bridge. Mas você não precisa de um livro sobre Sucesso. Especialmente você não precisa de um livro sobre Sucesso como os que você encontra, às centenas, espalhados no mercado editorial. Você pode querer saltar ou jogar cartas, mas não vai querer ler declarações estúpidas do tipo "saltar é saltar", ou "jogos são vencidos por vencedores".

Se esses autores, por exemplo, dissessem alguma coisa sobre o sucesso no salto em altura, soaria como algo assim: "O competidor de salto deve ter um objetivo claro diante de si. Ele deve estar determinado a saltar mais alto do que qualquer outro atleta que esteja na mesma competição. Não deve deixar que sentimentos medíocres de compaixão o impeçam de dar o melhor de si. Deve lembrar-se que uma competição de salto é claramente competitiva e que, como Darwin demonstrou gloriosamente, ‘OS MAIS FRACOS IRÃO PARA O PAREDÃO’”. É esse o tipo de coisa que o livro diria, e seria muito útil, sem dúvida, se lida, em voz baixa e tensa, a um jovem atleta, pouco antes de empreender o seu salto.

Ou, supondo que no curso de suas divagações intelectuais, o filósofo do Sucesso examinasse nosso outro caso, o do jogador de cartas, sua estimulante recomendação seria: "No jogo de cartas é inteiramente necessário evitar o erro, comumente cometido por filantropos humanitários e partidários do livre-comércio, de permitir que seu adversário vença o jogo. Você deve ter garra e coragem, e entrar para ganhar. Os dias do idealismo e da superstição já passaram. Vivemos numa época de ciência e de bom senso, e tem-se provado definitivamente que em qualquer jogo em que dois estão competindo, SE UM NÃO VENCE, O OUTRO VENCERÁ". É tudo muito empolgante, naturalmente, mas confesso que se eu fosse jogar cartas, gostaria de ter, de preferência, algum livrinho decente que me ensinasse as regras do jogo. Para além das regras do jogo é tudo uma questão de talento ou desonestidade; e eu me encarregaria logo de munir-me de uma ou de outra – ainda que não diga qual delas.

Folheando uma revista muito popular, deparo-me com um exemplo ao mesmo tempo estranho e cômico. Trata-se de um artigo intitulado "O instinto que faz as pessoas enriquecerem", decorado, em sua primeira página, com um retrato formidável de Lord Rothschild. Existem muitos métodos definidos, tanto honestos quanto desonestos, de enriquecer, mas, que eu saiba, o único "instinto" capaz dessa façanha é o instinto que a teologia cristã chama grosseiramente de "o pecado da ganância". Isso, no entanto, está fora de nossa discussão. Desejo citar os primorosos parágrafos que seguem como exemplo típico do conteúdo dos livros que falam sobre como se alcançar o sucesso. São tão práticos; e deixam pouca dúvida sobre qual deve ser o próximo passo:
O nome Vanderbilt é sinônimo de riqueza no moderno mundo empresarial. Cornelius Vanderbilt, fundador da família, foi o primeiro dos grandes magnatas do comércio norte-americano. Ele começou como o filho de um fazendeiro pobre, tendo terminado como multimilionário no século XX.

Ele tinha o instinto de fazer dinheiro. Agarrava suas oportunidades, oportunidades que surgiram com aplicação da máquina a vapor no tráfego marítimo e com o desenvolvimento do transporte ferroviário num rico, porém ainda subdesenvolvido, Estados Unidos da América. Conseqüentemente, ele acumulou uma enorme fortuna.

É evidente que nós não podemos seguir exatamente os mesmos passos desse grande rei das ferrovias. As oportunidades particulares que surgiram para ele não se aplicam a nós. As circunstâncias mudaram. Porém, mesmo assim, podemos, em nossas próprias circunstâncias, aplicar seus métodos gerais. Nós podemos agarrar as oportunidades que nos aparecem, dando a nós mesmos uma boa oportunidade de alcançarmos a riqueza.
É em declarações bizarras como essas, que podemos ver com clareza o que está realmente por trás de todos os artigos e livros dessa natureza. Não é mero negócio; não se trata nem mesmo de puro cinismo. Trata-se de misticismo, o horrendo misticismo do dinheiro. O autor dessa passagem não tem a menor idéia do que Vanderbilt fazia com seu dinheiro, ou de como qualquer outra pessoa pode fazer do seu próprio. Ele, porém, conclui suas observações defendendo um método; e é um programa que não tem absolutamente nada a ver com Vanderbilt. Simplesmente desejava prostrar-se diante do mistério de um multimilionário. Porque quando nós cultuamos alguma coisa, amamos não apenas sua clareza, mas também sua obscuridade. Nós nos alegramos em sua invisibilidade. Assim, por exemplo, quando um homem está apaixonado por uma mulher, ele tem um prazer especial no fato de que as mulheres sejam incompreensíveis. Da mesma forma o poeta piedoso, ao celebrar o Criador, encontra prazer em afirmar que Deus age de modos misteriosos.

Ora, o autor dos parágrafos que citei não parece ter coisa alguma a ver com um deus, e eu não acredito (julgando pela sua enorme impraticabilidade) que ele alguma vez tenha se apaixonado verdadeiramente por uma mulher. Mas a coisa que ele realmente venera – Vanderbilt – ele trata dessa maneira mística. Ele se deleita no fato de que sua divindade, Vanderbilt, esconda algum segredo dele. E sua alma enche-se de uma espécie de arrebatamento de astúcia, um êxtase de clericalismo, quando ele finge estar revelando à multidão o terrível segredo que ele mesmo desconhece.

Falando do instinto que enriquece as pessoas, o mesmo autor observa:

Na Antiguidade a existência do instinto que enriquece as pessoas, era inteiramente compreendida. Os gregos reverenciavam esse instinto na história de Midas, do “Golden Touch”, um homem que transformava em ouro tudo que tocava. Sua vida foi uma jornada em meio a riqueza: tudo que aparecia no seu caminho ele transformava em metal precioso. "Uma lenda tola", diziam os sabichões da era vitoriana; "uma verdade", dizemos nós, hoje em dia.
Todos conhecemos homens como esse. Estamos constantemente encontrando ou lendo sobre gente que transforma em ouro tudo que toca. O sucesso segue essas pessoas como um cachorro segue seu dono. Suas vidas são uma trajetória infalível de ascensão. São incapazes de fracassar.

Infelizmente, no entanto, Midas era capaz de fracassar – e fracassou. Sua vida não foi uma trajetória infalível de ascensão. Morreu de fome porque sempre que tocava um biscoito ou um sanduíche de presunto eles transformavam-se em ouro. Essa era moral da história, embora o autor a tenha ocultado sutilmente, talvez pelo fato de estar escrevendo bem perto do retrato de Lord Rotschild.

As velhas fábulas da humanidade são, de fato, insondavelmente sábias, mas não devemos emendá-las para proteger os interesses do Sr. Vanderbilt. Não devemos ter o rei Midas representado como exemplo de sucesso. Ele foi um fracasso de um tipo raro e penoso. E tinha, além disso, orelhas de burro. Também, (como muitas outras pessoas famosas e prósperas) ele esforçava-se em esconder essa condição. Foi seu barbeiro, se não me engano, o único a conhecer essa peculiaridade; e esse barbeiro, em vez de comportar-se como uma pessoa esperta da escola do Sucesso-a-todo-custo e tentar chantagear o Rei Midas em troca do sigilo, foi, de outra forma, sussurrar esse extravagante segredo aos juncos, que se deleitaram enormemente em sabê-lo. Conta-se que os juncos “cantavam” o segredo sempre que recebiam vento, espalhando a história pelo reino.

Olho com reverência para o retrato de Lord Rothschild; leio com reverência sobre as façanhas do Sr. Vanderbilt. Sei que não posso transformar em ouro tudo o que toco; porém sei também que é porque nunca tentei, pois prefiro outras substâncias, coisas como grama e um bom vinho. Sei que essas pessoas, sem dúvida, obtiveram sucesso em alguma coisa; sei que certamente superaram alguém; sei que são reis, de uma forma que nenhum rei foi antes; sei que criam mercados e cavalgam continentes. Porém parece-me sempre que há algum pequeno fato de sua privacidade que vivem escondendo, e penso, por vezes, ouvir no vento o riso e o sussurro dos juncos.

Por fim, resta-nos esperar que vivamos o suficiente, para vermos esses livros absurdos sobre Sucesso, cobertos com o escárnio e o menosprezo que eles merecem. Não ensinam as pessoas a serem bem-sucedidas, mas as ensinam a serem esnobes; espalham uma espécie de poesia maligna de materialismo.

Os puritanos denunciam continuamente os livros que inflamam a lascívia. O que deveríamos dizer dos livros que inflamam as paixões mais vis da ganância e do orgulho?

Há cem anos tínhamos o ideal do Aprendiz Esforçado. Dizia-se aos meninos que com frugalidade e empreendedorismo podiam chegar todos a Senhores da Nobreza. Era mentira, mas era uma mentira viril, e possuía um mínimo de verdade moral. Em nossa sociedade a temperança não ajudará um pobre a enriquecer, mas poderá ajudá-lo a olhar para si mesmo com respeito. Um bom trabalho não fará dele um homem rico, mas um bom trabalho fará dele um bom trabalhador. O Aprendiz Esforçado surgiu de virtudes que eram escassas e estreitas, mas ainda assim virtudes. Mas o que dizer do evangelho pregado ao novo Aprendiz Esforçado – o aprendiz que não ascende por meio de suas virtudes, mas declaradamente através de seus vícios?

Um comentário:

Anônimo disse...

Intererssante esse Artigo.
Trabalho com vendas e nunca suportei esse livros de autoajuda que mais "paparicam" e bajulam o pobre coitado para que continue comprando essas porcarias .
Gostei do assunto porque nunca ouvi uma pessoa de calibre do autor falando um pouco a respeito .
Parabens pelo artigo
Antonio Ricardo SP - São Paulo